Baterias são a alma, mas também o grande gargalo do carro elétrico
Os grandes desafios da indústria para tornar as baterias viáveis e baratas o suficiente para enfim tornar o carro elétrico popular
Mesmo tendo uma frota circulante bem menor, quando comparada aos modelos equipados com motores a combustão, os carros elétricos já são uma realidade no mundo.
E a tendência é que sua presença cresça, com o aumento variando entre as regiões do planeta, de acordo com a disponibilidade de energia, as condições econômicas, as pressões da sociedade pela conservação ambiental. De modo geral, porém, a eletrificação é o que vai nortear a evolução da indústria nos próximos anos.
Nesse contexto, estima-se que o mundo irá assistir a uma transformação radical na mobilidade e o entendimento comum é de que os próximos dez anos trarão mais mudanças do que as três décadas anteriores.
A data considerada como ponto de inflexão é 2025, quando a redução de custos das baterias, o aumento da infraestrutura de recarga e as restrições ambientais farão do carro elétrico (juntamente com os híbridos) uma opção mais interessante para o consumidor comum (momento em que a participação dos elétricos e híbridos no mercado mundial deve alcançar cerca de 30%, segundo estudo da consultoria J.P. Morgan).
Para que esse cenário se concretize, um dos fatores mais importantes é o do desenvolvimento das baterias, no sentido de se tornarem mais acessíveis e de proporcionarem maior autonomia.
Próximo do limite
Os preços das baterias têm caído 15% ao ano, nos últimos tempos, à medida que a escala de produção aumenta e os fornecedores (quase exclusivamente asiáticos, como a Panasonic, a LG Chem e a CATL) diminuem suas margens (pela amortização dos custos de pesquisa e desenvolvimento).
Nesse cenário, a tendência é de que os preços dos carros elétricos se equiparem aos dos modelos a combustão entre 2025 e 2030, mesmo sem quaisquer subsídios por parte dos governos.
Só que, para isso acontecer, as novas baterias devem conter materiais que garantam maior densidade energética ao mesmo tempo em que diminuam o uso de metais preciosos e outras matérias-primas especialmente caras em sua fabricação, como explica Natasha Kaneva, diretora de Pesquisa e Estratégia na J.P. Morgan.
“Os fabricantes de baterias estão muito expostos aos custos da matéria-prima, que, proporcionalmente, aumentará com o tempo em relação ao valor total da bateria. Quando o preço das baterias cair para US$ 100/kWh, o custo das matérias-primas representará 56% do preço (substancialmente mais alto do que os 35% de hoje) se os custos das matérias-primas permanecerem iguais”, diz a especialista.
Tecnicamente, do ponto de vista da capacidade e do rendimento das baterias atuais, a maior parte dos engenheiros e cientistas é da opinião de que o potencial dos sistemas de íons de lítio já se aproxima do limite e as empresas não poupam esforços para encontrar uma forma de avançar.
A expectativa é de que não haverá uma tecnologia dominante, uma vez que várias alternativas químicas diferentes demonstram distintos potenciais em termos de densidade energética, capacidade, durabilidade, rendimento, custo, tempo de recarga, fiabilidade e segurança.
O engenheiro Andreas Hintennach, que é diretor de desenvolvimento da Mercedes, explica que, entre as várias alternativas promissoras, as que se destacam mais são as de Lítio Metal Silício (que têm densidade energética superior, mas com riscos de segurança), Bateria em Estado Sólido (que são seguras, mas têm custos elevados, dificuldade de carregamento e baixa durabilidade), Lítio Enxofre (com densidade energética superior e baixos custos, mas durabilidade insuficiente), e Lítio Oxigênio (com muita densidade energética, mas cara e com pouca durabilidade).
De todas essas alternativas, a que parece ter maior probabilidade de se tornar a sucessora dos Íons de Lítio é a Bateria do Estado Sólido (ASSB). No entanto, existem aspectos a serem melhorados, como os desafios relacionados ao carregamento rápido.
Segundo Hintennach, o problema é que uma bateria ASSB leva cerca de uma hora para ir de 20% a 80% da carga, mas para chegar aos 100% são necessárias mais duas horas.
“Isto numa bateria de 80 kWh, que é o máximo que estamos testando neste momento. Para chegarmos a baterias com maior capacidade e cargas mais rápidas, ainda teremos que evoluir”, afirma.
Em razão dos investimentos que estão sendo feitos para resolver suas limitações, porém, a estreia dessas baterias deverá acontecer em segmentos de nicho onde existem consumidores dispostos a pagar pela tecnologia. As ASSB devem chegar ao mercado no prazo de dois anos, segundo Hintennach.
Além dos tipos de baterias descritos até aqui, existe um outro ainda mais curioso que é o das baterias orgânicas, que são as que não contêm metais ou quaisquer materiais tóxicos e que usam componentes orgânicos oxidados de plantas, fungos, bactérias e animais (são químicos que produzem energia natural usados pelos animais na respiração a nas plantas na fotossíntese).
São muito mais baratas e os protótipos mostram que podem aguentar 5.000 ciclos de carga (e 15 anos de vida), ou seja, 500% mais comparando com as de íons de lítio.
Essas baterias funcionam de maneira parecida com as pilhas de combustível (fuel cell).
“Imagine dois depósitos de água que contêm materiais orgânicos eletroativos, com uma solução negativa e uma solução positiva, que são despejados para um depósito central dividido por uma membrana e cuja interação dos químicos na membrana liberta energia”, diz Hintennach.
Segundo ele, a Mercedes já tem algumas dessas baterias orgânicas em seus laboratórios, em testes. “Mas estamos longe de aplicações finais”, afirma. “Podemos até fazer um protótipo para demonstração, mas isso não torna o cenário de aplicação real mais próximo, que não vai acontecer antes dos próximos 15 anos.
Histórico
Desde 1859, quando a primeira bateria recarregável de chumbo-ácido foi inventada, não havia tanto interesse na sua tecnologia. Pouco depois, surgiram os primeiros protótipos, tendo sido o inventor britânico Thomas Parker a construir o primeiro carro de passageiros elétricos (EV), em 1884, com baterias recarregáveis.
Seguiram-se anos de expansão com os automóveis elétricos batendo os primeiros recordes mundiais de velocidade (em 1899, o “Jamais Contente” atingiu 105,88 km/h) e no início do século 20, 38% do parque circulante nos EUA era elétrico.
Só que o desenvolvimento das redes viárias na Europa e nos EUA começou a exigir mais autonomia aos elétricos, que assim deixaram de ser solução, ao mesmo tempo que a descoberta de reservas de petróleo tornou a gasolina mais barata e acessível, tendo a invenção do motor de arranque (Charles Kettering, 1912) e do silenciador de escape (Percy Maxim, 1897) ditado o declínio do carro elétrico.
Com a crise do petróleo, nos anos 70 e 80 do século passado, regressou a atenção sobre os EVs, por parte de marcas americanas e japonesas, mas os interesses instalados na indústria acabaram por silenciar esse ressurgimento, até que já no início do século 21, a crise econômica na Europa e nos EUA e a crescente consciência ecológica relançaram o papel da eletricidade na indústria de automóvel e na mobilidade individual.
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