Carros elétricos usados em Noronha podem poluir mais que uma van a diesel
Arquipélago banirá carros a combustão, mas usa o diesel para gerar energia elétrica; recarregar um Renault Zoe polui quatro vezes mais que uma Master
No último mês a Renault cedeu por comodato à administração de Fernando de Noronha (PE) seis veículos elétricos, sendo um Kangoo Z.E., dois Twizy e três Zoe.
A iniciativa ocorreu no momento em que a região decretou o banimento da compra de veículos a combustão a partir de 2022, e visa tornar a mobilidade local sustentável. Só faltou combinar com a Celpe.
A empresa pernambucana é responsável por gerar energia aos mais de três mil habitantes e os milhares de turistas que frequentam Fernando de Noronha.
A maior parte da eletricidade (90%) vem de um conjunto de geradores a diesel, por conta das limitações geográficas da região — é inviável, por exemplo, levar energia do continente por fios submarinos.
Os noronhenses já vêm buscando alternativas aos combustíveis fósseis: só os geradores consomem 450 mil litros de diesel por mês.
Entre os investimentos está a inclusão de um conjunto de baterias de íon-lítio que armazenam a energia excedente gerada pela usina solar durante o dia para distribuí-la à noite.
Ecológico só para o motorista
Mesmo assim, a energia elétrica de Fernando de Noronha é a mais “suja” do Brasil. No país há mais de 2.400 usinas termoelétricas movidas a diesel, mas elas respondem a menos de 2,4% da matriz energética continental.
Do lado de cá do oceano as usinas hidroelétricas ainda dominam, sendo responsáveis por até 60% da geração de eletricidade.
É verdade que esse índice cai durante as secas de inverno, mas, ainda assim, acender uma lâmpada em São Paulo é mais ecológico do que em Noronha.
O GGD (Grupo Gerador Diesel) usados nas ilhas são centralizados na Usina Tubarão e foram produzidos pela Cummins, modelos C1500 (quatro unidades) e C1250 (uma unidade).
QUATRO RODAS solicitou à gigante americana uma estimativa das emissões de poluentes do sistema, mas não obteve resposta até o momento de publicação desta reportagem.
Por conta disso, tomamos como base o índice mais rigoroso de controle de poluentes de geradores da EPA, agência ambiental norte-americana e calculamos quais seriam as emissões geradas para carregar um Zoe usando somente o GGD — algo provável durante o período noturno.
Pega uma Master
O resultado não foi nada animador. Recarregar completamente a bateria de 41 kW do Zoe emitira 143,5 gramas de CO na atmosfera. Dividindo isso pela autonomia máxima de 300 km, chegamos ao índice de 0,478 g/km.
O valor não impressiona em um primeiro momento, mas supera, por exemplo, o antigo Sandero 1.6 (0,483 g/km, segundo o PBE do Conpet/Inmetro).
Comparar o desempenho de um motor diesel com um de ciclo Otto, porém, não é justo, então vamos colocar as “emissões” do Zoe em perspectiva com a Master, van feita pela mesma empresa.
A versão de passageiros do utilitário emite 0,116 grama de CO para cada quilômetro rodado. Isso equivale a menos de 25% do que a quantidade de gás emitida para gerar energia suficiente para o Zoe rodar os mesmos 1.000 metros em Fernando de Noronha.
E dá para ir além, pois a Master leva até 16 pessoas, contra cinco do hatch. Então, a pegada de carbono de cada passageiro da van é de meros 0,0072 g/km, bem distante dos 0,0095 g/km do Zoe.
Evolução futura
A Renault está ciente disso e já busca alternativas para que os Zoe noronhenses se tornem mais ecológicos.
“Isso é só o início de um projeto, que envolverá toda a energia das ilhas”, explicou à QUATRO RODAS Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, durante o lançamento dos novos Logan e Sandero.
Gondo explicou que a empresa estuda usar as baterias descartadas de seus elétricos para armazenarem a energia limpa gerada no arquipélago em horários de baixa demanda e devolverem a eletricidade em horários de pico.
“Há também o sistema em que o próprio carro armazena a energia excedente durante o dia e a devolve de noite”, conclui Gondo.
O executivo fez mistério sobre planos futuros, mas antecipou que a Renault participará de novas soluções para Fernando de Noronha, que podem incluir até geração de energia limpa.
Até isso ocorrer, porém, pode ser mais ecológico andar pelo paraíso ecológico de van do que em um hatch elétrico.
Após a publicação da reportagem, a administração do arquipélago de Fernando de Noronha, vinculada ao governo do estado de Pernambuco, encaminhou a seguinte nota oficial:
A Administração de Fernando de Noronha está analisando uma série de projetos para instalar ecopostos na ilha, com o objetivo de tornar não-poluente o processo de abastecimento de veículos elétricos. Atualmente, 10% da energia de Noronha é proveniente de duas usinas solares construídas pela Celpe/Neoenergia e doadas ao Governo de Pernambuco e ao Comando da Aeronáutica. A iniciativa faz parte do conjunto de medidas adotadas para aumentar a sustentabilidade do arquipélago e preservar o meio-ambiente.
A ilha já conta com um ecoposto exclusivo para abastecer com energia solar um veículo elétrico que a Celpe mantém em Noronha desde 2015.
“Vamos solicitar à Celpe a viabilidade de abastecimento temporário no ecoposto deles e esperamos ter mais outros pontos de recarga com energia renovável em atividade até o fim do ano, com os projetos em desenvolvimento”, afirmou o administrador de Fernando de Noronha, Guilherme Rocha.
*Colaborou Gabriel Aguiar