O épico encontro das melhores versões do Chevrolet Opala
Confortável e com bom desempenho, o carrão produzido pela GM por mais de duas décadas fez a cabeça de gerações e ainda hoje acelera corações
Publicado originalmente em junho de 2004 na Quatro Rodas Clássicos
A expressão “começar por cima” seria bem aplicada na história do primeiro carro de passeio produzido pela GM do Brasil. Num mercado dominado por carros pequenos, a primeira opção da montadora recaiu sobre o “grande” Rekord, produzido pela Opel alemã.
E a ousadia se mostrou acertada: o Chevrolet Opala, nome definitivo do projeto conhecido pelo código 676, seria produzido ao longo de nada menos que 24 anos.
Sua história remonta aos anos 60, quando as fábricas instaladas no país eram incentivadas e direcionadas pelo programa Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística). À GM cabia produzir caminhões e uma linha de utilitários.
O volume de vendas desses veículos, no entanto, estava aquém das expectativas da montadora, que precisava de um automóvel para atingir um público maior.
Primeira ideia: concorrer com o Fusca. “Para isso, estudamos em 1963 e 1964 fazer um carro pequeno”, diz André Beer, ex-vice presidente da GM e atual consultor especializado na área automotiva.
Seria o Opel Kadett B, geração anterior à que conheceríamos aqui como Chevette. Porém a idéia foi logo descartada. “Um carro menor não dava os resultados financeiros desejados”, diz Beer.
Diante dessa constatação, o estado-maior da GM brasileira achou uma solução heterodoxa: juntar os eficientes motores americanos de quatro e seis cilindros (usados no Chevy Nova) com a carroceria alemã do Opel, anunciando o projeto em 1966, ano em que foi lançado o Rekord C, carro que serviu de base para o nosso Opala.
A ideia do sincretismo entre as escolas americana e européia encontrou resistência, segundo Beer, que afirma ter passado um mês em Detroit até conseguir convencer seus superiores na matriz da viabilidade do projeto.
“O Opala foi praticamente projetado na minha sala, por mim e pelo engenheiro Armando Jorge. Do Rekord foi usada só a carroceria”, afirma.
Como adaptações ao Brasil, há o exemplo da suspensão, reforçada para suportar o tranco dos motores e das estradas. A decisão mobilizou um investimento de 150 milhões de dólares: um terço para o projeto do carro e o resto para a construção de uma fábrica de motores.
Na esteira do incentivo que permitia importar maquinário de indústria automobilística sem imposto de importação, trouxeram-se prensas, cabines de pintura e moldes da Alemanha, tudo em grande quantidade.
“Imagine um pátio, em vez de cheio de automóveis, cheio de máquinas”, diz Horácio Bergamini, na época auditor das contas do projeto, sobre o material trazido e guardado no terreno da fábrica de São José dos Campos (SP). “Era uma coisa babilônica.”
Assim nasceu o Opala, nome de pedra preciosa, mas que também era uma intencional fusão das culturas Opel e Impala. Lançado em 19 de novembro de 1968, o carro surpreendeu um público acostumado a Aero-Willys e Chrysler Esplanada.
As linhas do Rekord C tiveram frente e traseira mudadas para se identificarem com os Chevrolet americanos, como o Chevelle e o próprio Impala. Sob o capô, a estreia de dois motores: o 153, de 2,5 litros, quatro cilindros e 80 cavalos, e o 230, um 3,8 litros de seis cilindros e 125 cavalos, ambos com transmissões manuais de três marchas e alavanca na coluna de direção.
Na frente, um inédito subchassi fixava a suspensão. Inicialmente, as versões disponíveis eram duas: Especial e Luxo, ambas com quatro portas, para seis passageiros. Os preços partiam de 14.990 cruzeiros novos, o equivalente a R$ 147.569 (IGP-DI), convertidos com base em 1 de setembro de 2020.
Para os padrões brasileiros, foi um sucesso. Chegou a 10.000 unidades vendidas em 14 de julho de 1969, números que cresceriam a cada ano. Em 1970, a família aumentou, ganhando o esportivo SS, que estreava a transmissão de quatro marchas com alavanca no assoalho, e o Gran Luxo, versão mais requintada e reconhecível pelo teto de vinil que seria adotado na linha 1973. Os dois estreavam o motor de 4,1 litros, que tiraria o 3,8 de linha.
