É fácil para qualquer belo-horizontino explicar a um estrangeiro onde mora: “é a cidade do 7 a 1”, dizem, rindo para não chorar enquanto engolem seco o merecido sarro do resto do mundo. Para os mais místicos, o impacto dos gols alemães parece ter reverberado até na vizinha Betim, onde a Fiat tem sua sede no Brasil e, desde 2014, passou por alguns de seus piores momentos.
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Líder de longa data no país, a montadora não reagiu bem à crise econômica brasileira e chegou ao terceiro lugar nas vendas de automóveis, atrás da Chevrolet e da Volkswagen. Por várias vezes, até o pódio esteve ameaçado.
Mas agora, prestes a completar 45 anos, a italiana cada vez mais global parece ter encontrado um novo caminho e, de acordo com seu presidente Antonio Filosa, “celebra uma virada”, concretizada pela recuperação absoluta do primeiro lugar no ranking.
Faça-se luz
Apostar nisso em 2018 era ousadia: em meia década as vendas da Fiat despencaram a menos da metade e as apostas não emplacavam. Enquanto Palio e Siena sumiam, Mobi e Argo tinham vendas mornas e criticismo que começava a contaminar a valiosa reputação de quem se diz “meio brasileira, meio italiana”.
Piadas com o acrônimo F.I.A.T viravam memes na internet, mas a empresa decidiu se apegar ao sentido original da palavra, em latim. “Faça-se” parece ter sido o lema que buscou trazer de volta a estrada da liderança, cada vez mais familiar à Chevrolet.
O ponto de virada, reconhecem os executivos, veio justo com a nova Strada, lançada em 2020. Mais do que renovar a picapinha de sucesso, iniciava-se uma nova filosofia que, menos imediatista, começava a dar resultados.
“A marca vem evoluindo muito na percepção de valor”, explica o diretor Herlander Zola, na casa desde 2017. Segundo o executivo, encontrou-se um novo foco em extrair o máximo de valor de cada produto. Mais do que modernizar a caminhonete Strada, o projeto 281 abriu os olhos da equipe para oportunidades explícitas.
Uma delas foi o foco na cabine dupla, que “colocou a Strada no radar de quem nunca imaginou ter uma picape” e, consequentemente, no posto de veículo mais vendido do país. Vivenciamos a dificuldade que é encontrar um exemplar novo da Strada sem recorrer ao ágio ou filas gigantes.
É óbvio que SUVs seriam cruciais para o plano de dominação e para coerência do discurso, voltado às necessidades do consumidor. Primeiro deles, o compacto Pulse, está prestes a ser lançado e, no ano que vem, terá a companhia de um SUV cupê, que poderá levar o mesmo nome Fastback de seu conceito. A Stellantis já tratou de registrar direitos do batismo em diversos países da América Latina.
Graças a outro trunfo da marca, seus novos motores turbo, o SUV cupê promete desempenho quase folclórico, ao estilo do Up! TSI em seu lançamento. De piada online, a Fiat sonha com os 185 cv do 1.3 turboflex, instalado em um modelo mais leve que o Jeep Compass, transformando seus oponentes na troça da vez.
No tempo certo
Não há dúvidas que analisar números da indústria automotiva brasileira em 2021 exige alguns asteriscos: pandemia, violenta escassez de matéria-prima e câmbio desfavorável estão entre as principais causas de insônia dos executivos da área.
Com inúmeras adversidades, o ano vem sendo marcado por paralisações produtivas que derrubaram com força até os campeões de vendas da Chevrolet, Onix e Onix Plus. Nem aí, a Fiat chamou a responsabilidade e fez o que outras julgavam impossível, mantendo suas fábricas de Betim e Goiana (PE) funcionando, ainda que com reduções pontuais. A dupla ex-FCA seguiu firme, não apenas produzindo como tocando seus inúmeros projetos, que incluem os dois motores turbo e o novo Jeep Commander.
Entre os fatores para o sucesso, “tivemos a oportunidade de gerenciar esse problema melhor que as demais”, explica Zola. “O empenho e competência do nosso time de cadeia de suprimentos, buscando alternativas no mundo todo, investindo muito em frete e soluções técnicas diferentes, nos permitiu manter as operações com a maior disponibilidade possível”.
Mas a Fiat sabe bem que a maré vira, e quer aproveitar a derrapada dos rivais para consolidar sua vantagem. No caso do Fiat Pulse, o “pé na porta” envolveu uma entrada tardia no Big Brother Brasil 21, no qual reviveu a tradição de patrocinar diferentes provas.
Vida real
O burburinho foi imenso, surfando na audiência da edição histórica. O clímax, nem tanto: todos esperavam aparição triunfal na coroação de Juliette Freire, enquanto o “Progetto 363” apareceu, de fato, na hora do almoço. Como as fotos oficiais eram quase inexistentes, a primeira impressão do carro veio de um mockup exibido via streaming sem muita definição.
O nome também foi alvo de críticas dos mais puristas, irritados por verem a campeã do BBB praticamente definindo a votação popular ao elogiar a opção eventualmente vencedora em rede nacional. Mas a Fiat não se irrita nem com isso nem com a revelação gradual de detalhes do carro, a fim de mantê-lo em pauta até seu lançamento, previsto para setembro.
“Agora mostraremos o interior. E assim, vamos construindo intimidade entre o consumidor e o carro, vamos aumentando a cumplicidade entre o consumidor e a marca”, argumenta.
As polêmicas que envolvem o Pulse rendem, mas é inegável que o projeto é muito promissor, graças ao powertrain inédito conduzido pelo 1.0 mais potente do Brasil e por tecnologias herdadas de modelos mais nobres e companhias irmãs.
Sem medo depois de tomar novas estradas, a Fiat também optou por um interior unificado do utilitário, que se repetirá em grandes partes até o sete-lugares Commander, cotado para mais de R$ 250.000. O 1.0 do SUV compacto também será estendido à linha atual, assim como a transmissão CVT.
Alguns trunfos seguem o acerto da Volkswagen, que trouxe muita tecnologia ao Nivus e investiu em conectividade – deu certo. O plano italiano quer ser mais afiado, até mesmo pela sabedoria de observar o desempenho rival.
É um ataque feroz, que expõe vulnerabilidades como a futura concorrência interna entre os quatro SUVs da antiga FCA, além do resto do grupo Stellantis. Por mais que questionada por QUATRO RODAS a fabricante soe tranquila, fontes relatam que, sim, o canibalismo é um risco. Nesse caso o Pulse poderia ser “jogado aos leões”, gradativamente assumindo o papel do Argo enquanto o projeto 376 complementará a nova infantaria da Jeep.
Com um time de 13 marcas jogando junto, o futuro da Stellantis prevê frutos abundantes, de uma colheita árdua e humilde. Depois de flertar com o ostracismo, seus executivos veem-na mais forte do que nunca e curtem, merecidamente, os méritos da logística impecável de 2021.
Em Belo Horizonte o gol não é mais alemão e às margens da BR-381 uma nova estrada prevê rota agradável. Nova protagonista, cabe à Fiat manter seu rumo em meio ao contra-ataque que chamou para si.
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