Jeremy Clarkson: na prática, a teoria do Fiat 124 Spider é outra
A ideia de pegar a base do Mazda MX-5 e colocar um design e motor italianos para recriar o velho e belo Fiat 124 Spider era ótima. Até eu andar no carro...
Vamos colocar as coisas nos devidos lugares. O carro que ilustra este artigo não é um Fiat 124 Spider. Ele possui um motor Fiat, leva o emblema da Fiat e tem alguns toques de estilo que remetem ao deslumbrante 124 Sport Spider de 1966. Só que, por baixo, é um Mazda MX-5.
Quando ouvi que a Fiat procurou a Mazda para produzir uma versão He-Man do esportivo mais vendido (e o melhor) do mundo, fiquei tão empolgado que tive de me sentar por alguns instantes. E aqui está o porquê.
Fazer um esportivo deveria ser simples. Mas fazer ovo pochê na torrada também deveria ser. E no entanto, quase todos os hotéis do mundo fazem errado. Cozinham o ovo por tempo demais, colocam-no na torrada antes de ter drenado a água, ou cobrem de matinhos como salsa, o que é desnecessário.
E é isso o que acontece quando uma marca tenta projetar um esportivo atualmente. Ela o otimiza para uso na pista, em vez de na estrada, ou coloca o motor em posição central, e você fica pensando: “Olha, seus idiotas. Eu quero o motor na frente, tração traseira e uma capota de lona que possa ser aberta quando eu quiser aproveitar o sol. Não compliquem. Façam só isso. E bem”.
E é por isso que a Mazda acertou em cheio com o MX-5: é simples e executado de forma perfeita. O melhor ovo pochê na torrada que o mundo já viu. Tem o tamanho perfeito. Seu preço é perfeito. Seu motor tem o tamanho certo e ele só traz os brinquedos de que você realmente precisa. Eu o adoro.
No entanto, não há como evitar o fato de que ele é meio que… Como posso colocar isso? Delicado? Você não vê muitos caras duros na queda em Mazdas. Não é o tipo de carro que seria usado pelo Exterminador do Futuro.
E é por isso que fiquei tão empolgado com essa história da Fiat.
A ideia era simples: pegar a arquitetura do Mazda, o que economizaria uma fortuna no desenvolvimento, e acrescentar seu próprio motor e estilo, o que pensei que transformaria um dedo de Baileys em um galão de bloody mary, com todos os enfeites.
O problema é que a característica mais marcante e atraente do 124 antigo era o formato das laterais traseiras, que se projetavam como as asas de uma gaivota a partir da tampa do porta-malas, plana. A Fiat tentou copiar isso, mas a tampa do porta-malas do Mazda não é plana, por isso o resultado ficou estranho.
E tem mais. Embora não haja problema em tornar a carroceria do seu carro maior e mais musculosa, isso não funciona bem se você a enfiar na base de um veículo mais delicado. Fica parecendo um elefante sentado em um monociclo. Um carro grande com rodas de carro pequeno perdidas nas caixas de roda.
A dianteira não é de todo má, mas eu não gostei das duas saliências no meio do capô. O 124 original as tinha porque precisava de altura extra para seu motor com duplo comando. Já no atual elas estão só para efeito visual, como as estúpidas saídas de ar falsas do Range Rover. E isso me incomoda.
Eu gastei mais tempo do que o normal analisando o visual porque é isso o que importa nele. A principal razão para você comprá-lo é achar que falta “musculatura” no design do MX-5. A outra razão é querer algum tempero italiano, e isso me leva ao motor, que na versão que testei era o 1.4 turbo da Fiat.
Não é ruim, mas esperava que no 124 a Fiat fizesse com que ele tivesse um som mais vigoroso. Mas isso não aconteceu. O que não é bom. Quando está em um esportivo em um dia ensolarado e a capota recolhida, você quer ouvir o rugido da admissão do ar e estalidos do escapamento. Mas o que você tem no 124 é um ruído “papai e mamãe” da dianteira e um escapamento com tom “feijão com arroz”. É uma pena.
Antigamente eu dizia que, quando a capota está baixada, qualquer carro, de um supermoderno Rolls- Royce Dawn a um antigo Sunbeam Alpine, passa a mesma sensação. Há tanto barulho e rajadas de vento que se concentrar nos detalhes da dirigibilidade e do som do escapamento é como se concentrar na vista ao seu redor quando você está sendo devorado por um urso. Mas é bom saber que, se você se concentrasse nessas coisas, elas estariam certas.
Ao dirigir, o Fiat é mais macio do que o MX-5, o que não chega a ser um problema, mas a falta de firmeza faz com que você tenha a sensação de que está em um daqueles conversíveis antigos, cuja carroceria ficava se contorcendo.
E para distanciar ainda mais o 124 dos Mazdas mais apimentados, a maioria das versões não tem diferencial de deslizamento limitado, por isso você não vai conseguir tirar fumaça dos pneus em drifts. É estranho. Era de se esperar que o Fiat, sendo italiano e tudo mais, seria mais esportivo e teria mais pegada do que o MX-5. Mas na verdade ele é mais silencioso e menos divertido.
Meu colega Richard Hammond disse que a versão Abarth, que tem diferencial de deslizamento limitado, é bem diferente. E é bem mais cara. Por falar de preços, a notícia também não é boa. Porque o Fiat que testei é mais de 1.000 libras (R$ 3.900) mais caro do que o MX-5.
Se parece que tive uma decepção com o 124, é isso mesmo. Porque eu estava esperando que ele fosse algo que não é. Mas, dito isso, ainda é um bom jeito de se passear. A capota pode ser baixada e levantada com uma mão, sem que você tenha de sair do banco. E eu adoro o fato de que ela não seja elétrica. Também adorei os bancos de couro marrom e o nível dos equipamentos. E o porta-malas tem um tamanho decente. Provavelmente porque a tampa não é plana, como deveria ser.
O mais importante de tudo, no entanto, é a sensação de bem-estar que sinto ao saber que, neste exato momento, na porta da minha casa está um esportivo italiano de dois lugares. Mas o que diminui essa sensação um pouco é que ele simplesmente não é tão bom quanto seu irmão japonês.