Sabe aquela sensação de que os carros estão se transformando em smartphones com rodas? Não está totalmente errada.
Além de ser uma das maiores fabricantes de baterias do mundo, a chinesa BYD (sigla para Build Your Dreams, ou “construa seus sonhos”) também fabrica componentes eletrônicos, controladores elétricos, telas de lcd com as mais variadas finalidades e domina a tecnologia de motores elétricos síncronos. Na prática, é tudo que uma empresa precisa para fazer um bom carro elétrico hoje.
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Prestes de completar 20 anos fabricando veículos elétricos (de empilhadeiras, trens e caminhões a ônibus, sempre elétricos), a BYD acerta os detalhes finais para entrar no mercado de carros elétricos no Brasil, ao mesmo tempo que inicia sua expansão global baseada em uma nova família de automóveis elétricos. E promete algumas inovações no segmento.
Por exemplo, está nos planos da BYD vender nas concessionárias pacotes com carregador, painéis fotovoltaicos e baterias acumuladoras (para guardar a energia a ser usada à noite) aos seus clientes. É uma solução para não se preocupar nem com o preço da gasolina nem com o preço da energia elétrica para a recarga. A BYD inclusive tem fábrica de painéis solares em Campinas (SP).
Também por ser uma das grandes fabricantes de baterias recarregáveis do mundo, a BYD diz estar planejando oferecer maior prazo de garantia para os seus carros – a média é oito anos.
Identidade chinesa
QUATRO RODAS testou, com exclusividade, os primeiros carros de passeio que a BYD venderá no varejo, afinal, ela já teve carros destinados a empresas. O BYD Tan, um SUV elétrico de sete lugares, chega entre janeiro e fevereiro. Para maio está previsto o lançamento do sedã elétrico Han, que havia acabado de desembarcar no Brasil para iniciar seu processo de homologação quando tivemos acesso a eles.
Para os dois carros, a promessa é ter preços entre R$ 400.000 e R$ 500.000, o que coloca até carros de luxo com motor a combustão e equivalentes em porte e potência em situação desconfortável. Mesmo elétricos, os BYD tendem a ser mais baratos.
Os dois carros pertencem à série Dinasty, com carros bastante refinados, com design interessante e pacote de equipamentos que impressiona. Para o final de 2022 está previsto o lançamento de dois entes de porte menor e híbridos: o SUV médio Son e o sedã Qin (lê-se tim), com preços na casa dos R$ 200.000.
Cada carro tem o nome de uma dinastia de imperadores chineses, em um raro exemplo de branding original e nada ocidentalizado em uma marca chinesa. Inclusive, os carros que serão vendidos no Brasil terão os ideogramas de cada dinastia na dianteira, nas rodas e no volante, em vez do logotipo da BYD.
Quem assina essa identidade de design é Wolfgang Egger. Antes de se tornar chefe de design da BYD (cargo que ocupa desde 2018), ele criou carros como os Seat Cordoba e Ibiza e o Alfa Romeo 8C Competizione, e também comandou o design da Audi e da Lamborghini.
Como é o BYD Tan?
Por ter grade dianteira convencional para, basicamente, arrefecer a condensadora do ar-condicionado, o BYD Tan nem parece ser elétrico. Passaria fácil por SUV de sete lugares normal, quase uma versão menos rebuscada do Lexus RX. Mas a verdade é que ele poderá estrear no Brasil com outra frente, com estilo alinhado ao do Han, com uma barra prateada interligando os faróis.
Na lateral do SUV, o vidro que cobre toda a coluna C lembra o Toyota SW4 e as rodas aro 22 não destoam do tamanho das caixas de roda. Por sinal, encobrem os grandes freios Brembo, necessários pelo porte e peso. O limpador traseiro escondido no aerofólio revela preocupação com detalhes, mas a traseira chama atenção mesmo é pelas lanternas integradas, que parecem as mesmas dos Dodge Durango e Charger.
A cabine surpreende pelo design e pelas superfícies de toque macio com costuras, nas portas e no painel, que também têm partes em Alcantara e outras retroiluminadas pelas luzes ambiente configuráveis. A qualidade dos acabamentos não se compara com outros carros chineses que vimos no Brasil.
No console, um bom porta-objetos sob as saídas de ar centrais, botões de acesso rápido às funções do carro ao redor da alavanca seletora de marcha, um carregador sem fio para smartphones e o apoio de braços com um grande compartimento dentro.
Fabricante de telas, a BYD colocou o que tem de melhor em seus carros. A qualidade do quadro de instrumentos digital salta aos olhos, tanto pela definição quanto pelo contraste e pela profundidade da cor preta.