O ano seguinte marcou a estréia do cupê. “Foram muito felizes no desenho. Essa queda da traseira eu acho muito legal”, diz o vendedor de serviços gráficos Marcelo Barra, falando de seu Diplomata 1983, que tem essa configuração. A carroceria cairia como luva no SS, que passou a ser produzido somente na versão duas portas. Por conta disso, os sedãs esportivos tornaram-se relíquias.
Com o sucesso do Opala, a concorrência passou a se mexer. A Chrysler já havia lançado os Dodge Dart e Charger, em 1969, e a Ford lançaria o Maverick, em 1973. A dupla, a partir de então, começou a forçar progressos no Chevrolet, como uma leve reestilização na linha 1973, a grade incorporando os piscas.
Na mecânica, surgiu a transmissão automática de três marchas na linha 1974. Posteriormente, vieram melhorias no motor quatro cilindros, reduzido na cilindrada, de 2508 para 2471 cm3, passando a ser conhecido como 151 e, segundo quem já o dirigiu, ganhando muito em termos de suavidade de funcionamento.
Para manter o Opala competitivo, a linha 1975 reservava uma reestilização mais extensa, marcada pelas lanternas traseiras redondas, lembrando os Impala do início dos anos 60, e piscas semelhantes aos do Chevelle 1971. Por uma questão de segurança, o capô passava a abrir para a frente, mantendo-se fechado com a pressão aerodinâmica e facilitando o acesso aos componentes.
Saíam de cena as versões Especial, Luxo e GL e entravam a básica (chamada apenas de Opala) e a topo de linha Comodoro, que mantinha o vinil do GL. O modelo conservou a mesma forma até 1979.
Ainda nos anos 70, com o lançamento do motor 250-S na linha 1976, o 4.1 tornava-se o carro nacional mais potente, com 153 cavalos líquidos, superando com folga os V8 dos Dodge e dos Maverick. Com isso, tornava-se mais veloz e mais rápido que os V8. O motorzão, opcional, podia ser encontrado em qualquer versão.
Na linha 1978, o Opala completava 500.000 unidades produzidas, bem à frente de seus concorrentes mais próximos, Dodge e Maverick. “O único veículo que conseguiu competir com ele, aliás em classe diferente, foi o Corcel”, diz André Beer, referindo-se ao domínio do Ford na categoria abaixo do Opala.
A linha 1980 estreou frente e traseira quadradas, incorporando como novidades os pneus radiais e o motor a álcool, inicialmente no quatro cilindros. Foi o último ano dos SS – e marcou o lançamento do Diplomata, mais luxuoso que o Comodoro. A reestilização se completaria na linha seguinte, com o painel que seria usado até o fim da carreira.
Essa configuração de carroceria seguiria até a linha 1984, sendo raros, além dos SS, os de banco inteiriço e transmissão manual de três marchas. Em 1982, com a chegada do irmão mais novo, o Monza, ficou claro o efeito dos anos. Por isso, uma plástica mais leve aguardava a linha 1985, com troca de maçanetas externas e lanternas traseiras. No Diplomata, faróis de milha.
Além disso, houve um ganho em luxo, com a chegada de vidros, travas e retrovisores elétricos. Essas mudanças estilísticas duraram até a linha 1987.
Com o envelhecimento patente, reestilizações se sucederam em intervalos menores. Iniciavam-se estudos para um substituto. Nesse período, flagraram-se testes com o Rekord E, duas gerações mais moderno que o pai do Opala. Porém, a prioridade na GM era o Kadett, que seria lançado em 1989.
A lenta agonia prolongou-se com a linha 1988, de faróis afilados e novas lanternas. As novidades eram a coluna de direção regulável e o câmbio automático de quatro marchas, fabricado pela ZF e semelhante ao usado pelos Jaguar e BMW, além dos amortecedores a gás.
