A história dos Miura, os mais tecnológicos fora de série nacionais
Os esportivos fabricados no Sul do país foram um sonho de consumo nos anos 80, não exatamente pelo desempenho, mas pela exclusividade e pelo
Itelmar Gobbi, um dos fundadores da Miura e responsável pelo design de todos os carros produzidos pela marca gaúcha, faleceu em Porto Alegre aos 83 anos. Gobbi dividia o controle da empresa com o amigo Aldo Besson, que faleceu em 2011. QUATRO RODAS relembra a história daquela que, certamente, sempre esteve na vanguarda das fabricantes de fora de série nacionais.
Atari, Odissey e Daktari eram os nomes da moda em 1983, pelo menos para as crianças e adolescentes. O ano marcou o começo da febre do videogame por aqui.
Para muitos adultos, no entanto, o “brinquedo” mais desejado era quase um sonho inatingível de tão sofisticado e exclusivo. Naqueles tempos de maxidesvalorização do cruzeiro (a moeda da época), os carros da Miura representavam o máximo em exclusividade.
Era o caso do Spyder. Derivada do Targa, a novidade foi uma das estrelas da edição de dezembro de 1983 de QUATRO RODAS. A matéria foi feita nos moldes de “impressões ao dirigir”: sem medições de pista.
Isso porque a fabricante decidiu não emprestar mais seus carros para aferições de pista, depois do teste de março de 1979. Os ensaios mostraram o quanto o primeiro dos Miura, com chassi de Brasilia e mecânica VW a ar, era lento. É o teste que reproduzimos aqui, porque é o único Miura que foi levado à pista.
Custando a fortuna de Cr$ 12.500.000, cerca de R$ 274.945, o Spyder já nascia com a vantagem de ter chassi tubular e ser tracionado pelo motor 1.6 do Passat, com câmbio de quatro marchas e ainda instalado na traseira, que melhorou muito o desempenho.
Com ele, a aceleração de 0 a 100 km/h ficava por volta dos 14 segundos, enquanto a máxima beirava os 165 km/h – resultados estimados durante a avaliação de 1983.
Não eram marcas tão expressivas, mas indicavam uma grande evolução perto dos 135 km/h e dos 25 segundos para atingir os 100 km/h, obtidos no teste de 1979. E o carro pesava apenas 994 kg.
No geral, o Spyder fazia muito bem a lição de casa, a começar pelo comportamento neutro. Havia tendência a sair de frente, mas o limite de estabilidade era alto. O volante era pesado em baixa velocidade, mas o incômodo desaparecia à medida que o ponteiro do velocímetro avançava.
Quanto ao estilo, o Miura Spyder primava pelo desenho elegante, próximo ao de esportivos europeus, que revelava um trabalho muito bem-feito com a fibra de vidro. Os faróis escamoteáveis com acionamento a vácuo eram destaque.
Com apenas dois lugares, o conversível também mostrava um precioso cuidado com o acabamento nos bancos, tapetes e capota. No painel completo (do Del Rey) havia voltímetro, manômetro de óleo e até um minicomputador como opcional.
Não bastassem esses detalhes, o Spyder também oferecia volante com regulagem elétrica de altura. O senão é que o volante esportivo, de diâmetro menor, atrapalhava a leitura dos instrumentos do painel.
Uma nova revitalizada no fôlego veio com o motor 1.8 a álcool do VW Santana, que emprestou seus 92 cv ao Saga, uma espécie de três volumes do Spyder.
Segundo a fábrica, seu novo topo de linha (revelado no Salão do Automóvel de 1984) atingia 175 km/h de velocidade e levava 13 segundos para acelerar de 0 a 100 km/h.
Uma das características dos Miura era sua constante evolução. Era visível a orientação dos fabricantes de embarcar nele toda tecnologia disponível no mercado nacional.
O modelo saía da fábrica com uma quantidade de itens capaz de deixar qualquer um de queixo caído. Teto solar, bancos de couro, ar-condicionado, trio elétrico, toca-fitas com equalizador e TV preto e branco de 5 polegadas.
Ainda havia computador de bordo com sistema de voz, que alertava sobre o uso do cinto de segurança, a necessidade de abastecer ou, ainda, de verificar a temperatura do motor ou a pressão do óleo. Havia até uma minigeladeira e freios a disco nas quatro rodas com o uso pioneiro do ABS, o que também impressionava.
O motor AP-2000 do Santana veio em 1988, acompanhado de outras melhorias, mas a abertura do mercado aos importados, nos anos 1990, foi um golpe mortal para a marca, que resistiu até 1992.
Criada em 1976 por Aldo Besson e Itelmar Gobbi, donos da Aldo Auto Capas, de Porto Alegre (RS), a marca Miura teve o nome inspirado num dos esportivos da italiana Lamborghini.
O alto luxo sempre foi destaque dos 12 modelos lançados pela fábrica, que incluíam também o MTS, X-8, Top Sport, X-11 e Kabrio. O que também sempre se manteve foi o preço lá no alto.
E quando o encanto da juventude acabou, o confronto com modelos importados ficou duro demais. Assim, o Miura deixou de ser fabricado em 1992. Ao longo de 14 anos, foram feitas cerca de 9.500 unidades. Volume baixo, preço alto, mas que consolidou uma história de inovação.
Miura Targa
Teste – Março de 1979
Aceleração de 0 a 100 km/h – 25 s
Velocidade máxima – 135,5 km/h
Frenagem 80 km/h a 0 – 30,9 m
Consumo – 12 km/l (médio)
Preço
Março de 1979 – Cr$ 238.752
Atualizado – R$ 183.091 (IGP-DI/FGV)
Ficha técnica
Motor: traseiro, 4 cilindros opostos, refrigeração a ar, 1.584 cm3
Diâmetro x curso: 85,5 x 69 mm
Taxa de compressão: 7,2:1
Potência: 65 cv a 4 600 rpm
Torque: 12 kgfm a 3 000 rpm
Transmissão: manual de 4 marchas, tração traseira
Dimensões: comprimento, 430 cm; largura, 157 cm; altura, 117 cm; entre-eixos, 240 cm; peso, 994 kg
Suspensão: dianteira, independente; traseira, independente, semieixos oscilantes com barras de torção
Dezembro de 1983
“O Spyder recebeu uma série de reforços estruturais com a finalidade de manter a mesma rigidez torcional do modelo de que se origina. Esses reforços atuam ao nível do assoalho e da parte superior das portas, de forma a constituir uma caixa que, embora sem tampa, tenha a mesma robustez de uma caixa com tampa. Como exemplo, lembre uma caixa de sapatos. Aplicando uma força torcional em suas extremidades, é difícil virá-las, em sentidos opostos de rotação. Retirando a tampa e aplicando a mesma força, isso se torna bem mais fácil. O mesmo ocorre com o carro fechado, quando é retirado seu teto para transformá-lo num conversível.”
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