VW Brasilia: os 50 anos do carro nacional que ganhou o mundo
Brasileira da gema, ela rejuvenesceu a imagem da VW e vendeu como água até na África e na Ásia. Mas, coitada, não tinha uma família
O fim da Brasilia, no mês de março de 1982, não pegou ninguém de surpresa. As pistas do iminente desaparecimento do maior sucesso de vendas, depois do Fusca, eram claras. Já de algum tempo a fábrica havia cortado o oxigênio da pequena perua, deixando de incluí-la nas campanhas publicitárias da marca.
Àquela altura, seu sucessor, o Volkswagen Gol, já havia engrenado uma segunda, depois de uma bela patinada na largada. O motor 1.6, ainda refrigerado a ar, salvou o novo carro de um naufrágio, depois do fiasco patrocinado pelo raquítico 1.3 do lançamento.
Mas a sabedoria soberana do mercado soube homenagear a aposentadoria – para muitos, precoce – da Brasilia com uma surpreendente valorização dos modelos usados. Era a consagração do carro que vendeu 950.000 unidades desde o seu lançamento, há exatamente 50 anos.
Essa conta não inclui exportações para países da África (onde se chamava Igala) e América do Sul e Filipinas, que fariam o número ultrapassar a casa do milhão. Sem falar na produção mexicana, entre os anos de 1974 e 1981 – daí o motivo do Sr. Barriga, na série Chaves, ter uma.
A Brasilia começou a nascer no outono de 1970, quando Rudolf Leiding, presidente da VW brasileira, irrompeu no departamento de estilo da fábrica em direção à mesa de Marcio Piancastrelli, chefe de design.
Havia tempo que a fábrica, acostumada com a liderança absoluta no mercado brasileiro, não acertava a mão em seus lançamentos mais recentes. Com exceção da perua Variant, o TL, o 1600 quatro portas e o Karmann-Ghia TC não receberam a aclamação popular.
Como se isso não bastasse, o pior ainda estava por vir, na forma de um compacto fabricado pela GM. A missão daquele que viria a ser o Chevette, lançado em 1973, era transformar o Fusca em peça de museu.
Com um abacaxi nas mãos e uma idéia na cabeça, Leiding foi objetivo. Pediu a Piancastrelli um carro que fosse pequeno por fora, grande por dentro e tivesse uma grande área envidraçada. E, para não deixar dúvidas, depois de rabiscar a lápis a inconfundível silhueta de um Fusca, delineou com uma caneta vermelha uma outra figura sobre a do Sedan.
O desenho tosco mostrava um carro de linhas retas, com um teto que terminava com um corte brusco na traseira “Praticamente um furgão”, disse Piancastrelli, falecido em 2015.
Em três meses ficou pronto um modelo na escala 1:1. De início, a plataforma cogitada foi a do Fusca, mas foi deixada de lado por ser estreita demais. A base passou então a ser o chassi do Karmann Ghia.
Finalmente, foi adotada uma solução intermediária e o projeto seguiu em ritmo acelerado. O objetivo era aprontar o carro a tempo de dividir as atenções que estariam voltadas para o compacto da GM. Três anos depois, Leiding, já como chefão da VW mundial, veio ao Brasil para o lançamento da cria. E viu seus pleitos plenamente atendidos.
No lançamento, a Volkswagen Brasilia custava Cr$ 20.741, o que equivaleria a R$ 121.456 de hoje de acordo com o índice IGP-DI/FGV. É o preço de um Polo Highline ou quase de um Nivus.
A perua era pequena por fora (com 4 metros, era 17 centímetros menor que o Fusca) e grande por dentro (o espaço interno era um latifúndio se comparado ao do Sedan). E a claridade garantida pelos grandes vidros, somada ao “pé-direito” proporcionado pela capota reta, aumentava a sensação de espaço de quem ia atrás.
