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Fiat 147: como foi criado e como anda o primeiro carro a álcool do mundo

Lançado há exatamente 40 anos, 147 a álcool trouxe soluções usadas até hoje por carros flex

Por Henrique Rodriguez, de Betim (MG)
Atualizado em 4 jul 2019, 12h11 - Publicado em 4 jul 2019, 08h00
O 147 foi o primeiro carro a álcool produzido em série no mundo (Divulgação/Fiat)

Comparado aos epítetos usados para se referir à Fiat após sua estreia no Brasil, em 1976, o apelido “Cachacinha” dado ao 147 a álcool era o mais simpático – e real, pois o cheiro dos gases de escape realmente lembram a bebida.

Seu lançamento completa 40 anos nesta quinta-feira (5). Mais do que o primeiro carro a álcool brasileiro, o Fiat 147 foi o primeiro de produção em série no mundo.

Era a resposta brasileira à crise do petróleo de 1973, quando os países árabes organizados na OPEP aumentaram o preço do barril de petróleo em mais de 400%.

Com a criação do Programa Nacional do Álcool (Pró-álcool), em 1975, o governo brasileiro tinha o objetivo de estimular a produção de álcool e passar a usar o álcool – que mais tarde teria seu nome corrigido para etanol – tanto misturado à gasolina, como combustível.

(Divulgação/Fiat)

Para isso, além do esforço para estimular a criação de novas usinas, houve incentivos fiscais e empréstimos bancários a juros baixos para produtores de cana-de-açúcar e fabricantes de automóveis.

Na Fiat, o desenvolvimento do 147 a álcool começou logo após o lançamento do modelo. Ainda em 1976 a Fiat exibiu no Salão do Automóvel um dos primeiros protótipos, já com algumas dezenas de milhares de quilômetros acumulados.

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Logo no início do projeto a Fiat optou por trabalhar no 1.3 8V Fiasa, que se mostrou mais adequado que o irmão de 1.050 cm³ para a adaptação ao álcool.

O que seria aprendido dali em diante viria de tentativas, erros, experimentos e dos muitos quilômetros rodados em testes.

Era a indústria reaprendendo a acertar um motor. É mais difícil vaporizar o álcool, que forma gotículas maiores e precisa ser injetado em maior quantidade que a gasolina, por conta do poder calorífico menor que o da gasolina.

Motor Fiasa 1.3 a álcool tinha tampa do cabeçote pintada de vermelho (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

O poder corrosivo do etanol era outro entrave. Isso exigiu modificações contínuas nos materiais usados em todo o sistema de alimentação (tanque de combustível, bomba, tubulações, mangueiras, carburador e etc.).

O tanque, que era revestido internamente com chumbo, ganhou revestimento de estanho. Já os componentes do motor receberam uma camada de níquel químico, capaz de proteger os metais da ação corrosiva.

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Tudo isso ainda não evitava um problema crônico do carro a álcool: a partida a frio.

A solução de ter um tanquinho exclusivo para a gasolina para dar partida no motor frio, ainda usada em alguns carros flex hoje, já e estava presente no Fiat 147.

Mas o acionamento não era automático: era necessário apertar um botão no painel, que acionava a bomba elétrica (a mesma usada no lavador do para-brisa). Esta, por sua vez, injetava gasolina no coletor de admissão.

Havia ainda a válvula Thermac, encarregada de levar ar aquecido pelo coletor de escapamento para dentro do motor durante a fase de aquecimento. Assim, evitava-se falhas do motor nos primeiros momentos após ser ligado. 

A válvula Thermac ficava na ponta da tomada do filtro de ar e recebia ar quente do pequeno coletor metálico que era colocado próximo do escape. Reservatório de partida a frio recebia a mesma bomba do lavador do para-brisa. (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

“Nós tinhamos os lugares frios, como Campos do Jordão, para testar os carros. Mas, no fim, contratamos cabines frigoríficas para colocar os carros, pois eram muitas as experiências a serem feitas e não dava para esperar de manhã para ter 5°C”, conta Robson Cotta, gerente de Engenharia Experimental da FCA que trabalhou no desenvolvimento do 147 a álcool.

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Quando pronto, o motor 1.3 a álcool tinha taxa de compressão de 11,2:1, contra 7,5:1 da versão a gasolina. A potência, porém, subiu apenas 1 cv, de 61 para 62 cv, sendo 11,5 mkgf de torque – contra 9,9 mkgf.

O primeiro de todos

Enquanto o primeiro Fiat 147 foi parar em uma concessionária do Rio de Janeiro – que o preserva até hoje –, o primeiro 147 a álcool pertence ao Ministério da Fazenda, onde foi usado por mais de 30 anos.

