Fiat desiste de lançar motor 1.3 turbo a álcool super eficiente no Brasil
Motor com tecnologia nacional que poderia garantir sobrevida dos motores a combustão foi descartado e o consumidor tem culpa
O álcool já foi uma alternativa bem mais barata ao preço da gasolina e pode garantir a sobrevida dos motores a combustão frente a atual corrida dos fabricantes pela eletrificação de seus carros.
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Mas nem o passado de quem teve o primeiro carro a álcool do mundo e nem o futuro foram capazes de motivar a Fiat a dar continuidade ao desenvolvimento do motor E4, uma versão a álcool do motor 1.3 GSE Turbo que está estreando agora no Brasil com a Fiat Toro 2022.
Anunciado há dois anos, junto com o investimento de R$ 500 milhões para produzir a nova família de motores turbo (que também inclui o 1.0 GSE Turbo que estreará no Proggeto 363) no Brasil, o chamado motor E4 seria focado na alta eficiência energética na queima do combustível vegetal.
Em comunicado na época, a então FCA (hoje Stellantis) tornou público que estava desenvolvendo um propulsor “com tecnologia turbo voltada apenas à combustão de etanol” e que teria uma “patente nacional”. O objetivo seria “reduzir o gap de consumo do etanol em relação à gasolina, que é de 30% atualmente”.
QUATRO RODAS descobriu, à época, que a ideia de motor turbo a álcool era antiga, dos tempos dos motores 1.4 T-Jet, e que havia o registro de patente de um “motor a etanol de elevada eficiência” registrado no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) desde 1º de fevereiro de 2013.
Contudo, o projeto do motor E4 acabou servindo como um laboratório para a criação da versão flex do motor 1.3 GSE turbo. Hoje a Stellantis descarta a produção de motores movidos exclusivamente a álcool, muito também em virtude da aceitação do consumidor. Afinal, seria disponibilizado em carros como a Fiat Toro e Jeep Compass, que estão em um patamar de preços onde o preço do combustível não é um grande problema.
Como o motor 1.3 GSE Turbo dribla os problemas dos motores flex?
A fabricante nunca fez questão de esconder que o projeto era baseado no motor 1.3 GSE turbo, que por si só é bem moderno. O objetivo seria transformá-lo o suficiente para elevar sua eficiência com etanol a um patamar ainda não visto – e que motores flex estão longe de entregar.
Mas a versão que estreia agora com a nova Toro e que logo estará no Jeep Compass 2022 é flex e foi pensada para ter o melhor consumo tanto com gasolina quanto com álcool.
Além de turbocompressor, injeção direta e quatro válvulas por cilindro, os motores 1.0 e 1.3 GSE Turbo se diferem das versões aspiradas por ter comando de válvulas Multiair.
Assim como as versões aspiradas, os turbo têm apenas um comando de válvulas com um variador de fase e seus cames mecânicos atuam diretamente nas válvulas de escape. Mas há uma câmara hidráulica gerenciada por solenóides (válvulas eletromagnéticas) em cada cilindro, que funciona como intermediária entre cames e válvulas de admissão. Esse é o sistema Multiair.
É a quantidade de óleo nessa câmara que define o momento da abertura das válvulas, o tempo que elas permanecerão abertas e até mesmo o quanto as válvulas se abrem (levante). Isso é decidido considerando parâmetros como temperatura, rotação do motor, combustível (há um sensor de etanol na linha de combustível) e da pressão exercida no pedal do acelerador.
Quando o solenoide está fechado, a câmara transmite todo o movimento dos cames ordenando a abertura completa da válvula. Quando aberto, porém, o óleo retorna para uma câmara e as válvulas continuam fechadas.
O segredo está em definir a quantidade de óleo que vai se deslocar, controlando o tempo e a duração da abertura de cada válvula de admissão. A variação é ilimitada, o que permite controlar a admissão a todo momento e mitigar a perda por bombeamento gerada pela borboleta em baixas e médias rotações.
Para ter o desempenho máximo do motor, basta fechar o solenóide e obedecer os cames – o tempo deles foi definido para entregar potência máxima em alta rotação. Ao forçar o fechamento antecipado das válvulas em baixa rotação, porém, aumenta-se o torque.
Esse é apenas um dos segredos. Outro exemplo é que este Multiair de terceira geração pode abrir as válvulas de admissão no tempo de escape para que os gases resultantes da queima de combustível voltem a ser queimados, reduzindo as emissões de óxidos de nitrogênio, em média carga.
Com o controle do levante das válvulas de admissão também é possível alterar a taxa de compressão dinâmica do motor. A taxa de compressão declarada é 10,5:1, menor que os 13,5:1 das versões aspiradas. Essa taxa menor é comum em motores turbo.
Contudo, de acordo com Vittorio Doria, diretor técnico de motores e transmissões da Stellantis, o sistema pode reduzir a taxa de compressão do motor a até 5:1, com o fechamento tardio das válvulas de admissão. Essa redução da taxa acontece em momento muito específico, quando o motor está em plena carga e com alto regime de rotação para controlar a tendência à detonação do combustível sem penalizar a eficiência termodinâmica do motor, como aconteceria em outros motores.
Isso seria especialmente importante nas versões flex, dada a diferença de taxa de compressão ideal entre álcool e gasolina. Mas essa amplitude não favorece tanto assim o combustível vegetal. A taxa de compressão ideal para a queima de etanol e de gasolina varia: a gasolina prefere taxa menor, de até 10,5:1 em motores aspirados, enquanto o poder calorífico do etanol é melhor aproveitado com taxa entre 11,5:1 e 12,5:1. E o sistema Multiair reduz a taxa de compressão, mas não aumenta ela.
Todo conhecimento é válido e bem vindo, e o projeto do motor E4 pode ter ajudado bastante a Stellantis. A versão flex do motor 1.3 GSE Turbo ganha potência quando queima álcool: passa dos 180 para 185 cv às mesmas 5.750 rpm. Mas esse ganho é muito menor do que o visto na versão aspirada do mesmo motor, que passa dos 101 para 109 cv com combustível vegetal.
No turbo, o torque será sempre de 27,5 kgfm a 1.750 rpm, enquanto o aspirado tem uma variação de 13,7 para 14,2 kgfm.
Dois anos atrás os mais empolgados na Fiat diziam que o motor E4 poderia garantir a sobrevida dos motores a combustão por mais 50 anos e seria capaz de fazer os carros elétricos a perderem o sentido na América Latina. Seguimos na torcida para que um dia ele saia da fase de protótipo.
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