Como viver com a gasolina a R$ 7,00 e o álcool a R$ 6,00?
Reportagem de 1977 procurava meios de driblar o alto preço da gasolina durante a crise do petróleo. Hoje sobra combustível, mas até o etanol está caro
“Várias restrições vão sendo impostas, a gasolina agora atinge um preço bastante considerável e, além do mais, a cada dia fica mais complicado consegui-la. Com isso, numa sociedade que realmente depende dos veículos motorizados, encontrar uma ou mais maneiras para se economizar combustível acaba se tornando o grande problema do momento”. Começava assim a reportagem assinada por Claudio Carsughi e Édson Higo do Prado, capa da QUATRO RODAS 199, de fevereiro de 1977.
Mas poderia ser de hoje.
No Rio e Janeiro, Rio Grande do Sul, Tocantins e Acre o preço máximo da gasolina por litro variou de R$ 7,05 a R$ 7,36 na última semana, de acordo com a pesquisa semanal de preços da Agênca Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Como viver com a gasolina a CR$ 7,00” dava dicas para fazer a combustível render ainda mais no tanque do carro, dizia o que não fazer e mostrava até mesmo como continuar viajando mesmo com os valores proibitivos nos postos – entre elas, usar as hoje praticamente inexistentes linhas ferroviárias interestaduais. Algumas dessas dicas ainda são válidas.
Abastecer era ainda mais caro – e difícil
Na época, o Brasil vivia, há algum tempo, os efeitos da crise do petróleo, iniciada em 1973, quando conflitos no Oriente Médio resultaram no primeiro choque do petróleo, que elevou o preço do barril de pouco mais de US$ 2 para até US$ 12.
O Brasil, muito mais dependente do petróleo importado do que hoje, havia criou o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) em 1975, mas o primeiro carro a álcool, o Fiat 147, só seria lançado em 1979.
Hoje, o álcool não é uma alternativa válida. O preço do litro do etanol passou dos R$ 6 em cinco estados: Acre, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O maior valor encontrado pela ANP foi de R$ 6,89 no estado do Rio Grande do Sul.
O mais assustador é que aqueles 7 cruzeiros de 1977, corrigidos pelo índice IGP-DI (FGV) , representam 14 reais de hoje.
Para piorar, o governo tentava dificultar a venda de combustível. As bombas dos postos não podiam funcionar o dia inteiro (só das 6h às 23h) ou aos domingos (o posto fechava às 19h de sábado e só abriria às 6h da segunda-feira) e feriados, e mesmo em rodovias a velocidade máxima era limitada a 80 km/h para aumentar a autonomia dos carros. Nos Estados Unidos, limitava-se a potência dos carros naquela época.
O Governo também criou os chamados “cupons de recolhimento restituível”. Antes de abastecer o carro, o motorista deveria passar no banco e comprar talões de cupons ao preço de de Cr$ 2,00/litro, que encareciam ainda mais o combustível.
Esses cupons nada mais eram do que empréstimos compulsórios ao governo, que só seriam restituídos após dois anos sem juros ou correção monetária. Parecia assustador mas, de acordo com a reportagem, muita gente viu um negócio nisso.
Quem precisava do dinheiro, vendia seus cupons na hora. O talão com 100 cupons comprado a Cr$ 200,00 depois era negociado a Cr$ 70,00: quem aguardasse os dois anos com eles em mãos teria rentabilidade de 72% ao ano ou 144% ao fim dos dois anos – à época, letras de câmbio e ações de primeira linha rendiam, em média, 38% a.a. O governo estimulava isso e havia empresas negociando diretamente com empresas de táxi e grupos de motoristas autônomos.
Os carros melhoraram muito
A injeção eletrônica só apareceria em um carro nacional 12 anos depois, com o lançamento do Gol GTI. Mas já em 1977 falava-se dos benefícios da injeção eletrônica na diminuição do consumo nos carros europeus.
Por aqui, restava destacar os benefícios da ignição eletrônica, “que elimina o platinado e permite uma perfeita regulagem do motor, além de assegurar, em qualquer rotação, uma centelha amplamente eficiente”, dizia a reportagem. “Uma economia real de 5% já pode ser considerada como um bom resultado”, completa o texto.
A presença da injeção eletrônica está presente em todos os carros vendidos no Brasil há 24 anos (quando a VW Kombi 1997 aboliu o carburador) e, para nossa sorte, isso tornou obsoletas algumas das dicas da época.
Com a injeção eletrônica ninguém precisa acertar a posição do distribuidor, pois o módulo do motor (ECU) vai controlar o avanço da ignição por conta própria, respeitando seus sensores. O vacuômetro deu lugar aos econômetros nos computadores de bordo, também capazes de mostrar o consumo em tempo real.
Você também não precisa se preocupar em aferir o velocímetro e os indicadores de troca de marcha apontam a hora certa de avançar ou reduzir a marcha mesmo quando o carro não tem conta-giros (um luxo nos anos 1970).
