Aceleramos o Alfa Romeo Giulietta com 1.8 de 350 cv da TCR South America
Com chassis e motores de fábrica, devidamente preparados, a TCR estreia no Brasil neste fim de semana com carros quase tão rápidos quanto os Stock Car Light
Faz 15 anos que a Alfa Romeo deixou o Brasil em definitivo. Houve notícias sobre a possibilidade de seu retorno oficial e importadores independentes também tentaram, em vão. Hoje, a fabricante italiana lida com a pressão, por parte da Stellantis, para encontrar seu espaço como marca premium e ter rentabilidade nos próximos dez anos. Se não conseguir, poderá deixar de existir.
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O passado brilhante de uma marca que teve até caminhões montados no Brasil (os FNM) também serviu de estímulo para Dárcio dos Santos, ex-piloto e dono da equipe PropCar Racing, que escolheu os Alfa Romeo Giulietta TCR para a temporada de estreia do TCR South America, que começa neste final de semana em Interlagos.
“Até cheguei a conversar com fabricantes que atuam no Brasil e têm carros TCR homologados, mas nenhuma se interessou. Os Alfa Romeo fizeram história no automobilismo nacional nos anos 1960 e 70, e são muito competitivos nas outras séries do TCR que existem no mundo. Tudo isso pesou para a escolha dos carros”, comentou Dárcio.
Neste caso, são dois Giulietta Quadrifoglio Verde TCR preparados pela Romeo Ferraris em Milão, na Itália. A grande sacada das competições TCR (Touring Car Racing) está em ser uma plataforma de corridas para equipes privadas, ou seja, que não pertencem ou são patrocinadas por um fabricante.
A preparação dos carros, sim, pode ser feita pelas divisões de competição das próprias fabricantes (VW, Audi, Peugeot, Hyundai e Lada, por exemplo) ou por empresas especializadas nisso (Romeo Ferraris, Jas, Top Run).
Invariavelmente, os carros têm seu desempenho equalizado e, então, são homologados. Há uma equiparação imposta para que todos fiquem tecnicamente próximos, garantindo uma disputa acirrada ao mesmo tempo que possam se destacar por características próprias ou pela confiabilidade mecânica.
As bases dos carros são hatches ou sedãs de produção com até 4,20 m de comprimento, mantendo o chassi com as quatro portas funcionais, o mesmo layout de suspensão, os mesmos motores e, muitas vezes, até o câmbio original.
As necessidades das pistas são cobertas pela gaiola para reforço do chassi, com os freios maiores, partes de fibra (de vidro ou de carbono) na carroceria, preparação do motor e adoção de apêndices aerodinâmicos padronizados.
Estando homologados, podem correr em qualquer uma das séries TCR ao redor do mundo. Isso permite que carros usados sejam negociados entre as mais de 30 séries TCR que existem ao redor do mundo. Já a logística das corridas fica por conta da organização da competição.
Correr uma temporada no TCR South America custa ao piloto cerca de US$ 250.000. Ele terá oito etapas em 2021: três no Brasil, três na Argentina, uma no Uruguai e uma no Chile. A primeira será em Interlagos, com corridas em 26 e 27 de junho.
TEMPERO ITALIANO
Ex-piloto de Fórmulas Vee e Super-Vee, Dárcio foi um dos grandes incentivadores de Rubens Barrichello, seu sobrinho, a seguir carreira no automobilismo.
Com a experiência de quem manteve a PropCar por décadas na F3 Brasil (extinta em 2017) e que conservava a equipe com o treinamento de pilotos que buscam correr fora do país, me mostra rapidamente o que fazer (e o que não fazer) para domar um dos seus Giulietta de pista.
“Pode queimar bem a embreagem para largar, porque a primeira marcha é longa, equivale à terceira de um carro normal”, explica segundos antes de eu, obviamente, deixar o carro morrer.
Parece um carro de rua, mas não é fácil: preciso domar o curso curto da embreagem sem mal ter espaço para as pernas, pois o banco concha OMP nem sequer tem ajuste de distância e o cinto de seis pontos prende forte como se eu fosse um elemento estrutural.Sucesso na segunda tentativa. Embreagem agora só se for trocar de marcha abaixo das 4.000 rpm, o que não pretendo.
Afinal, os motores Alfa Romeo são naturalmente afeitos às altas rotações e este 1.75 ficou ainda mais à vontade com toda a preparação que elevou seus números dos 235 cv e 34,7 kgfm originais para 350 cv e 42,8 kgfm – o que inclui um turbo bem grande.