A primeira unidade do 147 a álcool foi usada pelo Ministério da Fazenda durante décadas (Divulgação/Fiat)

O que revela a importância desse carro não é o chassi, que mantém a mesma sequência dos a gasolina, mas uma plaqueta de alumínio instalada no painel pelo próprio Ministério.

Talvez tenha sido ela a responsável pelo carro estar tão original e bem cuidado mesmo após rodar mais de 80.000 km.

QUATRO RODAS teve a oportunidade de dirigir este exemplar na pista de testes da fábrica da Fiat, em Betim (MG), de onde ele saiu há 40 anos.

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Exemplar nunca foi restaurado e tem mais de 80.000 km rodados (Divulgação/Fiat)

A experiência foi quase completa: o 147 não pegou de primeira, mas não precisou de injeção de gasolina. Foi só girar a chave mais uma vez que o 1.3 Fiasa acordou sem falhar.

O cheiro quase inebriante de cachaça logo ganhou a cabine, que é até bem aproveitada para um carro de 3,62 m de comprimento, 1,54 m de largura e 2,22 m de entre-eixos. Interfere positivamente aí o fato de também ter sido o primeiro carro nacional com motor transversal.

O cinto é abdominal, o banco não tem encosto de cabeça, o volante é claramente deslocado para a direita e só há um retrovisor externo, do lado esquerdo.

Em compensação, os pedais deslocados para a direita – como em parte dos Fiat de hoje – facilitam a adaptação.

Plaqueta destaca a importância deste carro (Divulgação/Fiat)

Movimento a alavanca, mas fica dúvida se a primeira marcha engatou corretamente. O câmbio de quatro marchas do 147 sempre foi muito criticado pelos engates, mas desta vez a culpa era da embreagem já alta pelo desgaste dos anos.

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O motor 1.3 faz o 147 embalar rápido e logo me pego a 80 km/h procurando a quinta marcha, que não existe. As relações de marcha são próximas entre si, o que de certa forma explica a agilidade do pequeno Fiat.

Embora seu tempo de 0 a 100 km/h deva ficar ao redor dos 18 segundos, é um carro instigante.

Câmbio no assoalho e pedais deslocados para a direita (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Me aproximo da curva e a sensação do pedal de freio deixa um pouco de medo. Há discos na dianteira e tambores na traseira, mas falta assistência: é preciso aplicar força ao pedal até sentir o freio reagir.

Para um carro de 40 anos, até que ele para bem.

A suspensão independente nas quatro rodas confere estabilidade ao pequeno Fiat, e a direção sem qualquer assistência é leve. Não poderia ser diferente: é um carro com 790 kg calçado com pneus 145/80 13.

Tudo é muito natural e sem filtro, dando uma boa sensação de liberdade que os carros novos não dão. E muitos motores flex de hoje não têm funcionamento tão suave com álcool como esse 1.3 de 40 anos atrás.

Como era ter um carro a álcool?

No início, havia apenas 20 bombas de álcool em postos de combustíveis das quatro principais capitais brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Recife), mas esse número logo subiu. O interesse no combustível, também.

Número de postos com álcool era limitado em 1979 (Divulgação/Fiat)

Ao detectar o desvio do combustível de origem vegetal, seja para fabricação de cosméticos, seja para falsificar bebidas, o governo impôs a necessidade de um adesivo no para-brisas que autorizava o abastecimento daquele veículo com álcool.

Além dos incentivos fiscais, o carro a álcool possuía a vantagem de poder ser reabastecido aos finais de semana, quando a venda de gasolina em postos era proibida.

Além disso, o álcool tinha preço fixado em 65% do valor da gasolina em todo o país. Como a diferença de rendimento é de 30%, compensava.

Adesivo autorizava o abastecimento do carro com álcool (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Deu certo. 70,7% dos carros vendidos na década de 1980 eram movidos a álcool.

Poderia ser melhor não fosse o desabastecimento de álcool em 1989, provocado pelo aumento do valor do açúcar no mercado internacional. Os usineiros preteriram o álcool em favor do açúcar, levando à falta do combustível nos postos.

Com o valor do álcool cada vez mais próximo do da gasolina ao longo dos anos 1990, a produção dos carros a álcool entrou em forte declínio.

Em 2000 era difícil encontrar um carro novo a álcool nas lojas: quem quisesse um, teria que encomendar.

O álcool voltaria a ganhar atenção em 2003, com o início da comercialização do VW Gol flex. Após um período traumático, a possibilidade de escolher o combustível mais vantajoso no momento deu uma nova chance ao combustível vegetal.

Agora, a Fiat pode mudar o futuro do álcool com o projeto do motor E4. Seu objetivo é queimar apenas álcool com a mesma eficiência dos motores a gasolina. Mas ele só deverá ficar pronto em 2022.

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