Há coisas que você nem imagina que evoluíram. Na época, a troca das velas era feita a cada 10.000 km, com regulagem aos 5.000 km sob pena de aumentar o consumo em 7%.
Hoje, velas convencionais chegam a durar 40.000 km (ou até o triplo disso, se de irídio) e as oficinas apenas verificam o estado dos eletrodos na maioria das revisões e quando o manual preconiza a troca, ela é feita de forma preventiva – geralmente ainda teria alguma vida útil.
Carros nem tão modernos assim já fazem os ajustes das lonas dos freios a tambor sozinhos. Naquela época, quando ainda havia freio a tambor no eixo dianteiro, não era assim: o motorista precisava se preocupar com a regulagem para assegurar que as lonas não estavam “prendendo” o carro, forçando o motor – e seu consumo. O gasto aumentaria em até 11%.
Parceiro nas partidas com o motor frio, o afogador também era cumplice na gastança de gasolina. Recomendava-se seu uso para enriquecer a mistura ar-combustível apenas quando fosse estritamente necessário.
Por fim, não custa lembrar que os filtros de ar do motor ainda não eram descartáveis, trocados sempre que fosse necessário. O serviço era de limpeza do filtro, que usava óleo do motor para prender as impurezas do ar. Para locais locais onde havia muita poeira as fabricantes chegavam a recomendar limpeza diária, sob pena de aumentar o consumo em 5%!
Mas a melhor recomendação parece ter sido dada por Julius Rock (de Todo Mundo Odeia o Chris): “Deixar o carro na garagem, em determinadas circunstâncias, só traz lucros: não se gasta gasolina e um passeio a pé é sempre saudável”.
A picaretagem sempre existiu
Não é preciso procurar muito para encontrar produtos que prometem uma redução de consumo milagrosa em sites. Os tais “economizadores” já existiam quatro décadas atrás “cada qual propagando os resultados mais incríveis (como se as leis da física pudessem ser alteradas a bel prazer de cada inventor)” dizia a reportagem.
“De uma forma geral, tais inventos não têm o menor valor — caso contrário, seriam logo adquiridos por alguma fábrica que os incluiria em sua produção normal. Assim, esperar que um destes milagrosos inventos possa, ao custo de algumas centenas de cruzeiros, proporcionar 20 ou 30% de economia de gasolina significa estar claramente disposto a ser enganado”, prosseguia o texto que não caducou passados 44 anos.
Nos tempos dos carburadores, havia diversos meios de empobrecer a mistura ar-combustível, o que provocava uma certa economia de combustível. Mas isso aumentava — e ainda aumenta — o desgaste do motor. Basicamente, porque leva a um aumento da temperatura na câmara de combustão, o que pode levar até mesmo à perfuração da cabeça do pistão.
Algumas modificações incluíam a injeção de água na câmara de combustão, o que hoje é feito em alguns pouquíssimos carros de competição. O objetivo era aumentar a taxa de compressão, o que, pela utilização de gasolina sem alta octanagem, também compromete o motor.
Hoje essas bugigangas não são oferecidas apenas como intervenções mecânicas, mas também eletrônicas. QUATRO RODAS testa esses dispositivos milagrosos constantemente, mas nunca encontrou um que, de fato, não passe de picaretagem. Veja a seguir:
As dicas que ainda devem ser seguidas
Encha os pneus – Essa dica é um clássico. Mesmo quando ainda não se falava dos atuais pneus verdes, com sílica em sua composição para diminuir a perda por atrito com o asfalto, o pneu era apontado como cumplice do alto consumo: fora da pressão correta, reduziriam a autonomia em até 16%.
Quatro décadas atrás recomendava-se a compra de um bom calibrador, pois os dos postos (aqueles com grandes relógios e que eram acionados por uma alavanca) raramente tinham precisão.
Para saber qual é o nível de calibragem ideal do seu carro e quando deve ser realizada a revisão do alinhamento, basta observar o manual do veículo – ou em adesivo no vão das portas ou portinhola do tanque. Mas saiba que dificilmente o fabricante recomendará um intervalo de verificação maior que o de um mês.
Evite acelerações e reduções desnecessárias – Enquanto houver motoristas, haverá diferença entre a forma como cada um dirige. É preciso saber que arrancadas violentas aumentam o consumo de combustível,.
Frear sem necessidade também prejudica, pois você precisará acelerar novamente para recuperar o embalo. E não custa lembrar: jamais segure o carro com a embreagem nas subidas.
Nada de banguela – 44 anos atrás, usar o ponto morto em descidas (a famosa “banguela”) poderia proporcionar alguma redução no consumo e era amplamente utilizado por caminhoneiros. Mas era desaconselhada pela reportagem por atuar negativamente na segurança: “em qualquer situação de emergência, será difícil parar só com a aplicação dos freios. E, mesmo nos raros casos em que os freios dão conta do recado, a economia de gasolina não compensa o desgaste dos freios”.
