Força do agronegócio leva marcas a venderem carros por milho e soja
Gigantes como Fiat e Toyota apostam na permuta para facilitar a venda a produtores rurais, cada vez mais ricos
O agronegócio vem ganhando tanta importância na composição do PIB brasileiro que até a indústria automotiva já “pede bênção” aos ruralistas, principais clientes da vez. Isso fica ainda mais claro no caso de Fiat, Jeep, Ram e Toyota, que iniciaram a venda de carros com pagamento não em dinheiro, mas em colheitas.
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O barter, como é chamado esse tipo de permuta, é uma prática corriqueira dos produtores rurais, mas não tão comum fora do agronegócio. Nesse sistema o agricultor garante a entrega de uma determinada quantidade da futura colheita mas recebe o bem (nesse caso, o automóvel) na hora, como uma compra a prazo.
Mas não espere chegar com toneladas de soja à concessionária mais próxima e realizar um escambo. O processo é complexo e costuma envolver a emissão de Cédulas de Produto Rural — espécie de nota promissória dada às montadoras especificando quanto do produto será entregue e em que data.
Uma das principais vantagens do sistema é a eliminação de intermediários, já que o cliente não precisa vender sua colheita e só depois usar o dinheiro na aquisição do carro. Outra comodidade é a segurança, dado que a quantidade é pré-fixada com base na cotação atual, protegendo os clientes de desvalorização dos grãos.
“O risco da variação de preço fica com as montadoras, responsáveis por fazer a liquidação dessas sacas no mercado”, explica Mauro Osaki, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP.
É para evitar esse tipo de situação que, segundo a dona de Fiat, Jeep e Ram, logo que o barter é realizado uma operadora financeira (omitida por questões contratuais) trata de recomprar as sacas, assumindo os riscos e utilizando expertise na área para lucrar com os ciclos de produção. No caso da Toyota quem cuida disso é a parceira NovaAgri, também especializada no comércio e manuseio de grãos.
A Stellantis já oferece a opção de permuta desde maio, aceitando soja em troca dos Fiat Argo, Strada (exceto a versão Volcano), Fiorino e Toro. Também estão disponíveis as Ram 1500 e 2500 além dos Jeep Compass, Grand Cherokee, Renegade e Wrangler. “É um modelo de negócio que oferece segurança e previsibilidade aos produtores”, reforça Fabio Meira, diretor de vendas diretas da holding automotiva.
No caso da japonesa é possível adquirir tanto a picape média Hilux quanto os SUVs Corolla Cross e SW4, pagando em grãos de soja ou milho. Isso significa que, com base nos preços de tabela e na atual cotação do milho, por exemplo, são necessárias cerca de 2.800 sacas do produto para levar uma Toyota Hilux SRX, topo de linha, que custa R$ 280.390. Essa quantidade é equivalente a 168 toneladas do cereal ou à colheita de 67 campos de futebol (482 ha), em média.
A fabricante ressalta seu compromisso ambiental e promete verificar a origem da colheita, a fim de que não haja violações ecológicas por parte do produtor rural. Para fechar o negócio são necessárias certificações ambientais que garantem a “comercialização de grãos de plantio sustentável, reforçando a missão da Toyota de neutralizar seus impactos ambientais até 2050.”
Amizade valiosa
A pujança do agronegócio se destaca ainda mais quando comparada à economia trôpega do Brasil, que luta para retornar aos patamares pré-crises. Uma das consequências disso no mercado automotivo é a escalada dos veículos off-road nos rankings de venda, com a Strada chegando a se tornar o automóvel mais vendido do Brasil em março.
A demanda é tão alta que modelos usados vem se valorizando com o passar do tempo, enquanto a prática do ágio se torna mais comum — dessa vez com clientes entrando na apenas para revender seus zero-km imediatamente, com lucros fartos.
Enquanto lutam para atender à demanda, as fabricantes também querem agradar seus novos clientes VIP, oferecendo soluções cada vez mais fáceis para a aquisição de carros. Como milho e soja (ainda) não são matérias-primas automotivas, as marcas topam até assumir o trabalho de embolsar os seus “vales-colheitas” em nome da boa freguesia.
Segundo Osaki, é comum que empresas de fora do ramo agrícola revendam a produção para traders de commodities. Ao mesmo tempo é possível realizar os chamados hedges: operações em bolsas de valores que protegem investidores da volatilidade. “São mecanismos que multinacionais do ramo de fertilizantes e defensivos já praticam e estão bem consolidados”, explica o pesquisador.
Eliminando a etapa de vender os grãos para levantar fundos, as marcas buscam se tornar mais atrativas aos produtores rurais, que representam 16% das vendas diretas no caso da Toyota. “(Queremos) contribuir de maneira importante para esse que é um dos principais setores econômicos do nosso País”, afirma José Luis Rincon Bruno, gerente de vendas diretas da Toyota do Brasil.
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