Só havia sedãs no histórico da Citroën no Longa Duração. Do C4 Pallas, de 2009, para o primeiro C4 Lounge, desmontado em 2015, não houve grande evolução: problemas com freios, com o motor 2.0 aspirado e com a recorrente leniência da rede de concessionárias se repetiram. Em 2016, outro C4 Lounge, dessa vez com motor 1.6 turbo, revelou melhorias no projeto do sedã e no atendimento das revendas.
Então compramos nosso quarto C4, agora com proposta completamente diferente. O C4 Cactus introduziu a fabricante francesa no efervescente segmento dos SUVs compactos, despertou interesse no mercado e imediatamente se tornou o carro mais vendido da marca. Como adoramos estreias e carros que estão em voga, a escolha foi natural. E ainda serviria para conferir se a rede Citroën seguiu evoluindo.
Em abril de 2019, o C4 Cactus Feel Pack 1.6 16V estreou por aqui. Topo de linha entre os aspirados, nos custou R$ 84.400 na concessionária Trianon.
Um ano e meio depois, a melhor oferta na troca por outro C4 foi de R$ 65.000 – 23% de desvalorização, ante 27,4% do Volkswagen Virtus que esteve aqui no ano passado. Perda na casa dos 20% é o que mais se observa no Longa Duração, o que derruba o mito de que carro francês desvaloriza mais.
Mas o grande diferencial do Longa Duração está em poder analisar, também, a fiabilidade do carro ao longo de 60.000 km – que representa cinco anos de uso para o motorista médio.
Tudo começa antes de transformar o carro em um mosaico de peças. O motor 1.6, que revelou melhora de desempenho consistente no último teste, passa pela medição da pressão no interior dos cilindros em sua temperatura de trabalho.
Tomando por base a média de três medições, o quarto cilindro tinha a maior pressão (195 psi), e o segundo apresentou a menor pressão (188,3 psi). “A montadora não divulga o valor de pressão dos cilindros nominal e mínima, mas a diferença máxima entre as pressões, de 5%.
A diferença registrada foi de 3,72%, portanto todos os cilindros estão dentro do esperado”, explica Fábio Fukuda, da Fukuda Motorcenter, oficina responsável por todo o acompanhamento e o desmonte dos carros de Longa Duração.
A desmontagem começa com a retirada do conjunto motor e câmbio. Os coxins do motor e do câmbio em perfeito estado não surpreendem, pois o isolamento das vibrações foi um dos pontos fortes do C4 Cactus do início ao fim do teste.
As velas, que foram trocadas aos 40.000 km, apresentaram folgas rigorosamente iguais, de 0,95 mm. Novas, apresentariam 0,90 mm e estão bem no limite da tolerância apontada pela fabricante, de 0,05 mm, em plena meia-vida. Fukuda tem uma ressalva: “Merece atenção, mas é bem provável que tenham tirado as velas da caixa e instalado sem regular a folga, pois os eletrodos estão perfeitos”.
Ao soltar o cabeçote, impressionou o bom estado da cabeça dos pistões e das válvulas, tanto as de admissão como as de escape. “Estavam bem limpos e sem sinais de carbonização excessiva, especialmente se levarmos em consideração que neste teste foi utilizado apenas gasolina comum. Neste caso a injeção indireta se mostrou bastante eficiente e calibrada para um rendimento excelente”, explica Fukuda.
Carbonização em excesso foi um problema apresentado em todos os últimos Citroën que passaram por esta seção, mas o 1.6 16V EC5, com modestos 118 cv, mostrou os efeitos das evoluções que recebeu no Brasil nos últimos 20 anos, como o comando de válvulas de admissão variável e a bomba de óleo com vazão variável – ambos perfeitos ao fim do teste.
LUBRIFICAÇÃO PERFEITA
Seguimos para a desmontagem das partes vitais do motor. Retirado o virabrequim, não constatamos desgaste nos munhões e moentes da peça, assim como em suas bronzinas de mancal e bielas. Diâmetro dos pistões e largura dos anéis estão em conformidade com os dados divulgados pela fabricante.
Ainda que a empresa não revele parâmetros de ovalização e conicidade dos cilindros, quando se manifestaram foi mínimo, 0,01 mm. “Dessa forma, podemos afirmar que está tudo dentro do que se espera de um motor novo e em ótimo estado de conservação”, garante Fukuda. Também é mérito do eficiente sistema de lubrificação e do óleo 0W30 sintético usado ao longo de todo o teste.
Nossa regra para câmbio automático é a seguinte: só desmontamos quando há indícios de mau funcionamento relatados pelos usuários ou sinais de que há problemas com o sistema através da análise visual do fluido interno do câmbio.
Nenhum dos 15 motoristas que se revezaram ao volante do C4 Cactus relatou problemas e o fluido não revelou desgaste no câmbio Aisin TF-71SC, de seis marchas. Ponto pra ele. As coifas das juntas homocinéticas foram encontradas com rasgos e deterioração do material. Estão reprovadas: isso não se manifesta nos testes de Longa Duração há décadas.
