Em primeiro teste, VW Gol já se mostrava um substituto à altura do Fusca
VW Gol sairá de linha após 42 anos: relembre o seu primeiro e ultrassigiloso teste feito com exclusividade por QUATRO RODAS
“Este é o Gol: primeiro teste do novo Fusca”, essa era a chamada da capa da Quatro Rodas de maio de 1980. Era o primeiríssimo teste, com exclusividade, daquele que se tornaria o carro mais vendido da história do Brasil: superou o próprio Volkswagen Fusca em 2003, quando o Gol alcançou as 4 milhões de unidades produzidas – o Fusca somou 3,2 milhões.
O Volkswagen Gol deixará de ser fabricado agora em dezembro, somando mais de 8 milhões de unidades e após 42 anos com feitos de respeito.
O substituto do Fusca foi líder de vendas por 27 anos consecutivos, uma marca que, pela atual conjuntura do mercado automotivo e pelas estratégias das fabricantes, dificilmente será superada um dia. O Fusca liderou as vendas no Brasil por 25 anos e a Kombi, por 24.
A trajetória do VW Gol nunca deixou de ser retratada nas páginas de Quatro Rodas e algumas outras reportagens históricas ainda merecem ser relembradas. Mas tudo tem um começo.
Então editor de Quatro Rodas, o lendário jornalista Claudio Carsughi foi o primeiro jornalista do mundo a por as mãos no Volkswagen Gol, um projeto que vinha sendo acompanhado de perto pela revista (e pelo “caçador de segredos” Nehemias Vassão) desde 1977.
A seguir, você confere esse teste na íntegra com as mesmas fotos de Claudio Laranjeira, mas em resolução nunca antes vista, além do vídeo de despedida do Gol com o próprio Carsughi ao volante. Todas as páginas da revista estarão no final da matéria em alta resolução: basta clicar para aumentar o tamanho de cada página. Prepare-se para voltar no tempo.
Gol: este é o carro que veio agitar o mercado
O novo carro da Volkswagen, que vai brigar no mercado dos pequenos, agradou: tem boa estabilidade, bons freios, mecânica simples e linhas modernas. O Gol será comercializado apenas a partir de julho. Por Claudio Carsughi
Publicado originalmente em maio de 1980
O Gol é um carro novo e bonito, que representa uma evolução positiva em relação ao velho Fusca e incorpora algumas soluções técnicas bem modernas, como é o caso da ignição eletrônica.
Num esquema de absoluto sigilo, porque o carro ainda não tinha sido apresentado à imprensa, QUATRO RODAS testou exaustivamente a versão L do Gol, equipada com todos opcionais disponíveis. E considera-o um carro destinado a ter êxito, pela beleza e funcionalidade das suas linhas, pelo conforto que oferece ao motorista e passageiro do banco da frente, pelo contido operacional (óleo do câmbio, por exemplo, não precisa ser trocado jamais) e por sua mecânica simples de fácil acesso, o que significa economia.
É um carro econômico, embora a economia de combustível não seja seu ponto de destaque, com desempenho contido em limites razoáveis desde que se lembrem as características do motor escolhido. Para os que desejam maior desempenho, a fábrica já está testando um motor 1.600 de dupla carburação, semelhante ao da Brasília.
Este foi o teste mais sigiloso que Quatro Rodas já realizou. Num fim de tarde do mês de abril, um caminhão fechado recebia na fábrica 2 da VWB, no bairro do Ipiranga, um Gol vermelho. Imediatamente, protegido contra olhares indiscretos (afinal, o carro ainda não tinha sido apresentado à imprensa), seguia dentro do caminhão acompanhado por nosso carro de apoio para a pista de testes. Lá, já à noite, era descarregado e iniciava, durante a madrugada, um roteiro rodoviário, concluído antes do alvorecer.