A central multimídia parece saída de um bom notebook, tanto pelas dimensões (são 15,6 polegadas) quanto pela qualidade da imagem. Contudo, em vez de se fechar, a tela rotaciona em 90° para uma exibição vertical. O movimento é automático, acionado por botões na tela e no volante. Ao desligar o carro, ela volta à horizontal. A intenção é permitir que os passageiros possam visualizar as informações como bem quiserem, inclusive dividindo a tela entre os apps disponíveis.
A interface da central é rápida e intuitiva, com direito a um menu com as principais funções ao arrastar o menu superior para baixo. Contudo, a integração da interface com Android Auto e Apple CarPlay ainda está em desenvolvimento. A BYD também prepara um app para comandar o carro remotamente – na China, é possível acionar o assistente de baliza automática pelo celular, de fora do carro.
Há mais equipamentos de carros de luxo, como o ajuste elétrico para a direção, câmeras de visão 360° de alta resolução, piloto automático adaptativo, assistente de permanência em faixa (que exibe alertas na base do volante), teto solar panorâmico, porta-malas com abertura elétrica e um potente sistema de som Dirac – mesma fornecedora dos Rolls-Royce e Bentley.
Como nos Tesla, há câmeras para gravar o trânsito e a cabine integrados ao carro (dá até para tirar fotos com elas), e um cartão NFC que pode substituir a chave presencial. Os bancos dianteiros abraçam os ocupantes, têm ajustes elétricos, ventilação e aquecimento, mas o material sintético da forração poderia ter toque melhor.
O espaço na segunda fila é bom e a bateria no assoalho não compromete o conforto para as pernas. A seção direita rebate para facilitar o acesso à terceira fileira e também pode deslizar para aumentar o espaço por lá (que não sobra, mas também não é dos piores). Ou seja, é ótimo para levar crianças e tolerável para adultos apenas em viagens curtas.
Como é o BYD Han?
O BYD Han tem muito em comum com o SUV, mas, em vez de ser um carro familiar, está mais voltado ao público executivo. Tanto pela carroceria com linhas limpas e maçanetas retráteis quanto pelo porte (são quase 5 m de comprimento), ele se assemelha ao Tesla Model S. Em vez de grade ou de um para-choque sem abertura, tem uma barra prateada com barra de leds por baixo que integram os faróis full-led estreitinhos, com leds azuis que acendem junto com as DRL.
A traseira é de um sedã clássico, com lanternas de led interligadas e arestas bem definidas no para-choque. Não há cromados, mas há detalhes prateados na base das portas e na estrutura dos retrovisores, e a moldura dos vidros laterais é toda de alumínio escovado.
Se o para-brisa parece um pouco roxo nas fotos porque é polarizado, como no Jaguar e no Land Rover. Como no Tan, os vidros laterais dianteiros são laminados, o que melhora a segurança e o isolamento acústico.
O carro testado havia acabado de chegar da China para o processo de homologação e definição de pacotes, então releve o couro vermelho dos bancos e escritos em mandarim na central multimídia (também giratória). O painel não é exatamente igual ao do Tan, pois tem sua própria faixa central e saídas de ar laterais.
O melhor lugar para ocupar no BYD Han, porém, é nos bancos traseiros, mais especificamente do direito. Há ajustes elétricos para os encostos dos dois lados, mas só no direito é possível afastar o banco da frente e liberar espaço para as pernas, tanto por botões quanto por uma tela sensível ao toque instalada no apoio de braço retrátil.
Essa tela comanda tudo: cor da iluminação interna, abertura do teto solar, as duas zonas de temperatura traseiras, o aquecimento e a ventilação dos bancos de trás e até a música ou o tipo de mídia em reprodução. Só faltam persianas elétricas para poder ser comparado aos grandes sedãs Lexus, Genesis ou Mercedes.
Elétricos a preços de V6
Os BYD Han e Tan têm mecânica semelhante. Ambos se movem por dois motores elétricos, um em cada eixo. O que muda é a potência e o tamanho das baterias de cada carro.
No SUV, o motor dianteiro tem 245 cv e o traseiro, 272 cv. Combinados, entregam 517 cv e 69,3 kgfm. A potência maior na traseira deixa a tocada mais interessante: ao afundar o pé no acelerador em uma saída de curva, o SUV ensaia uma leve escapada e aponta na reta como só os bons carros conseguem fazer.