Sem problemas nos rolamentos – componentes que, diga-se, evoluíram muito para facilitar a rolagem e diminuir o consumo. E, então, chegamos ao momento da desmontagem da suspensão e do sistema de direção, justamente os sistemas com maior histórico de problemas nos Citroën do Longa. O C4 Cactus não escapou.
Tudo vinha bem até agora. O Cactus era reconhecido pela equipe pelo conforto de rodagem. Mas Fábio Fukuda detalha o motivo: “Encontramos as buchas das bandejas rompidas. Não completamente, mas em um nível que já comprometia a estabilidade e o alinhamento das rodas.
Os calços das molas dianteiras também estavam muito desgastados e a ponto de permitir o contato das molas com os respectivos pratos”. Sinal de atenção: por se intitular SUV, era esperado mais robustez das borrachas.
Os amortecedores, porém, estão em bom estado, o que, pelo histórico da marca, é um bom sinal: o Pallas chegou ao fim do teste com amortecedores sem ação e o primeiro C4 Lounge teve três intervenções no sistema entre reapertos e trocas – nosso C4 Cactus passou apenas por um reaperto para eliminar um barulho notado ainda nos primeiros meses de uso.
Não encontramos problemas na suspensão traseira, com um robusto eixo de torção, e o sistema de direção está aprovadíssimo. “A utilização de assistência elétrica ajudou bastante para que não apresentasse folgas, que levariam ao desgaste dos terminais de direção e barras axiais, que estão em bom estado”, assegura Fukuda.
HERÓIS DA RESISTÊNCIA
O sistema de freios não teve nenhuma intervenção ao longo dos 60.000 km, nem sequer troca de fluido – o intervalo é de dois anos, de acordo com o plano de manutenção da Citroën. E podemos dizer que teve durabilidade extrema, ainda que desde os 45.000 km houvesse reclamações para o curso longo do pedal de freio.
O conjunto dianteiro chegou ao final com o disco de freio esquerdo a 0,03 mm do mínimo tolerado (24 mm) e o direito, a 0,13 mm. As pastilhas ainda tinham material de atrito (são elas que eventualmente acabam em nossos carros) e não foi verificado empenamento dos discos, o que seria esperado diante de um desgaste total das peças.
O sistema de freio traseiro é por tambor e lonas, que têm desgaste bem menor, e não fugiu do esperado. Na verdade, pelo que vimos, ainda têm uma longa vida pela frente.
Vale a informação: a Citroën tem tabela de preços fixos para intervenções mecânicas e a troca de discos e pastilhas dianteiros custa R$ 1.100. Kit de suspensão dianteira (inclusos os amortecedores), R$ 1.980.
Na hora de desmontar o acabamento interno, constatamos como os painéis plásticos seguiam bem fixados e sem deformação após os 60.000 km, com exceção da coluna B, que insistia em se desprender.
Fukuda encontrou dificuldades na desmontagem de alguns componentes, em especial a central multimídia e o quadro de instrumentos digital de LCD – que foi trocado em garantia no início do teste, pois tinha bolha por dentro da tela.
“É necessário ter atenção extra, pois seus grampos são muito fortes e, no caso do multimídia, a tomada do chicote ficou presa por trás da capa do painel durante a montagem do veículo, o que dificultou bastante sua retirada”, explica. Esta, aliás, foi a única ressalva para o sistema elétrico do nosso C4 Cactus.
“O fato de estar mal localizada pode ser um problema apenas desta unidade, mas isso poderia vir a trazer problemas posteriormente. Encontrei todos os terminais íntegros e sem sinais de oxidação, e as tomadas de passagem estavam bem localizadas e facilitaram a desmontagem das portas e da tampa traseira”, relatou o técnico.
A lógica do processo de montagem e desmontagem é importante e, inclusive, analisada pelas seguradoras, pois há impacto direto no custo dos serviços de reparo. Um bom exemplo disso está nos grampos que fixam as molduras dos para-lamas que fazem parte do pacote de autoafirmação do Cactus como um SUV.
São grampos extremamente rígidos, a ponto de terem se quebrado na retirada dos plásticos. Isso ocorre porque elas reforçam a união entre para-choque e para-lamas, mas será um custo inevitável em qualquer retirada dos para-choques.
Com a retirada dos acabamentos e isolantes térmicos e acústicos apareceram as evidências geológicas das aventuras do Citroën C4 Cactus Brasil afora. Sim, poeira, principalmente na parte traseira do veículo. E ela se alojou especialmente no compartimento do estepe, ponto mais baixo do porta-malas.
Após uma investigação mais minuciosa, podemos aventar duas hipóteses para explicar isso: ou a sujeira entrou pelos respiros da carroceria (que estão ali para facilitar o fechamento das portas, por exemplo), localizados na lateral interna traseira, ou pela borracha da tampa traseira. Não dá, porém, para relacionar com a solução para um barulho na traseira, eliminado após a primeira revisão.
