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Dirigimos o primeiro e o último VW Gol, que sai de linha após 42 anos

Fim de jogo para o VW Gol. A mais autêntica representação do carro brasileiro não teve vida fácil. Agora é descontinuado como o mais vendido da história

Por Henrique Rodriguez Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 abr 2024, 14h50 - Publicado em 21 dez 2022, 17h00
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O último e o primeiro Gol: 42 anos de sucesso os separam (Fernando Pires/Quatro Rodas)
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primeiro e ultimo gol
Crise dos 40: Gol Last Edition 2022 encontra o Gol L 1300 1980 (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Olhe ao redor, no trânsito, e certamente você verá um Volkswagen Gol. Com mais de 8,5 milhões de unidades fabricadas em 42 anos, o carro mais popular do Brasil é parte da paisagem. Mas ele está saindo de linha nesta semana, mais exatamente na sexta-feira, quando a fábrica de Taubaté (SP) entrará em férias coletivas.

Contudo, não fosse a crise do petróleo, o Gol teria sido ofuscado por um esportivo com plataforma do Passat, pois foi esse o pedido de Rudolf Leiding, que havia sido presidente da VW do Brasil de 1968 a 1971, em uma visita oficial ao país em 1974. 

Leiding deixou a operação brasileira para comandar a matriz na Alemanha e já nos primeiros dias forjou as bases do Volkswagen Golf, o substituto do Fusca na Europa. Mas o seu pedido também acabou levando ao substituto do Fusca no Brasil.

Alguns projetos autorizados pelo executivo já haviam exercitado a engenharia brasileira, como a Brasilia e o SP2. Seu novo pedido era por um esportivo com a moderna base do Passat e motor refrigerado a água que muitos tratavam como um “SP3”.

Mas a crise do petróleo fez o plano ser engavetado e acelerou a necessidade de um carro barato e econômico para o Brasil. Era o início do Projeto BX, que culminaria no lançamento do Volkswagen Gol em 1980, após cinco anos de desenvolvimento. Até conceitos descartados para  o Golf foram reaproveitados.

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Gol 1980
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

A Volkswagen queria usar o motor MD 1.5 do Passat, mas não havia volume de produção suficiente naquele momento. A solução seria recorrer ao motor refrigerado a ar, do Fusca, mas sem inviabilizar a troca pelo motor mais moderno. Até mesmo porque Leiding já previa uma família de carros derivada da mesma base.

Por sorte, o conceito EA-276, criado na Alemanha em 1969, já previa o uso de motor a ar dianteiro entre um conjunto de suspensão dianteira McPherson. O criador do protótipo, Philipp Schmidt, foi enviado ao Brasil como diretor de Pesquisa e Desenvolvimento e comandou o projeto do Gol, enquanto a equipe do designer Márcio Piancastelli cuidou das linhas, inspiradas no VW Scirocco e no Audi 80. 

Gol 1980
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

O resultado de um esforço multinacional foi conhecido em maio de 1980, nas páginas de QUATRO RODAS. O Volkswagen Gol combinava linhas modernas e plataforma nova  com um motor velho conhecido dos mecânicos. Mas isso não foi, exatamente, um argumento de venda.

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Agora instalado na dianteira, o motor 1300 boxer levava a sério a refrigeração a ar: os cilindros posicionados à frente ficavam mais frios. Por isso, mudanças nos cabeçotes e no sistema de refrigeração, com uma ventoinha dentro de um painel guia e a dispensa do radiador de óleo. Mas um fluxo otimizado e filtro de ar que admitia ar quente ou frio, conforme a condição, elevou a potência dos 46 cv do Fusca aos 50 cv (SAE) no Gol. 

Em nosso primeiro teste de pista, o Gol precisou de 30,3 s para chegar aos 100 km/h, mais que um comercial de televisão. Desempenho fraco repetido nas vendas: encalhou nas lojas e a Volks fechou 1980 com prejuízo pela primeira vez em 20 anos de Brasil. 

DE VOLTA PARA O PASSADO

Dirigir um Gol de 42 anos atrás é uma experiência sensorial. O cheiro é o mesmo dos Fusca, mas a posição de dirigir e o conforto de manusear o carro escancara a evolução frente ao Fusca. O tato também é ativado pelo toque frio do painel, de lata pintada de preto. Mas virar a chave e notar a vibração e o barulho típico vindo da dianteira confunde, mas justifica o apelido “batedeira”. 