Nas linhas 1991 e 1992, foram realizadas pequenas mudanças, como interior com novas forrações na porta e pára-choques plásticos. A marca ainda reservaria um último capricho para seu pioneiro: a direção hidráulica Servotronic, cuja progressividade variava em função da velocidade do veículo.
O seis cilindros ganhava transmissão manual de cinco marchas, algo que os “quatro canecos” tinham desde 1982. Com 1 milhão de Opala e 300.000 Caravan, a produção era encerrada em abril de 1992, para dar espaço ao Omega.
Para amantes de doses mais altas de potência, um lamento: nunca houve um V8. Além das três carrocerias conhecidas, a GM chegou a cogitar uma picape, que seria a primeira derivada de automóvel do país, ideia que não foi adiante, devido à proximidade de preço com a linha 10, de picapes pesadas.
O Opala pode ter saído de linha, porém ainda existem gerações de pessoas que o conheceram e o admiram. “Todo mundo tem uma história de pai, tio, avô, algum parente que teve um”, diz o piloto de linha aérea Sylvio Luiz Pinto e Silva, dono de nove exemplares da linha. Uma admiração que, em muitos, começou na idade em que não tinham como dirigi-lo.
“Esse carro nos levava para sair nos finais de semana e também me levava e trazia do colégio”, diz o psicólogo Alessandro Sifuentes, sobre o Comodoro 1979 que seu avô dirigiu até falecer, aos 90 anos de idade. No Brasil das estradas esburacadas, sobram elogios para a robustez do carro. A facilidade de se manter a mecânica também é lembrada.
“Manutenção de Opala é tão fácil quanto a do Fusca. Você encontra peça em todas as oficinas ou lojas”, diz o analista de sistemas Deolindo Birelli Junior, que possui seis deles, todos da década de 70.
O espaço interno do velho Chevrolet também é apontado por muitas pessoas como um ponto positivo. “Tenho 2,08 metros de altura. Em alguns carros, bato a cabeça no teto. No Opala, não: consigo dirigir tranquilamente e tenho espaço para as pernas”, diz Deolindo.
“É um carro com o qual você pode viajar 200, 300 quilômetros. Viajo muitas vezes duas, três horas direto”, diz o mecânico Augusto César Albuquerque, dono de um Diplomata 1991. No dia-a-dia, o destaque vai para a visibilidade, principalmente para a frente, em que as colunas finas, marca registrada do Opala, acabam criando poucos pontos cegos.
A maciez da suspensão também é muito lembrada. Em relação à estabilidade, por ter suspensão voltada ao conforto e com eixo rígido atrás, o Opala não costuma ser um primor. Principalmente se o piso não for liso.
“No desnível do asfalto, ele sente bastante. Para quem está atrás, parece que você está bêbado”, diz o comerciante Antônio da Silva Relvas Neto, dono de um Opala Luxo 1969. Nesse quesito, o mais equilibrado é o sedã.
Outro ponto fraco está no consumo, assunto que chegou a virar folclore ao longo da carreira do Chevrolet. “É um carro gastão. Faço na cidade uma média de 4 quilômetros por litro de álcool”, diz Augusto sobre seu Diplomata.
Na lataria, deve ser dada atenção especial à possibilidade de corrosão, principalmente na parte inferior, pois as chapas dos veículos dos anos 70 e 80 não tinham tratamento apurado contra os agentes que causam ferrugem.
Para quem sonha com um antigo nacional, o Opala oferece relativa facilidade na hora de ser restaurado, pois certas peças de acabamento já vêm sendo novamente produzidas. “Tem gente fazendo réplicas, e muito boas”, diz Deolindo Birelli Júnior, sobre frisos e outras peças externas. A própria GM possui uma fábrica em Mogi das Cruzes (SP) que produz peças de reposição sob encomenda.
Em relação a preços, nota-se uma valorização dos modelos dos anos 60 e 70, devido a sua raridade. Dependendo do estado, o valor varia. “Está à venda por 10.000 reais”, diz Alessandro Sifuentes sobre seu Comodoro, que tem 41.000 quilômetros rodados e necessita apenas de uma funilaria leve para tirar pequenos pontos de ferrugem da lateral direita, além de achar dois plásticos redondos para as maçanetas internas.