Ao amanhecer na pista e ao abrigo de curiosos, começava o teste, com todas as medições e todas as provas repetidas um número de vezes bem maior: ninguém tinha parâmetros e, portanto, os valores médios tinham de ser obtidos experimentalmente, com a exaustiva repetição dos testes. Como, aliás, ocorre com qualquer carro totalmente novo.
Encerrado o teste, enchido pela última vez o tanque de combustível, o carro subia novamente a rampa do caminhão e começava a viagem de retorno. A partir daí a reportagem exclusiva começava a ganhar forma.
Linhas Modernas
A linha ágil e elegante do Scirocco, VW europeu desenhado por Giugiaro, inspirou os projetistas do Gol. A frente retangular, com dois faróis e grade interna de lâminas horizontais determinam, de acordo com a velocidade do carro, a quantidade de ar admitida pelo motor.
Lateralmente a linha de cintura sobe ligeiramente da frente para trás, onde essa impressão é reforçada pela curvatura da parte inferior do vidro, ao mesmo tempo em que outra linha liga dianteira e traseira do carro.
Aliás, onde fica a terceira porta, o tom dominante é ditado por um spoiler integrado na parte inferior dessa porta, continuando a linha cortada na traseira.
O perfil geral do carro foi longamente estudado em túnel de vento, para melhorar o nível de conforto e o fluxo de ar externo, resultando em bom coeficiente de penetração do aerodinâmica.
O banco traseiro poder abaixado para formar então um amplo vão de carga. Os bancos dianteiros (de espuma como o de trás), bem confortáveis, podem receber regulagem contínua o que, aliado à boa colocação do volante e dos demais comandos, permite a todo motorista encontrar a posição mais adequada.
No painel, quando com todos os opcionais, há, da esquerda para a direita,, um relógio de horas, um conjugado nível de combustível (ao alto) e vacuômetro (embaixo), outro conjugado velocímetro/hodômetro totalizador e parcial, um bloco de seis luzes de advertência (faróis, luzes de direção, pisca-alerta, freios, pressão do óleo e bateria) e um conta-giros.
Abaixo ficam outros comandos, muitos sob forma de teclas e, na coluna de direção, as alavancas de luzes de direção, pisca-alerta e limpadores de para-brisa. Por fim, o volante de 38 cv de diâmetro, boa pega, e dois raios em forma de U invertido.
Motor Modernizado
Projetado o carro, com tração dianteira, o Departamento de Engenharia da VWB pôde reformular o motor escolhido, o 1.300 refrigerado a ar, por que suas condições de refrigeração mudaram totalmente. A refrigeração dinâmica permitiu logo de saída eliminar o radiador de óleo.
Por outro lado a utilização de uma ventoinha axial, de sete pás plásticas em lugar da ventoinha radial, reduziu a potência absorvida. No motor 1.300 usado no Fusca, essa perda de potência é de 4,5 cv ao passo que no Gol chega apenas a 1,8 cv. Só isso, então, significou aumento de quase 3 cavalos na potência máxima.
A mudança na refrigeração possibilitou ainda outras alterações, a começar pelos dutos dos cabeçotes e pelas aletas dos cilindros.
Por outro lado é novo o conjunto de cabeçotes, com válvulas de admissão e escapamento e V o que permitiu homogeneizar a refrigeração. A modificação naturalmente às sedes das válvulas, agora sinterizadas (têm maior resistência), e as hastes. Mudaram também os balancins e seus eixos, como consequência da modificação do ângulo das válvulas.
Deforma geral, buscou-se evitar, no interior da câmara de combustão a presença de “pontos quentes”, homogeneizando a queima da mistura ar/combustível.
Também a alimentação do motor foi modificada, com a utilização de um novo carburador (Solex H30 PIC-2), que teve suas tolerâncias de fabricação reduzidas. O distribuidor com seu sistema de avanço centrífugo e a vácuo, ganhou uma proteção externa de plástico, para evitar penetração de água, e teve sua curva alterada.
E uma modificação muito importante ocorreu no filtro de ar, dotado de duas entradas: uma normal e outra de ar quente (o que refrigerou os cilindros).
