Mais que um Logan hatch: relembre o primeiro teste do Renault Sandero
Testado pela primeira vez em dezembro de 2007, o Renault Sandero combinava a proposta de espaço e baixo custo do Logan com design mais atraente
O Renault Sandero completaria 15 anos à venda no Brasil em dezembro, mas não esperou sua festa de debutante. A fabricante francesa anunciou nesta semana que a última versão disponível do hatch compacto, o Sandero S Edition 1.0 (lançado em novembro de 2021), saiu de linha.
Na verdade, o Sandero foi substituído pelo inédito Stepway 1.0, que custa cerca de R$ 6.000 mais barato. O hatch aventureiro declarou independência em 2019 e ainda tem opção de motor 1.6 16V com opção de câmbio manual de cinco marchas ou automático CVT. Na prática, porém, o Renault Sandero está fora de linha no Brasil e não terá nova geração.
Como forma de homenagear o hatch que, literalmente, deu outra dimensão ao segmento de carros compactos, resgatamos o primeiro teste do Renault Sandero. E foi justamente uma unidade bem marcante para a época: era um Privilège 1.6 16V em um tom de azul bem chamativo. Foi publicado originalmente em dezembro de 2007
Renault Sandero Privilège 1.6 16V – À francesa com molho picante
Assinale a alternativa correta:
A) O Sandero é diferente do Logan e isso é bom.
B) O Sandero é semelhante ao Logan e isso é bom.
C) As alternativas anteriores são verdadeiras.
D) Todas as anteriores são falsas.
Um carro nasce na escolha de tamanho e posição de rodas e para-brisa. Isso praticamente decide o espaço interno, as dimensões da carroceria e a proposta do modelo. Pois o Renault Sandero tem argumentos técnicos para dizer que é muito mais que um Logan de traseira encolhida: seu pára-brisa é mais inclinado e o entreeixos, 4 centímetros menor.
O retrovisor esquerdo do Sandero é o direito montado ao contrário, como no sedã, mas o resto — vidros, lanternas, faróis, lataria e pára-choques — é diferente. O discurso também. Enquanto o Logan é carro para casados, o Sandero quer seduzir quem aparecer na rua.
Para entender a diferença, o departamento de marketing da Renault criou dois personagens com nome e fotografia. O Logan é feito para o João Henrique, um homem de 45 anos sem nível universitário. Tem três filhos (de 3, 4 e 12 anos) e sua esposa é dona-de-casa. No fim de semana, pega filme na locadora.
Só na concessionária ele encontraria o Paulo Freitas, um rapaz de 33 anos que assiste a filmes no cinema e também vai ao teatro. Vai com a namorada — que é quase noiva, algo que ele tenta evitar.
Enquanto o João pode ser de qualquer lugar, o Paulo mora necessariamente em Moema, bairro jovem e emergente de São Paulo. Comprou o apartamento com o dinheiro que ganha na empresa, uma multinacional. “Passamos os últimos meses jantando em Moema para entender esse cliente”, diz Bruno Hohmann, gerente de marketing da Renault.
Cebola com molho
O Sandero aposenta o Clio 1.6. É menor que o Logan e tem as mesmas versões (1.0 16V, 1.6 8V e essa 1.6 16V), mas vai ficar ligeiramente acima na tabela de preços (o sedã vai de R$ 28.590 a 40.990).
Achou caro? O quilo de cebola custa 1,50 real no supermercado, mas as pessoas pagam 20,50 reais pelo Blooming Onion — prato feito de uma cebola comum devidamente empanada, aberta em forma de flor e acompanhada de molho picante. Só indo jantar no Outback de Moema, em São Paulo, para entender.
O Renault Sandero é um Logan com molho picante. A carroceria ganhou dobras e vincos com a única de função de desenhar a carroceria com reflexos conforme bate a luz. Dobras perto da grade alongam o desenho dos faróis. Outras duas em V, perto do para-brisa, sugerem um ressalto de capô e, nas laterais, temos uma versão de baixo custo do estilo BMW.
É parte da brincadeira nem todas as formas aparecerem ao mesmo tempo, por isso convido o leitor a ver o carro de perto. Ao vivo, ele fica mais agressivo e imponente. Não achei lindo, mas muita gente se rendeu a ele. E que desperta curiosidade, não tenha dúvida.
Além de ser um jeito de aumentar a margem de lucro, a pimenta é importante na receita do sucesso do Sandero. “Mostramos à matriz que o Brasil é diferente de China, Romênia ou África do Sul. Aqui, beleza é fundamental”, afirma Cássio Pagliarini, diretor de marketing.
No começo do projeto, em 2002, uma leva de franceses da matriz veio ao nosso Salão do Automóvel entender o mercado. “As novidades eram Fiesta, Corsa e Fox, carros simples mas com desenho sofisticado”, diz Hohmann. Por causa do estilo, o Sandero tem entreeixos de 2,59 metros, 4 centímetros mais curto que o do Logan, diferente dos outros carros derivados da plataforma do Clio europeu. “Perdemos ganho de escala, mas ficou mais bonito”, diz Pagliarini.