Quem sofre sou eu: os coxins e suportes maciços transferem toda a vibração do motor e do câmbio para o chassi, e não há isolamento acústico. Sinto os dentes retos da transmissão se encontrando, cada mililitro de gasolina que é bombeado de trás de mim.
Olho para o pequeno monitor digital atrás do volante e estou a 50 mph, coisa de 80 km/h, na saída dos boxes de Interlagos. Pela vibração, esperava muito mais.
Pisando mais fundo, tudo melhora. A vibração se esconde por trás do ronco estridente, as trocas de marcha têm um rápido corte na ignição seguido por explosões no escape (que tem até catalisador, para conter as emissões), as rodas dianteiras abusam da aderência dos pneus slick e eu consigo esticar um pouquinho mais a perna direita.
Viciante. Mas esse breve relaxamento é interrompido na frenagem para a subida do lago. É quando descubro a força incomum que o pedal exige para acionar os freios Brembo com seis pistões na dianteira e com dois pistões na traseira – o jogo de pastilhas dura um fim de semana de corridas e custa mais de R$ 8.000.
Encontrando a força certa, o carro freia bem e sob controle. Isso até mudou minha visão dos freios duros dos Hyundai. A cada curva via como os limites do Giulietta TCR estão muito além da minha perícia e da minha experiência com carros de rua em Interlagos.
O trecho sinuoso entre o Laranjinha e o Mergulho ajuda a sentir a direção, pesadinha mesmo ao preservar a assistência elétrica original, e o efeito do diferencial blocante, cuja intensidade da atuação é um dos ajustes que a equipe pode fazer.
Me preparo para chegar embalado na reta, mas o medo me faz frear cedo, a 220 km/h, para encarar o S do Senna. Mais habituado ao carro (especialmente meu coração, que já segue a mesma sequência de detonação do motor), começo a abusar mais da velocidade, passo a usar mais as reduções e menos os freios, e a explorar os limites do carro nas curvas.
Queria mais. Eu ficaria ali a tarde inteira, com certeza. Mas preciso devolver o carro aos pilotos.
Naquela semana, a PropCar fazia testes em Interlagos para acertar os carros, com suporte de técnicos da TC America, equipe da IMSA, dos Estados Unidos, que vendeu os Alfa Romeo. Os pilotos Roy Block (argentino) e Tim Lewis (americano) vão se dividir entre corridas nos EUA e na América do Sul. O outro carro é do brasileiro Fabio Casagrande.
Por sinal, a tração e a suspensão eram o grande dilema. “Como a tração está na frente, isso faz a reação do carro mudar completamente e nós estamos tendo que aprender a acertar o carro assim”, explica Dárcio. O que podem ajustar, basicamente, é a altura, a aerodinâmica, o cáster da suspensão, a reação dos amortecedores (Bilsten, nesse caso), além do blocante do diferencial dianteiro.
Roy Block confidenciava que os carros da TCR, que beiram os 265 km/h de máxima, são mais rápidos que carros de categorias maiores nos EUA – por aqui, viraram tempos próximos dos Stock Car Light, em Interlagos, nos testes. Se Block não escondia a empolgação por estar correndo naquela pista, eu não escondia a minha após ter corrido com um Alfa Romeo pela primeira vez.
Veredicto
O Giulietta TCR mostra como um carro de corrida é muito diferente de um esportivo de rua. E como essa nova categoria é promissora na América do Sul.
CALENDÁRIO
Serão 12 corridas normais e duas de endurance, com dois pilotos por carro
Ficha Técnica – Alfa Romeo Giulietta QV TCR Romeo Ferraris
- Preço: 120.000 euros (novo)
- Motor: gasolina, diant., transv., 4 cil., turbo., inj. direta., 1.742 cm3, 16V, 350 cv a 6.800 rpm, 42,8 kgfm a 3.500 rpm
- Câmbio: 6 marchas, sequencial, tração dianteira
- Suspensão: McPherson (diant.) / multilink (tras.)
- Freios: disco ventilado (diant./tras.)
- Direção: elétrica
- Rodas e pneus: liga leve, 10”x18”
- Dimensões: compr., 464,1 cm; larg., 195 cm; alt., n/d; entre-eixos, 262,5 cm; vão livre do solo, 8 cm (mínimo); peso, 1.145 kg; tanque, 100 l
*Dados de fábrica