Com seus 2.455 kg, inclina pouco nas curvas graças ao peso das baterias concentrado no assoalho. A direção é rápida e fica bem pesada em alta velocidade para garantir a estabilidade mesmo quando alcança (rápido, diga-se) a máxima de 180 km/h. No nosso teste, foi de 0 a 100 km/h em 4,9 s.
De acordo com a BYD, a bateria Blade (veja na pág. 27) de 86,4 kWh garante autonomia de 505 km em ciclo NEDC, mas divulgam 400 km em ciclo WLTP, o padrão europeu. Bom número para um SUV elétrico que custará mais de R$ 400.000. O Han tem bateria pouco menor, de 76,9 kWh, mas com autonomia NEDC de 550 km – não foi aferido em WLTP.
O BYD Han é quase 300 kg mais leve (tem 2.170 kg), o que explica a melhor autonomia e o desempenho (cravou 0 a 100 km/h em 4,3 s em nossa pista). Isso, mesmo sendo mais fraco: o motor dianteiro tem 222 cv e o traseiro 272 cv, somando 494 cv e os mesmos 69,4 kgfm.
Apesar de ser rápido, de fazer os passageiros grudarem no banco nas acelerações em modo Sport, o Han tem rodar mais confortável, fazendo jus à sua proposta. A carroceria inclina mais nas curvas, mas também tem mais aderência.
Os freios Brembo são importantes, pois ambos os carros não têm frenagem regenerativa forte para dispensar o uso do pedal de freio: mesmo no modo de regeneração da energia máxima, demora para parar. Também não têm amortecedores ajustáveis ou molas pneumáticas.
Se elétricos de luxo (Porsche Taycan, Audi e-tron e Mercedes EQC) têm preços ao redor dos R$ 600.000, estes BYD serão mais baratos até do que carros equivalentes a combustão, como os Audi Q7 (R$ 533.990) e A7 Sportback Performance (R$ 621.990), ambos com V6 3.0 híbrido leve de 340 cv.
Porém, o objetivo da BYD é conquistar gente de fora das marcas de luxo e criar um ecossistema elétrico e sustentável na vida do cliente. Proposta até modesta para quem tem carros tão promissores.
Teste – BYD TanAceleração |
Ficha Técnica – BYD TanMotores: dois, elétricos síncronos permanentes, 245 cv e 33,6 kgfm (diant.) e 272 cv e 35,7 kgfm (tras.) |
Teste – BYD HanAceleração |
Ficha Técnica – BYD HanMotores: dois, elétricos síncronos permanentes, 222 cv e 33,6 kgfm (diant.) e 272 cv e 35,7 kgfm (tras.) |
As baterias que até a Tesla quer comprar
Novos carros da BYD já usam as baterias Blade, criadas pela própria empresa com vantagens por serem mais baratas, seguras e eficientes – e até já despertaram o interesse da Tesla
Como grande parte das empresas chinesas, a BYD é jovem. Foi fundada em 1995 pelo químico e pesquisador Wang Chuanfu, então com 29 anos, e seu primo para fabricar baterias recarregáveis para celulares. Deu tão certo que hoje é uma das maiores fabricantes de baterias do mundo e detém centenas de patentes ligadas a baterias químicas, telas de LCD e a motores elétricos síncronos.
Quem vem dando o que falar ultimamente são as baterias Blade. Elas são de fosfato de ferro-lítio (LFP), tipo mais barato por dispensar o uso de níquel e cobalto (metais raros e, consequentemente, caros), mas revolucionam por serem mais seguras e por permitir maior densidade de energia a um custo mais baixo na comparação com suas semelhantes.
A grande sacada é que cada célula é, literalmente, uma lâmina: tem 90,5 cm de comprimento, 11,8 cm de altura e 1,35 cm de largura, tendo também função estrutural. Dessa forma, podem ser dispostas transversalmente para formar a bateria, dispensando o uso de módulos. Isso permite a instalação de até 50% mais células no mesmo espaço a um custo 35% menor.
Também são mais seguras: se perfuradas por um prego, não passam dos 60 oC, enquanto as baterias automotivas de íons de lítio chegam aos 500 oC e provocam incêndio se submetidas ao mesmo dano.
De acordo com a BYD, as baterias Blade suportam 3.000 ciclos de recarga, o que seria suficiente para um carro rodar mais de 1 milhão de quilômetros. Elas serão o padrão nos automóveis da BYD e já na virada do ano serão adotadas no furgão e-T3.
Quem também está de olho nas baterias Blade é a Tesla, que passará a comprá-las da BYD a partir de 2022. Supostamente, serão destinadas ao seu novo carro de entrada a ser fabricado na China.