Gol GTS
Painel do primeiro Gol, lançado em 1980 (Fernando Pires/Quatro Rodas)

O exemplar bege, emprestado por um colecionador, é um Gol L 1980 sem o opcional de distribuidor eletrônico – ou seja, preserva o platinado – e menos de 60.000 km rodados. É um carro com rodar macio, direção leve, mesmo que não tenha qualquer tipo de assistência (nem para os freios, frise-se), e câmbio excelente. Se não é veloz, pelo menos em baixas velocidades, o primeiro Gol responde bem. Esse motor não era potente, mas entregava muito torque desde cedo.

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O acervo histórico da Volkswagen na fábrica da Anchieta, em São Bernado do Campo (SP), sem previsão de ser aberto ao público, permite acompanhar a longa evolução do Gol. Ou boa parte dela, pelo menos, pois do Gol BX ao sucesso do primeiro Gol GTi houve muita história. 

Gol GTS
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

Na tentativa de alavancar as vendas, o Gol BX ganharia motor 1600 com dupla carburação e 55 cv como opção em 1981, mesmo ano do lançamento do Voyage já com o motor MD 1.5 refrigerado a água de 78 cv. O Gol só ganharia um radiador em 1984, com o lançamento do Gol GT 1.8 de 99 cv. Um 1.6 passaria a ser oferecido em 1985. Foi quando o Gol passou o Fusca nas vendas anuais. 

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O Gol seria atualizado pela primeira vez 1987, com para-choques envolventes, faróis retangulares, setas maiores e novas lanternas. O novo visual e os famosos motores 1.6 e 1.8 AP fizeram o Gol fechar o ano líder de vendas pela primeira vez, superando o Chevrolet Monza. Era o início da transformação em um sucesso de vendas sem precedentes: seria líder pelos 27 anos seguintes, até 2014.

Gol GTS
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

 

O Gol GTi entraria para a história como primeiro carro nacional com injeção eletrônica, em 1989. Mas o exemplar 1993 na cor vinho já representa a terceira fase da primeira geração, de 1991. Faróis e a grade são ainda mais estreitos e renderam o apelido “chinezinho”, um visual mantido até 1996 para o Gol 1000, versão 1.0 lançada em 1993.

BOLA NO GOL

Gol Bolinha
Gol “Bolinha” representou uma revolução em termos estéticos, espaço interno e melhor dirigibilidade (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Linhas arredondadas ditavam o que era moderno nos anos 1990 e o compacto da Volkswagen seguiu a tendência. A segunda geração do Gol, apelidada carinhosamente de “Gol Bolinha”, foi lançada em 1994 com carroceria inteiramente nova e mais espaçosa – apertada para os padrões atuais, porém – sem mudar as medidas externas.

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Gol Bolinha
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

Na prática, também foi a geração mais longeva do Gol: só sairia de linha 20 anos depois, em 2014. Foi tempo suficiente para pagar os vultuosos investimentos que somaram 400 milhões de dólares, em grande parte consumidos por robôs e ferramentas de automação na fábrica de Taubaté (SP). Diferença de geometria, como resultado de uma soldagem mal feita, era passado.

Gol Bolinha
Painel de intrumentos com quatro mostradores analógicos no Gol “Bolinha” (Fernando Pires/Quatro Rodas)

A pedido dos clientes, o para-brisas foi afastado e o painel avançou, envolvendo o motorista. Agora botões e alavancas estavam mais próximos e os novos instrumentos tinham leitura mais fácil. Na mecânica, injeção eletrônica, catalisador e sonda lambda deixavam de ser luxo para se tornar padrão em nome da redução de poluentes, em todos os motores: 1.0, 1.6, 1.8 ou 2.0 GTI, e suas respectivas versões a álcool.

Gol G3
Gol G3 tinha visual e acabamento alinhados com os carros da Europa (Fernando Pires/Quatro Rodas)

A evolução viria com o Gol G3, em 1999, com grade integrada ao para-choque, faróis com lentes de plástico e traseira com visual mais limpo, inspirada no Golf. Agora o Volkswagen estava alinhado com a realidade global da marca.