Para melhorar o fluxo de ar, garantindo temperatura de 40 a 45ºC, há uma válvula que dosa a entrada de ar externo e do ar quente. Essa válvula é acionado por um duplo comando termo-pneumático, segundo bimetálico, começa a funcionar quando o motor é exigido a pleno regime e necessita, para não ter o consumo prejudicado, de ar mais frio.
Nessa ocasião, o comando fecha totalmente a válvula dosadora, impedindo a entrada do ar quente. O acionamento pneumático é obtido por meio de uma tomada de vácuo no coletor de admissão.
Esse novo motor que pesa 97 kg (o motor do Fusca pesa 111 kg) tem ainda uma opcional altamente recomendável: ignição eletrônica Bosch, sem platinado, que mantém por muito mais tempo as regulagens corretas do sistemas.
E teve pequenas mudanças, desde a carcaça até os prisioneiros, agora embuchados, que interessam mais aos mecânicos do que ao usuário comum, mas que representam bem todo o trabalho realizados.
Suspensão e direção
Na frente, a suspensão do Gol lembra do Passat, com seu sistema McPherson de braços oscilantes triangulares ligados a um quadro auxiliar por meio de buchas e integrado pelo conjunto mola/amortecedor coaxial. As molas têm seção variável, maior nas extremidades e menor no meio, o que evita que gerem ruídos quando comprimidas até o fim. E o amortecedor é encapado, para ter mais proteção contra poeira.
Atrás, a suspensão, engenhosa (na prática é a mesma do Golf alemão), baseia-se em um eixo em T, braços longitudinais tubulares, molas helicoidais do mesmo tipo das dianteiras e amortecedores coaxiais. Nessa suspensão o eixo em T trabalha em torção e atua como uma barra estabilizadora (oferecida como opcional, para a suspensão dianteira).
Quanto à direção, com uma nova caixa de alumínio, é de pinhão e cremalheira, com dentes helicoidais. Colocada em posição recuada, incorpora a coluna com dispositivo de desacoplamento em caso de impacto.
O Gol utiliza sistema misto disco/tambor universalmente adotado em carros médios e pequenos, mas com acionamento em diagonal (como no Passat). Isto é, cada circuito freia uma roda dianteira e a roda traseira do lado oposto.
Freios a disco
Os freios a disco dianteiros são de pinça flutuante, enquanto os de tambor, traseiros, são simplex. O freio de estacionamento atua no eixo traseiro. O desenho das rodas, o raio negativo de rolagem na suspensão dianteira (o que autocorrige eventuais desvios de trajetória) e uma boa distribuição de pesos, com 49% no eixo dianteiro e 51% no traseiro, do total de 750 kg de peso de carro, facilitam a atuação dos freios.
A carroceria
A carroceria que pesa 195 kg, tem uma estrutura diferenciada que, em caso de choque frontal, permite um recuo da coluna de direção de apenas 38 mm e um coeficiente de penetração aerodinâmica de aproximadamente 0,40.
Este último valor, aliado a uma linha estudada no túnel de vento, permitiu obter uma boa relação desempenho/consumo e um nível de ruído externo reduzido, além de uma sensibilidade ao vento lateral bem menor que a do Fusca.
De acordo com a fábrica, a carroceria recebeu um tratamento cuidadoso antiferrugem, tanto pelo aumento dos materiais usados, como pelo diferente desenho das partes em formato de caixa, onde é mais difícil a penetração das tintas protetoras. A fábrica anuncia também um diferente acabamento das chapas. Uma observação, mesmo que rápida, da parte inferior da carroceria junto às caixas de roda,, por exemplo, indica a aplicação de PVC, que serve como proteção antiferrugem e, ao mesmo tempo, absorve ruídos.
Desempenho modesto
Ao sentar-se no carro o motorista precisa esquecer sua linha (que evoca logo motores possantes, como por exemplo, o do Scirocco GTI) e lembrar, antes de mais nada, do motor utilizado. É o 1300 refrigerado a ar que continua equipando o Fusca e que, embora muito modificado, não pode fazer milagres: desenvolve a potência de 50 cv SAE, contra 46 do outro.