Porém pode-se ter a sorte grande de Antônio da Silva Relvas Neto e seu pai, Durval, cujo Opala, jamais restaurado e com 58.000 quilômetros rodados, encontra-se em perfeitíssimo estado.
“Era de um senhor que o médico proibiu de dirigir. O carro ficou dez anos guardado em uma garagem”, conta Antônio. O cuidado do ex-dono era tanto que o porta-malas estava forrado com jornal da época, além de o carro trazer todos os manuais.
Com o Opala fora de linha e seu substituto, o Omega, vindo da Austrália por quase 140.000 reais, ficou um vazio não preenchido por outro veículo grande e de tração traseira. Muitos acham que, caso fosse produzido algo semelhante, obteria o mesmo sucesso. “Tem muita gente que gosta”, diz Augusto César Albuquerque, manifestando o pensamento das viúvas da já saudosa barca.
Versão perua do Opala, a Caravan apareceu no final de 1974. A defasagem de sete anos em relação ao lançamento do carro explica-se pela prioridade dada pela empresa ao projeto do Chevette, lançado em 1973.
Derivada da Rekord Caravan alemã, que tinha versões de quatro e duas portas, a brasileira foi produzida apenas na última configuração. A Caravan acompanhou as versões do irmão, tanto no que diz respeito à motorização quanto ao acabamento.
Em 1985, para concorrer com a VW Quantum, perua de projeto mais moderno e derivada do Santana, a perua Opala ganhou a luxuosa versão Diplomata. No total, foram produzidas 300.000 Caravan.
Durante a carreira do Opala, surgiram também algumas versões especiais. Umas de fábrica, como a bem-acabada Las Vegas, nos anos 70, a despojada Silver Star, na primeira metade dos 80, e a Collectors, uma tiragem exclusiva de 200 carros, já no final da carreira.
Como durante a maior parte da vida útil do carro as importações eram proibidas, era natural que sua base fosse cedida a alguns fora-de-série que tentavam preencher lacunas não atendidas pela GM.
Exemplo disso está em iniciativas de concessionárias. A curitibana Dipave, por exemplo, lançou em 1981 o Summer, um Opala conversível, na verdade um cupê sem teto.
À paulistana Guaporé coube criar uma Caravan quatro portas em 1984. E quem quisesse se diferenciar podia contar com Opala transformados em limusine por iniciativa de firmas como Avallone, Envemo e Sulam.
Ficha técnica
MOTOR: Longitudinal, gasolina ou álcool, 4 ou 6 cilindros, comando de válvulas no bloco, 2 válvulas por cilindro
CILINDRADA: 2508 cm³ (para o 153), 3794 cm³ (para o 230), 2471 cm³ (para o 151) e 4093 cm³ (para o 250) POTÊNCIA 80 cv a 3800 rpm (para o 153); 125 cv a 4000 rpm (para o 230); 98 cv a 4800 rpm (no 151) e 115 cv a 4000 rpm (para o 250)
TORQUE: 18 mkgf a 2600 rpm (para o 153); 26,2 mkgf a 2400 rpm (para o 230); 19,8 mkgf a 2400 rpm (para o 151); 29 mkgf a 2400 rpm (para o 250) CÂMBIO 3 ou 4 marchas, manual ou automático; 5 marchas nos quatro cilindros depois de 1982 e nos seis cilindros de 1992
CARROCERIA: Sedã, cupê ou perua, 5 ou 6 lugares
DIMENSÕES: Comprimento: até 1979, 4,57 m (sedã e cupê) e 4,55 m (Caravan); a partir de 1980, 4,71 m (sedã e cupê) e 4,67 m (Caravan); largura: 1,76 m; altura: 1,40 m
SUSPENSÃO: Dianteira: independente, triângulos superior e inferior, molas helicoidais Traseira: eixo rígido com braços tensores longitudinais, barra Panhard e molas helicoidais
DIREÇÃO: Setor e rosca sem fim, com ou sem assistência hidráulica
FREIOS: Dianteiros: tambor, disco rígido ou ventilado Traseiros: tambor ou disco (a partir de 1991)
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