Nas concessionárias sempre fizeram o prometido. Às vezes, errado: balanceamento malfeito se repetiu nas revisões de 20.000 e 40.000 km. Uma vez com a peça errada: a Green instalou um filtro de cabine paralelo, não homologado pela Citroën.
Só a Le Mans, que trocou o quadro de instrumentos em garantia, não cumpriu a promessa de reprogramar o computador de bordo, que exibia o consumo em “litros/100 km” – conseguimos fazer em outra loja. Nada, porém, comprometeu a jornada do carro.
Com poucos problemas desmascarados no desmonte, o Citroën C4 Cactus deixou claro que há uma evolução nos carros e na rede da marca para desconstruir alguns mitos – inclusive o de que os carros franceses são frágeis. São mais caros de manter? O C4 ficou na média, como mostra a tabela ao lado com o custo dos rivais que também desmontamos.
“Os retentores de válvulas intactos, assim como a cabeça dos pistões limpas, provam que não houve escorrimento de óleo pelas hastes. Por sua vez, a injeção direta de combustível nas câmaras elimina a possibilidade de o carvão ser resultante de gasolina mal queimada. Então, por eliminação, concluo que o material carbonizado se originou da queima de vapores do sistema de recirculação de gases”, diz Fukuda.
A carroceria, apesar dos episódios de infiltração de água, também recebeu elogios. Lógico que a invasão de água foi uma decepção.
É o tipo de problema que, há tempos, não se vê nos carros de Longa Duração. Mas não houve entrada de poeira e a montagem se mostrou impecável, com fixadores de alta qualidade nas peças de acabamento e conectores elétricos robustos.
O Virtus se aposenta do Longa Duração aprovado, mas com algumas ressalvas. À VW, cabe acertar alguns pontos do projeto e da rede de assistência. E não cairia mal rever também seu plano de manutenção.
VEREDICTO
O C4 Cactus teve percalços, mas só para exercitar a nossa paciência. O carro, em si, revelou ter mecânica confiável e robusta. Mesmo a suspensão: as borrachas desgastaram, mas foram até 60.000 km. Acontece. Com apenas as coifas das homocinéticas reprovadas, tem a merecida aprovação no Longa Duração.
Ocorrências | |
11.483 km | Troca do quadro de instrumentos |
20.562 km | Direção vibrando |
23.574 km | Concessionária desfez o rodízio |
23.889 km | Rodízio refeito e balanceamento corrigido |
31.754 km | Direção vibrando |
40.058 km | Filtro de cabine não homologado |
42.313 km | Furo no pneu |
43.196 km | Pneus dianteiros substituídos |
Ficha técnica | Citroën C4 Cactus Feel Pack 1.6 16V AT |
Motor | lex, dianteiro, transversal, quatro cilindros em linha, 1.587 cm³, 16V, 78,5 x 82 mm, 12,5:1, 118 cv/115 cv a 5.750 rpm, 16,1 kgfm a 4.750 rpm |
Câmbio | automático, 6 marchas, tração dianteira |
Direção | elétrica, 3 voltas |
Suspensão | independente McPherson (dianteira); eixo de torção (traseira) |
Freio | disco ventilado (dianteira), tambor (traseira) |
Pneus | 205/55 R17 |
Peso | 1.225 kg |
Peso/potência | 10,32/10,65 kg/cv |
Peso/torque | 76,1 kg/kgfm |
Dimensões | comprimento, 417 cm; largura, 171,4 cm; altura, 156,3 cm; entre-eixos, 260 cm; altura livre do solo, 22,5 cm; porta-malas, 320 litros; tanque, 55 litros |
Tabela de preço | |
Em abril de 2019 | R$ 89.290 |
Atual (modelo usado) | R$ 72.739 |
Atual (modelo novo) | R$ 92.790 |
Quilometragem | |
Rodagem urbana | 17.670 km (29,2%) |
Rodagem rodoviária | 42.821 km (70,8%) |
Rodagem total | 60.445 km |
Combustível | |
Consumo | 5.546,45 litros |
Gasto | R$ 23.809,39 |
Consumo médio | 10,9 km/l |
Manutenção | Revisão / Alinhamento |
10.000 km – Auto Green | R$ 397/R$ 168 |
20.000 km – Caraigá | R$ 750/R$ 170 |
30.000 km – Sorana | R$ 435/R$ 170 |
40.000 km – Rodac | R$ 940/R$ 149 |
50.000 km – Original | R$ 466/R$ 160 |
Extras (essenciais) | |
2 filtros de cabine | R$ 102 |
1 par de pastilhas de palhetas | R$ 252 |
1 película solar | R$ 250 |
Extras (acidentais) | |
Par de pneus | R$ 1.426 |
Custo por 1.000 km | |
Combustível | R$ 396,90 |
Revisões | R$ 50,13 |
Alinhamento | R$ 10,78 |
Extras (essenciais) | R$ 10,06 |
Total | R$ 467,87 |