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Proprietário ou idiota?

Por Redação
6 Maio 2015, 11h00

Muitos de vocês acham que eu tenho o melhor trabalho do mundo. E é difícil discordar. Mas vou ser sincero: quando gravamos a temporada do Top Gear, as quartas-feiras são cansativas. Acordo às 5 da manhã, percorro um caminho lúgubre até o estúdio, relemos o roteiro, depois ensaiamos, seguidos por um intervalo no qual o James May fala bastante sobre como ele passou todo o fim de semana limpando os pontos de ferrugem de uma de suas motos terrivelmente antigas. Então temos de começar a gravar o programa, diante de 500 pessoas que precisam ser entretidas. Depois vem a entrevista com o convidado da semana, que eu nunca sei quem vai ser, porque ou o seu relações-públicas o forçou a fazer o programa, caso em que ele não vai estar disposto a falar muita coisa, ou passou o horário do almoço no banheiro, e daí ele não vai parar de falar.

Isso não é uma reclamação. Apesar dos altos e baixos, eu adoro minhas quartas. Mas elas são extremamente cansativas. No entanto, você deve estar pensando que, quando a gravação termina, um Mercedes com motorista está esperando para me levar para casa. Isso é o que acontece em outros programas de televisão. Mas não no Top Gear. Não temos um departamento de figurinos – sei, você jamais perceberia – e a produção espera que nós voltemos para casa dirigindo o carro que encontrarmos disponível no estacionamento.

Normalmente é algum modelo que treme, guincha e range a cada buraco que passa, em uma orgia de janelas embaçadas, aceleração horripilante e nível de ruído pior ainda. Eu gosto muito de filmar carros desse tipo. Mas não quando você está exausto e tudo o que quer é chegar em casa. Não, prefiro me suicidar.

Foi por isso que, na semana passada, fui banhado por uma sensação de alegria profunda quando saí do estúdio e descobri que voltaria de Guildford para Londres num Bentley Continental GT V8 S conversível. Você entra, fecha a porta e é como se tivesse sido transportado para um mundo de canções de baleias e velas flutuantes em grandes folhas sobre um lago. Você liga o motor e ouve um murmurar abafado ao longe; coloca o câmbio em Drive e começa a deslizar pela estrada, perguntando-se como a prefeitura transformou, em um único dia, aquele pavimento horrível da rua pelo qual você passou de manhã num asfalto liso como uma mesa de bilhar.

Este Bentley custa 160 500 libras (R$ 714 000). Ou, dependendo dos opcionais, perto de 200 000 libras (R$ 890 000). E esse preço inclui várias alternativas. Mas todas são para deixar o carro mais duro, barulhento e hiperesportivo. Os Bentley se destacam como os únicos superesportivos confortáveis do mercado.

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Mesmo assim, como você talvez tenha visto na recente viagem do Top Gear à Austrália, um GT V8 S de teto fixo deu uma surra num Nissan GT-R na disputa de arrancada. E, graças à sua tração nas quatro rodas, escalou a rampa de uma pedreira quase tão rápido quanto uma picape Maloo GTS de 577 cv, feita pela equipe de alto desempenho da Holden (divisão australiana da GM). E então, mais tarde, com sua suspensão elevada – e para isso basta pressionar um botão –, ele tocou gado como um Range Rover equipado com nitro.

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Ele pode ser um gentil e suave expresso transcontinental revestido de couro, mas, quando a situação exige, encher-se de fúria. Pise fundo e ele aterrorizará os passageiros. Há um urro do motor e um rosnar do escapamento, e é como se a mansão em que você estava relaxando momentos antes fosse atingida por um terremoto de magnitude 7,8. Mantenha o pé cravado e logo eles estarão gritando de alegria, porque de alguma forma a mecânica e os programas de computador que a controlam podem facilmente lidar com a massa, a inércia e a energia que você libertou.

Ele é como o mordomo perfeito. Quando entra na sala para servir bebidas antes do jantar, ele sabe que a cozinha está uma loucura. O chef deixou o pato cair, uma empregada quebrou a molheira e houve um princípio de incêndio, mas ele não deixa transparecer. Você sabe que, quando frear ou fizer uma curva fechada, terá de controlar 2,5 toneladas e mais de 500 vigorosos cavalos alemães. Mas o GT V8 S não dá a menor pista de que isso venha a ser qualquer dificuldade.

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Eu sei que 60% dos donos de Bentley escolhem o motor W12 em vez desse V8, menos caro. E isso me leva ao grande problema do Continental: quem o dirige. Em alguns modelos, o W12 não é mais rápido no 0 a 100 km/h que a V8 biturbo e gasta bem mais combustível, mas em Cheshire, condado onde o Continental tem uma grande base de fãs (e também é a sede da marca), isso não importa. As pessoas de lá precisam lembrar seus vizinhos que tudo está bem no seu mundo e que elas não vão passar essa impressão se comprarem o segundo carro mais caro da linha. Tenho uma palavra para definir pessoas assim: idiotas.

E isso me leva ao problema seguinte. O conversível que estou dirigindo Não entendeu? Se for o feliz proprietário de um desses, você é um cinquentão e tem – sejamos gentis – uma próspera cintura e uma careca do tamanho de uma água-viva. E em algum momento se sentirá compelido a andar com a capota abaixada. Isso vai fazer com que você pareça ridículo, especialmente se estiver indo para o clube de golfe e tiver outro homem no banco do passageiro. E tem mais. Como o teto tem de ser guardado em algum lugar quando está baixado, você acaba com assentos traseiros inúteis e um porta-malas bem menor do que poderia imaginar.

Há muitas minas em que você pode pisar quando for adquirir um Continental. Então, aqui vai um pequeno guia prático para ajudá-lo a fazer a compra certa. Não compre a versão conversível a não ser que viva em Cheshire, caso em que ela provavelmente será aceitável. E, se o vendedor sugerir que você pegue a opção com motor W12, coloque seus dedos nos ouvidos e cante “lá-lá-lá-lá-lá” o mais alto que puder, até que os lábios dele deixem de se mover.

Se seguir esses passos simples, estará com um dos melhores automóveis do mundo atual. Se não seguir, vai acabar parecendo um idiota.

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