Bandeja suja
O Renault Sandero foi desenvolvido na França e será vendido na Europa, mas teve a América do Sul como prioridade. Isso explica a escolha do nome Sandero, palavra que parece espanhol mas, na verdade, não tem significado (diferente de sendero, que significa trilha).
Como sul-americanos, nós da redação agradecemos a deferência. Mas achamos o nome Sandero feio. Proponho uma troca: vocês mantêm a tradição francesa no batismo (sempre gostamos de Clio, Scénic e Mégane) e a eliminam para sempre no jeito de guardar o estepe.
Ao contrário dos franceses, brasileiro odeia a bandeja por baixo do carro. Tirar a roda por ali é demorado (um perigo, em estradas ermas) e estraga o carro (porque a ferramenta bate na lataria quando você gira o parafuso para baixar ou subir a bandeja). O estepe estará certamente imundo, provavelmente vazio (pois é difícil calibrar) e talvez não esteja (porque alguém roubou). E está para nascer o suporte que não faça barulho. Por que não seguiram o exemplo do Logan, nome francês e estepe dentro do porta-malas?
Em motores, freios, parte elétrica, refrigeração (e garantia de três anos), a mecânica do Sandero é igual à do sedã. A suspensão traseira mudou para não mudar, com molas recalibradas para repetir o comportamento do Logan, 23 centímetros mais longo e 55 quilos mais pesado. Tão parecido que o hatch nem rodou tanto em testes de durabilidade.
“Não foram centenas de quilômetros, como é de costume”, diz Pagliarini. “Apenas o suficiente para testar vedação de carroceria e confirmar os resultados encontrados nos testes de simulação virtual.” A mecânica é a mesma, mas o entreeixos menor é suficiente para dar alguma agressividade ao Sandero. Você mexe o volante e ele responde mais rapidamente. Coisa pouca. A sensação de estar num Logan com molho virá, mesmo, na decoração do interior.
O painel do Sandero tem um aplique de plástico cinza-claro que forma um largo sorriso. Mais arredondado que no Logan, o aplique prateado no console central avança sobre as saídas de ventilação. Um olhar atento mostra que a prancha do painel é nova — lisa na parte de cima, onde o sedã tem um degrau.
A cobertura dos instrumentos também perdeu os vincos. Os relógios são brancos, com aros cromados, e o painel de porta dianteiro ganhou um puxador em forma de travessa (na porta de trás e na versão mais barata do Sandero, continua aquele buraco desconfortável de encaixar os dedos, usado no sedã). As mudanças não tiram a sensação de estar num Logan. Mas trazem sabor, e isso faz diferença.
E o Sandero lembra o Logan no que ele tem de melhor: espaço interno. As fotos de divulgação com fundo neutro, sem nenhuma referência em volta, fazem o Sandero parecer um carro pequeno, como o Celta. A proporção entre as formas é mais ou menos essa, mas o Sandero é como um Celta gigante, com comprimento de Peugeot 206 SW, altura de Fox, entreeixos de Stilo e largura de Golf. Você precisa ver ao lado de outros carros.
Ou seja, se você cravou um “c” no nosso teste, parabéns. Acertou.
Sandero Privilège 1.6 16V – R$ 40.990 | Preço corrigido: R$ 96.928 (IPCA)
Teste Quatro Rodas – Renault Sandero 1.6 16V Privilège 2008
Desempenho
- 0-100 km/h (s) (A) – 11,7
- 0-1000 m (s) (A) – 33,5
- 3ª 40 a 80 km/h (s) (A) – 7,5
- 4ª 60 a 100 km/h (s) (A) – 11,4
- 5ª 80 a 120 km/h (s) (A) – 18,2
- Velocidade máxima (km/h) (A) – 184**
Frenagem
- 120/80/60 km/h a 0 (m) – 64,1 / 28,1 / 16,3
Ruído interno
- PM/RPM máx (dBA) – 40,5 / 70,8
- 80/120 km/h (dBA)- 61,5 / 67,6
Consumo
- Cidade (km/l) (A) – 7,2
- Estrada (km/l) (A) – 8,6
Ficha técnica – Renault Sandero 1.6 16V Privilège 2008
Motor: flex, dianteiro, transversal, 4 cil., 16V, 1598 cm³, 112/107 cv a 5.750 rpm, 15,5/15,1 kgfm a 3.750 rpm
Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
Direção: hidráulica, 3 voltas; Diâmetro de giro (m) – 10,5
Suspensão: ind. McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), tambor (tras.)
Pneus: 185/65 R15
Peso: 1.087 kg
Dimensões: comprimento, 402 cm; largura, 175 cm; altura, 153 cm; entre-eixos, 259 cm; porta-malas, 320 l, tanque, 47 l