A Renault não lança carros elétricos há dois anos, mas isso não impede que os franceses sejam líderes de vendas nessa categoria na Europa – e com margem confortável. Há mais de 400.000 Renault elétricos circulando pelas estradas europeias.
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Esse hiato tem explicação: o Megane E-Tech, modelo que quebra o jejum, estreia uma nova plataforma (CMF-EV) e abre o caminho para mais nove lançamentos eletrificados até 2025.
E (boa notícia para nós) a novidade não deve ficar restrita ao mercado europeu. O novo Megane começa a ser vendido na Europa agora em março e está confirmado para chegar ao Brasil até 2023, aproveitando o caminho aberto pelo também elétrico Renault Zoe.
A CMF-EV parte, como o nome indica, da matriz CMF que já está em vários dos automóveis convencionais da marca, mas apenas a estrutura dianteira e elementos da suspensão são comuns, sendo tudo o mais inédito.
A plataforma integra o conjunto de baterias, o que acaba por contribuir para elevar a rigidez do chassi e abaixar o centro de gravidade (favorecendo o comportamento dinâmico). A suspensão é independente nas quatro rodas: McPherson à frente e multibraços atrás, afinal seria difícil dividir o espaço entre bateria e um eixo de torção.
Por outro lado, também torna mais fácil a instalação de um motor elétrico traseiro quando for necessário fazer versões 4×4. No passado, o Megane era apresentado em diferentes versões de carroceria (hatch, sedã, perua).
Mas, a partir de agora, ele assume uma nova identidade. Seu design nutre clara “simpatia” com os genes do Range Rover Evoque: linha de cintura elevada, área envidraçada reduzida e carroceria mais alta, adotando, portanto, a silhueta da moda: dos SUVs.
Porém, a Renault faz questão de dizer que o novo Megane é um hatchback, não um crossover ou SUV. Em relação ao Megane atual, o elétrico é 6 cm mais alto (1,55 m), 15 cm mais curto (4,21 m) e 3 cm mais estreito (1,77 m). Já a distância entre-eixos foi ampliada em 3 cm, para 2,70 m.
Visualmente chamam a atenção a ligação luminosa entre lanternas e o controverso acabamento dourado por baixo dos faróis. Assim como os puxadores das portas ocultos e os traseiros dissimulados junto à superfície envidraçada.
ALTOS E BAIXOS
Estamos habituados a ver carros elétricos com materiais de qualidade inferior ao preço praticado. E o Megane não é exceção: predominam os plásticos rígidos e o acabamento no volante também é plástico e de aspecto barato. No entanto, o painel é menos minimalista do que o do seu concorrente VW ID.3.
Há, inclusive, comandos físicos no console central que permitem ter acesso às principais funções do veículo, como o sistema de ar-condicionado, de forma mais direta. Não houve, porém, espaço para o requinte.
Painéis das portas têm Alcantara a partir da versão intermediária, e a topo de linha tem acabamento decorativo que combina um folheado fino de madeira verdadeira.
Ao contrário do que é mais usual, o quadro de instrumentos é maior que a central multimídia: 12 polegadas contra 9,3 nas versões mais acessíveis, empatando nas 12” na versão topo. Ela é vertical e inclinada para o motorista – o que facilita a operação.
Um dos aspectos em que se observa um salto na qualidade é a adoção do processador da Qualcomm para a multimídia, chip que torna a central sete vezes mais rápida do que a do Megane atual. O aparelho também passa a fornecer funções nativas da Google, como o Maps e a Play Store.
O resultado é uma utilização intuitiva e melhor compreensão dos comandos vocais. O sistema também é compatível com Apple CarPlay sem fio.
Diante de tanta tecnologia embarcada, é estranho a “sobrevivência” da antiquada haste para comandar o áudio fixada na coluna de direção. Também entra como ponto negativo a ausência de um head-up display.
Na segunda fileira, o passageiro central não sofre com um túnel elevado, no entanto irá mais apertado do que desejaria se tiver companhia de ambos os lados (a largura habitável não é um ponto forte). Na altura, o conforto é para ocupantes de até 1,80 metro. O porta-malas tem um dos maiores volumes do segmento, com 440 litros contra 384 litros do atual.
A Renault gosta de chamar o Megane E-Tech de “o GTI dos elétricos”, trazendo a referência de diversão ao volante, algo em que nem todos os elétricos são pródigos. Nesta primeira experiência dinâmica foi possível dirigir a versão com a bateria maior, de 60 kWh (há uma versão com capacidade de 40 kWh), e mais potente, com 220 cv e 35,6 kgfm (há, também, uma opção com rendimento de 130 cv e 25,4 kgfm).
Acelerando aos 100 km/h em 7,4 segundos – mais rápido do que qualquer Megane sem apelido Sport até hoje –, o EV60 tem seu peso contido nos 1.624 kg, graças a soluções como uso de alumínio nas portas e a tal elevada densidade energética das baterias.
O fato de ter um centro de gravidade 9 cm mais baixo do que o carro atual o deixa muito bem “plantado” na estrada. E, por tabela, uma repartição de peso quase igual entre a frente e a traseira, algo inédito em um Renault de produção em série.
O amortecimento é tendencialmente seco, mas é algo que pode ser atenuado com a escolha de rodas menores de aro 18 (a unidade de teste estava calçada com aro 20).
Boa nota para o silêncio de rolamento, pois as espumas de isolamento em volta das baterias deram bom resultado, mas o ruído aerodinâmico em velocidades mais altas ainda invade a cabine.
A direção é bastante leve, contrariando o que seria de esperar de “um GTi”. Mas o volante esterça pouco: são mínimas duas voltas de batente a batente. Atrás do volante, comandos permitem variar a capacidade de regeneração de energia pela desaceleração em quatro níveis (0, 1, 2 e 3).
O mais intenso segura o carro bastante, mas nunca o imobiliza, é preciso usar sempre o pedal do freio, que está bem calibrado. Seja como for, o trajeto do teste quase não passou por zonas urbanas com densidade de tráfego, o que acabou por se refletir numa média de consumo bem acima do anunciado no ciclo de homologação WLTP (18,9 em vez de 15,5 kWh/100 km).
Neste ritmo os 470 km de autonomia prometidos por esta versão (300 no caso do EV40) não poderiam ser replicados, mas será justo fazer um teste mais conclusivo, em estradas mistas e a velocidades mais próximas da realidade dos motoristas antes de crucificar o Megane EV60.
Veredicto
Mesmo usando materiais simples no acabamento, elétricos custam caro, em qualquer lugar do mundo, por conta das baterias. Mas este Renault parece um modelo honesto, que deve agradar os compradores em sua chegada.
Ficha Técnica
Preço: 45.000 euros (estimado)
Motor: elétrico, dianteiro, 218 cv, 35,6 kgfm
Baterias: LG, íons de lítio (níquel, manganês, cobalto), 60 kWh
Câmbio: aut., 1 marcha
Direção: elétrica Suspensão: McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) / disco sólido (tras.)
Pneus: 215/45 R20 Dimensões: comprimento, 421 cm; largura, 177 cm; altura, 155 cm; entre-eixos, 270 cm; peso, 1.624 kg; porta-malas, 440 l
Desempenho: 0 a 100 km/h, 7,4 s; velocidade máxima de 160 km/h; consumo, 15,5 kWh/100 km (ciclo misto); autonomia, 470 km; tempo de recarga, 8 horas Wallbox 7,4 kW