O uso de novos materiais no acabamento ajudou a distanciar ainda mais a Brasilia de seu irmão mais velho. O tecido dos bancos, com desenho moderno, e o forro do teto, com pequenos losangos, eram detalhes que enriqueciam o interior. O painel, por outro lado, teve inspiração no antigo Fissore, projetado pela DKW em meados dos anos 60, marca absorvida pela VW em 1966.
O motor, traseiro, era o 1.600 refrigerado a ar e desenvolvia 60 cavalos. A dupla carburação só veio no ano seguinte, como opcional, e fornecia rendimento melhor com menor consumo. Somente em 1976 o equipamento se tornou item de série. Com isso, o motor ganhava 5 cavalos a mais em relação ao pioneiro.
Ainda assim, a Brasilia não seria uma referência de desempenho e consumo. Num teste comparativo com o Chevette Hatch publicado na edição de março de 1980, QUATRO RODAS registrou a vitória do compacto da GM nesses quesitos. A perua levou mais de 23 segundos para ir de 0 a 100 km/h, contra 19,7 segundos.
Na máxima, ficou nos 129 km/h, enquanto o hatch “voava” a mais de 138 km/h. Na estrada, a Brasa devorou 1 litro a cada 13,4 quilômetros. Com a mesma dose, o concorrente ia 2 quilômetros mais longe.
O raro exemplar que você vê, uma Brasilia LS, versão mais luxuosa, é igual ao carro testado. No dia das fotos contava com 44.880 quilômetros rodados. Seu proprietário, o advogado José Carlos Duarte de Castro, afirma que desde o dia em que deixou a loja, em janeiro de 1980, sempre fez parte da família.
Excepcionalmente, este modelo saiu com econômetro e toca-fitas original Blaupunkt, além dos opcionais de linha. Mais incomum ainda é o seu estado de conservação. O porta-malas permanece imaculado e acomoda o estepe, que jamais foi convocado para a luta. O motor pega ao leve torcer da chave e vira redondo e afinado.
A direção é justa e não pesa nas manobras, em parte graças ao grande volante. O torque é suficiente para trocas de marcha em discretas rotações, mas os ouvidos detectam a companhia do motor na cabine. É fato que a tampa que serve de base para o segundo porta-malas abafa boa parte do ruído.
E por que a VW resolveu fazer o Gol justamente no auge do sucesso da Brasilia? A resposta está na existência solitária da perua. Ela era um carro de uma só versão, enquanto o Gol teria uma família, como já acontecia com Chevette, Corcel II e Fiat 147.
Essa limitação também explica o porquê de a perua não ter recebido grandes investimentos ao longo de seus nove anos de vida, e permanecido sem grandes alterações por todo esse tempo.
Além de uma leve repaginação já na terceira idade, o único fato novo durante sua existência foi o lançamento da versão quatro portas, saudada pelos taxistas mas rejeitada pelo público fiel ao modelo original.
Teste QUATRO RODAS – junho de 1973
Aceleração de 0 a 100 km/h | 24,4 s |
Velocidade máxima | 128,6 km/h |
Frenagem de 80 km/h a 0 | 27,5 m |
Consumo médio | 12,5 km/l |
Preço (junho de 1973) | Cr$ 20.741 |
Preço (atualizado IGP-DI/FGV) | R$ 121.456 |
Ficha Técnica – Volkswagen Brasilia
Motor | traseiro, 4 cilindros contrapostos, 1.584 cm³, comando de válvulas único; Diâmetro x curso: 85,5 x 69 mm; Taxa de compressão: 7,2:1; Potência: 60 cv a 4.600 rpm; Torque: 12 mkgf a 2.600 rpm |
Câmbio | manual de 4 marchas, tração traseira |
Dimensões | comprimento, 401 cm; largura, 160 cm; altura, 143 cm; entre-eixos, 240 cm; peso, 894 kg |
Suspensão | independente. Dianteira: feixes de torção. Traseira: eixo de torção |
Rodas | aço, 5J x 14, pneus 5.90-14 |
* Reportagem originalmente publicada em maio de 2004