Por isso que qualquer comparação deve ser estabelecida com o Fusca, sobre o qual o Gol leva nítida vantagem.
Sua velocidade máxima, em nossa pista de testes, foi de 124,675 km/h, cerca de 10 km/h superior a do Fusca. Na aceleração de 0 a 100 o Gol gastou 30,27 segundos, quase 6 segundos a menos. Esses dois exemplos definem perfeitamente o nível de desempenho modesto do novo carro.
Definido então o desempenho do Gol, inferior a todos os outros carros de mesma cilindrada, convém lembrar que, mantendo o carro por volta de 80 km/h em quarta, obtém-se o melhor compromisso entre desempenho e consumo, pois o conjunto foi estudado com base no limite de velocidade em vigor no Brasil.
São muitos os pontos positivos em outras áreas: a estabilidade em nada se assemelha à do Fusca porque o carro se manteve corretamente nas curvas e na trajetória, com uma tendência a sair de traseira manifestando-se só no limite.
Como resultado disso, inspira grande confiança ao motorista, o que justifica o longo trabalho exigido para o acerto da suspensão. Uma suspensão simples, mas altamente eficiente, como, por sinal, vem demonstrando a mais de cinco anos, no Golf alemão. E que, somada a linha da carroceria, suporta bem os ventos transversais, tão desagradáveis em outros carros da Volkswagen.
Outro ponto em que se nota grande melhora em relação ao Fusca são os freios: agora se pode frear tranquilamente em emergência, a 120 km/h, sem preocupação. O Gol mantém-se na trajetória fielmente e para em espaços bem razoáveis, da mesma forma que, em freadas normais, nota-se apenas um leve abaixamento da frente, por causa da transferência de peso ocorrida, sem qualquer interferência da direção.
Leve e precisa, a direção endurece um pouco apenas no fim do curso, e tem um diâmetro de giro adequado às manobras urbanas e de estacionamento.
A transmissão e o câmbio não revelaram nenhum problema. Mas os engates, talvez pelo fato do câmbio ter sido invertido, não são tão precisos quanto no Fusca, mas a diferença é realmente mínima e perceptível somente por alguns; a grande maioria deve notar apenas que existe um espaço maior entre a linha vertical primeira-segunda e terceira-quarta. Um detalhe apenas, que não chega a interferir no julgamento geral do conjunto muito bem.
O consumo
O consumo é o ponto que provavelmente suscitará maiores polêmicas. Em velocidades constantes, em nossa pista de testes, o Gol conseguiu resultados razoavelmente bons, com 13,87 km/l a 80 km/h e 12,28 km/l a 100 km/h. E andando em estrada, à velocidade aproximada de 80 km/h, fez 13,73 km/l. É uma boa marca, porém não é a ideal para um carro de sua categoria e é facilmente explicável. Ao definir as relações de transmissão, a engenharia da Volkswagen optou por um diferencial mais longo (4,125:1 contra 4,35:1 do Fusca), mantendo porém as mesmas relações do câmbio, para diminuir o consumo. Ocorre que, em estrada com muitos aclives e declives, mesmo com o carro levando apenas o motorista, é necessário acelerar muito para manter a velocidade.
Uma quarta marcha um pouco mais curta resolveria o problema.
Conclusão
O Gol é um carro que representa um inegável progresso com relação ao Fusca e deverá agradar muito ao público, embora não seja tão econômico como poderiam crer, nem tenha desempenho comparável ao de carros de mesma cilindrada. Mas suas linhas modernas, seu bom acabamento (no modelo luxo, com todos os opcionais) e o conforto que oferece para o motorista e o acompanhante (usado por cinco pessoas esse conforto desaparece) devem garantir-lhe um lugar certo no mercado.
Confira as páginas do teste original na íntegra
(clique para ampliar)
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