Bateria cara e incômodos: por que o start-stop não vingou no Brasil?
Sistema que desliga e liga o motor ajuda a melhorar o consumo, mas sofre rejeição dos motoristas que tentam desativá-lo. Fabricantes já tiram o equipamento
Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, o Brasil testemunhou uma das locuções mais bizarras do mundo. O jornalista Galvão Bueno se limitou a narrar o final da prova dos 50 metros livres da natação apenas em relação à posição do supermedalhista Michael Phelps em uma alternância histriônica de “vai perder, vai ganhar, vai perder… perdeu… ganhou!”.
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Uma repetição tão irritante – para muitos motoristas – como o sistema start-stop dos carros. Aquele “para e desliga” a cada semáforo deixa muita gente fora do sério, a ponto de muitos tentarem desativar o dispositivo por conta própria, quando o sistema não oferece essa possibilidade.
Isso mesmo. A tecnologia que ajuda na redução de consumo de combustível em até 10% não caiu no gosto do brasileiro. Mas ao tentar desconectar o contato da bateria para desligar o start-stop, o motorista põe em risco toda a integridade elétrica do automóvel.
Bom lembrar que veículos com start-stop são equipados com baterias especiais, desenvolvidas para aguentar o liga e desliga. Muitas são projetadas em parceria com os fabricantes para aquele determinado carro. Obviamente, são mais caras que as baterias comuns.
“Não é simplesmente o motor ligar e desligar, pois muda muito o contexto elétrico do veículo para ter um sistema que faça isso com mais regularidade. Você precisa de uma bateria e rotores de partida mais velozes. É um trabalho grande de desenvolvimento”, explica Erwin Franieck, mentor de Engenharia Avançada da SAE Brasil.
Equipamento rejeitado
Fato é que o start-stop não agradou ao mercado brasileiro. A Fiat oferecia o sistema como item de série em algumas versões de compactos, depois passou a disponibilizar o equipamento como opcional e recentemente deixou de oferecer o sistema em modelos como Argo e Cronos.
A Chevrolet é outra que também deixou de equipar seu SUV compacto Tracker e o Cruze com o recurso. Na contramão, a Volkswagen passou a disponibilizar o item de série para toda a linha com motor TSI – para atender as novas normas de emissões do Proconve L7.
Modelos da Renault mantêm versões com a tecnologia. Porém, a aplicação do start-stop no mercado brasileiro é baixa, apesar de ser um recurso que ajuda no consumo e nas emissões.
“O motorista que não está nem aí para o consumo vê o start-stop mais como um problema. Aquele condutor que quer arrancar rápido, não vai aguentar. É um item que traz diversos benefícios, mas que envolve mudanças de comportamento”, acredita o engenheiro Erwin.
A própria indústria encontrou outros caminhos para aprimorar a eficiência dos motores que vão além do sistema que liga e desliga o motor. Injeção direta de combustível, variação de fase nos comandos de válvulas, peças de menor atrito e turbo são só algumas das tecnologias usadas pelas montadoras para melhorar a eficiência dos motores.
Aliados a essas soluções modernas, os fabricantes conseguem avançar na questão de emissões, uma vez que precisam atingir metas médias para toda a gama vendida no país.
“À medida que resolve o problema em uma ponta com os motores mais antigos, há menos demanda na ponta dos motores mais eficientes para compensar o pacote como um todo. Dessa forma, os fabricantes podem abrir mão dos dispositivos que não agradam ao público”, observa Erwin.
Proprietários dão jeito de desativar o sistema
O público rejeitou mesmo o start-stop. Conversamos com funcionários do setor de serviços de seis diferentes revendas da Chevrolet e da Fiat no Rio e em São Paulo. Embora não tivessem dados estatísticos, os consultores foram quase unânimes sobre o descontentamento da maioria dos clientes com o equipamento.
São vários os casos de donos de modelos com start-stop que chegam aos estabelecimentos e pedem para desativar o sistema. “Até bem pouco tempo atrás era praticamente um cliente por semana pedindo para desligar o equipamento”, confidenciou um funcionário de uma concessionária paulistana da Fiat.
Há modelos, como os Renault e os Jeep, que permitem ao motorista desativar o start-stop por meio de um botão no painel ou no console, mas nos carros da GM e da Fiat não é possível fazer o mesmo. E é aí que mora o perigo: muitos proprietários resolvem desconectar um dos cabos que alimentam o sistema que faz o equipamento funcionar.
Segundo o engenheiro Diones dos Santos, da Heliar, todo o sistema elétrico do veículo foi projetado para trabalhar em sintonia com as informações coletadas da bateria e de outros componentes elétricos e eletrônicos para a distribuição de energia.
Assim, o desligamento de um dos cabos pode acarretar falhas no funcionamento de diversos componentes do sistema elétrico, comprometendo sua vida útil, inclusive a da própria bateria, pois, sem os dados coletados, a central eletrônica não poderá gerenciar e distribuir da forma correta a energia necessária para atender toda a demanda do veículo, como explica Diones.
O vendedor Dener Halqueman, que trabalha em uma loja da rede NA, especializada no comércio de baterias automotivas em São Paulo, também alerta para a prática. “Isso traz riscos para o próprio funcionamento do carro, pode causar erros no módulo da direção elétrica e até afetar o funcionamento correto do ABS dos freios”, conta ele.
Custo elevado
Outra razão que pode explicar a baixa popularidade do start-stop é econômica. O sistema pede baterias de maior desempenho. Chamadas de EFB ou AGM (para sistemas start-stop e alternadores inteligentes), elas são projetadas para serem acionadas com uma frequência maior do que as baterias SLI (convencionais).
Em um levantamento que fizemos, a peça convencional para um Range Rover Evoque custaria R$ 810, mas a bateria para trabalhar com o start-stop do SUV custa quase R$ 2.000. Mesmo em um Sandero a diferença é de mais do que o dobro. No hatch sem o sistema, a bateria custa cerca de R$ 300. Com start-stop, a peça correta passa dos R$ 700.
“Para se ter uma ideia, o desenvolvimento e validação da bateria junto à montadora dura cerca de dois anos. Nesse período, muitos testes são feitos para que a bateria atenda de forma ideal toda a demanda elétrica do veículo juntamente com outros componentes como o alternador, por exemplo”, explica Diones dos Santos.
Só que o consumidor final não é muito afeito a essas questões. E não são raros os casos de motoristas que apelam para baterias convencionais em carros com start-stop para reduzir custos. Essa bateria, contudo, terá uma vida útil bem menor – de quatro, pode cair para dois anos –, assim como o motorista pode passar a ter dificuldades até em dar a partida.
“Se no lugar de uma bateria EFB ou AGM colocarmos uma bateria SLI, certamente essa bateria terá sua vida útil reduzida drasticamente, pois não suportará as descargas mais profundas e mais frequentes, além de não conseguir ser recarregada na velocidade que precisa”, adverte o engenheiro da Heliar.