E isso se estendia à cabine, com acabamento esmerado (algo que nenhum outro Gol teve). Até airbags e freios ABS figuravam entre os opcionais. Nessa época o Gol era o carro de entrada e cobria a linha até Golf. Mas um Gol tão sofisticado deixou de fazer sentido com o lançamento dos Polo e Fox.

Gol G3
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

 O Gol G4 surgira em 2005 sem mudar plataforma ou motores. Ainda que representasse metade das vendas da Volks no Brasil, estava sendo piorado pela primeira vez, em nome dos custos: acabava até com o Gol Special, que ainda era o G2, mas mantinha o mesmo preço inicial.

Gol G4
Gol G4 era reconhecido com um carro valente, praticamente um trator (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Faróis mais altos e alongados, novos para-lamas, capô e para-choques forçavam alguma relação com Golf e Passat. Na traseira, a vigia roubou espaço das colunas e o vidro traseiro cobriu a estrutura da tampa do porta-malas.

Gol G4

O painel recuado e sem console integrado aumentava a sensação de espaço na cabine, mas o quadro de instrumentos minúsculo vinha do Fox e todas as saídas de ar eram iguais para reduzir custos. Este Gol só reforçou sua vocação de carro de trabalho e seguiu em produção até 2014.

Gol G4
Quadro de instrumentos era o mesmo do Fox (Fernando Pires/Quatro Rodas)

TERCEIRA CHANCE

Por sorte, a Volkswagen não desistiu do Gol. A terceira geração foi lançada em 2008 na tentativa de levar para o Gol as qualidades do Polo, um ótimo carro que não vendia. O investimento de 1 bilhão de dólares foi feito para usar a plataforma PQ24 do Polo, suspensão e direção do Polo europeu (PQ25) e eixo traseiro do G4. Em termos de dinâmica e desempenho, se tornou referência. A qualidade construtiva era notável e o acabamento, honesto. 

História do Gol
A maior mudança da vida do Gol aconteceu em 2008: a chegada de um carro totalmente novo exterminou os defeitos de um projeto datado e que vinha perdendo fôlego para concorrentes mais modernos (Arquivo/Quatro Rodas)

Uma nova geração de carros populares nacionais começava a despontar quando veio uma atualização, em 2012. Com faróis e lanternas mais quadrados, a exemplo do Fox, esse design marcaria o fim da liderança do Gol nas vendas em 2014. Ele passaria a lutar pela sobrevivência.

GolG5
Reestilização de 2012 rendeu faróis poligonais como os do Fox (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Mudaria novamente em 2016, com direito a novo painel, para-choques e lanternas. Um segundo retrabalho seria promovido em 2018, com os faróis maiores da Saveiro e a adoção de câmbio automático. Era algo que todo mundo queria, mas não em um Gol: essa versão vendeu pouco. Quem até vendia bem era o Gol 1.0, que chegou a despontar nas vendas por alguns meses graças a frotistas e locadoras.

Gol Last Edition
A cor vermelho Sunset veio do VW Nivus e as molduras nas caixas de roda, dos antigos Gol Track e Rally (Fernando Pires/Quatro Rodas)

O Gol Last Edition é que, ao seu modo, quebrou essa regra. Dos 1.000 fabricados, 650 ficaram no Brasil e rapidamente ganharam suas vagas nas garagens de colecionadores para lembrar os 42 anos de história.

Gol Last Edition
A faixa preta entre as lanternas é uma assinatura do Gol quadrado (Fernando Pires/Quatro Rodas)

É o logotipo na forma da roda orbital, a fonte dos logotipo à moda de 1980 e a faixa preta na tampa, como nos anos 1980, que ornam um dos VW Gol mais completos já feitos.

Gol Last Edition
Roda orbital é homenageada na edição especial (Fernando Pires/Quatro Rodas)

Ao volante não se nota o peso da idade, mas da direção hidráulica (e não elétrica), a falta de controles de estabilidade e tração, e o tanto que seus conceitos de espaço e ergonomia estão datados.

Gol Last Edition
(Fernando Pires/Quatro Rodas)

Este último VW Gol é como um grande artilheiro em fim de carreira: não joga como antes, mas sua história, seus feitos e suas goleadas têm peso em campo. E serão lembrados por muito tempo.

42 anos e mais de 8,5 milhões de unidades vendidas…

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