Com a injeção eletrônica, economiza-se mais descendo com o carro engrenado e sem acelerar, pois a injeção bloqueia o combustível ao motor evitando qualquer consumo de combustível.
Dirija sem pressa – Quanto maior a velocidade, maior a resistência do ar. Quanto maior a resistência, maior o consumo. Em velocidades menores, a diferença pode não ser tão grande, mas a dica se aplica bem a velocidades mais altas.
Ao dirigir a 120 km/h, por exemplo, consome-se até 50% a mais do que a 110 km/h, conforme teste de QUATRO RODAS. O que é bom ter em mente é que o ganho de tempo ao dirigir rápido é pequeno para o tanto que o consumo aumenta.
Desligue o motor do carro – Deixar o carro ligado quando parado pode representar um gasto de um a dois litros de combustível por hora, dependendo do tamanho do motor e, nos tempos atuais, do uso do ar-condicionado.
Por isso, recomenda-se que quando o carro ficar parado mais de um minuto, seja em um congestionamento, ou ao esperar alguém, ele seja desligado e ligado de novo (considerando que seja seguro fazê-lo).
Troque de marchas da maneira correta – A troca de marchas deve ser feita nos ‘tempos certos’, sem esticar exageradamente entre uma e outra troca, assim como errar o momento de reduzir a marcha
As esticadas na troca de marcha são grandes vilãs do consumo de combustível, por isso os motoristas devem seguir as orientações do manual do veículo para saber a velocidade ideal das trocas de marchas. Ou os indicadores de troca de marcha.
O pé no acelerador é o melhor economizador de combustível. A aceleração deve ser sempre feita com suavidade e com o pisar mais leve possível. Em veículos com câmbio automático, deve-se evitar o “kick-down” que é a redução de uma marcha provocada ao apertar o pedal do acelerador até o final do seu curso.
Evite congestionamentos e trajetos com muitos semáforos – Em 1977 essa dica reforçava trajetos que passavam pelos centros das cidades brasileiras. Hoje não é raro ter encarar marchas baixas e paradas frequentes também nos bairros e tudo isso eleva o consumo de combustível.
Por isso, manter a velocidade do veículo o mais uniforme possível, evitando situações de trânsito intenso ou trajetos com muitos semáforos, pode ajudar na economia. E se não for possível evitar os congestionamentos, observe o trânsito, de forma que se pare o mínimo possível.
O que você ainda pode fazer para deixar seu carro mais econômico
Compre carros mais eficientes – Para reduzir o consumo de combustível de forma mais significativa nada melhor do que comprar o carro com menor consumo possível. Você pode ser radical e trocar seu SUV por um hatch ou sedã, que tendem a ser mais leves e aerodinâmicos. Mas também há ganho se a troca for por, simplesmente, por um carro semelhante mais novo, com motor mais moderno.
Use o ar-condicionado com menos frequência – O ar-condicionado é uma comodidade moderna e pode ser responsável por cerca de 20% de aumento no consumo de combustível. Usar filme protetor solar, estacionar o carro na sombra para depois não precisar ligar o ar na maior potência e desligar o ar alguns minutos antes de alcançar o destino são algumas dicas para usar menos ar-condicionado, mesmo no verão.
Reduza o peso do veículo – Lembre-se que a física é implacável e a equação “força = massa x aceleração” tem efeito no dia a dia. Quanto menor a massa, menor o consumo, portanto, quanto menor o carro, maior a economia. Se você não vai comprar um carro menor e mais leve, deixe seu carro mais leve.
Não é para tirar os bancos e acabamentos, nem o estepe. Mas convém remover qualquer peso inútil de dentro do carro e deixar de usar ele como armário. Limpar barro do assoalho do carro também tem efeito. Um peso extra de cerca de 40 quilos pode reduzir o consumo em até 2%.
Deixe o carro mais aerodinâmico – Não está usando o bagageiro ou o suporte de bicicleta? Remova-o. Quanto mais aerodinâmico seu carro for, menor a resistência de ar e maior a economia de combustível. Manter as janelas e o teto solar fechados também ajuda. Em altas velocidades, inclusive, ligar o ar-condicionado pode gerar um menor consumo de combustível do que abrir as janelas.
Escolha bem o posto – Ninguém quer pagar por gasolina e receber uma mistura com muito mais álcool que gasolina, ou pagar por álcool (que também está bem caro) e cheio de água na mistura. Postos com má aparência, de marcas desconhecidas e com valores absurdamente baixos podem ser furadas.
Atente se um posto é bastante frequentado por frotistas e taxistas. Esse pode ser um indicativo de preços baixos e qualidade. Outra dica é não abastecer o carro no primeiro posto de combustível encontrado dentro de uma longa distância, como em uma estrada, ou no último posto antes de outra rodovia ou via expressa. Com poucas opções na região, esses postos podem ter um valor mais elevado por serem a última saída para muitos motoristas.