Com 1.500 cv, Bugatti Chiron leva o motorista muito além do limite
Para quem achava que não haveria vida na Bugatti após o Veyron, o novo Chiron mostra que é possível ir mais longe: são 1.500 cv e máxima de 420 km/h
Nos meus 25 anos como jornalista automotivo, achei que nada mais poderia superar a emoção e o privilégio de pilotar um Bugatti Veyron. Afinal, a indústria comentava entre si que dificilmente uma montadora conseguiria ter a ousadia e o dinheiro para criar um automóvel de série que excedesse o luxo e a velocidade desse superesportivo que eu dirigi em 2012.
Mas eu estava errado. E ainda bem, pois estou prestes a experimentar, junto com apenas outros 19 jornalistas do mundo todo, o carro que promete deixar o Veyron para trás, o Chiron.
Mais um feito dessa exclusiva marca francesa, criada pelo italiano Ettore Bugatti em 1909 e ressuscitada pelo Grupo VW, que a comprou em 1998 para lançar o Veyron, primeiro modelo de produção da nova era. Não foram fabricadas mais de 450 unidades entre 2005 e 2014.
Seu sucessor também foi batizado com o nome de um dos mais famosos pilotos da casa, Louis Chiron, que venceu em 1931 o GP do Mônaco com um Bugatti Type 51, sendo até hoje o único nascido no principado a vencer a prova e também o mais velho piloto da Fórmula 1 (55 anos).
Melhorar o Veyron com seu motor de 16 cilindros em W e 1.200 cv, na sua versão mais extrema, exigia muito mais esforço e talento. Mas o resultado alcançado fala por si: o motor (são dois V8 unidos) continua com 8 litros, mas foi amplamente redesenhado.
Os quatro turbos são 70% maiores e agora funcionam em fases: dois trabalham desde a partida até 3.800 rpm, quando então entra em ação o outro par.
“É para que a entrega de potência seja o mais linear possível e se reduza ao máximo o atraso da resposta dos turbos”, explica Andy Wallace, piloto de desenvolvimento da marca e ex-campeão das 24 Horas de Le Mans, com quem dividi essa experiência inesquecível ao volante do Chiron, nas desertas retas da região portuguesa do Alentejo.
Cada cilindro dispõe de dois injetores (num total de 32) e existe um novo sistema de escape em titânio. Tudo isso permitiu aumentar a potência máxima para absurdos 1.500 cv e 163,2 mkgf de torque máximo, que consegue se manter no pico entre 2.000 e 6.000 rpm.
Tendo em conta que o peso do Chiron de 1.995 kg é apenas cerca de 5% superior ao do Veyron (100 kg a mais), não é de se espantar que seus números oficiais sejam maiores, suficientes para colocá-lo no ranking dos mais rápidos do mundo: 420 km/h de velocidade máxima, menos de 2,5 segundos no 0 a 100 km/h e menos de 6,5 segundos no 0 a 200 km/h (o Veyron SS podia acelerar em 2,5 segundos e atingir 413 km/h).
Mas Wallace acha que são estimativas conservadoras. “Vamos fazer este ano o registro oficial dos números e uma tentativa de bater o recorde mundial, porém estou convencido de que o Chiron consegue chegar aos 2,2 ou 2,3 segundos de 0 a 100 km/h e uma máxima de 440 a 450 km/h.”
Ele deve saber o que diz, já que também foi detentor por 11 anos do recorde de velocidade para carros de série – 386,47 km/h com um McLaren F1.
Robôs? Nada disso!
Abro a porta e desço até me encaixar no luxuoso banco concha de couro, feito à mão como tudo neste Bugatti, que emprega apenas 20 trabalhadores (ou seriam artesãos?) na sua fábrica de Molsheim (França), que não usa nenhum robô na sua linha de produção.
Wallace me conta que o modelo tem a caixa automatizada de sete marchas com as duas maiores e mais rápidas embreagens do mundo, e que o monocoque e a carroceria são feitos de fibra de carbono, como antes, mas agora a parte traseira, que recebe o motor, também é construída com o mesmo material.
Ele explica ainda que a tração é nas quatro rodas, tendo no eixo traseiro um diferencial que distribui o torque entregue a cada roda para otimizar a tração e a eficiência em curva.
Pela primeira vez, um Bugatti tem um chassi adaptativo, com vários programas de condução para ajustar as respostas de direção, tração, amortecimento, altura da suspensão e controle de estabilidade e de tração.
O programa varia até alguns dos elementos da carroceria para aumentar ou diminuir a pressão aerodinâmica. Os modos são controlados no grande botão azul no volante, do lado esquerdo (à direita está o que liga os 16 cilindros,) segundo vários ajustes: Lift (altura ao solo de 125 mm, para acessos a garagens ou uso na cidade, desligando a 50 km/h), EB (o modo normal, altura de 115 mm, só até 180 km/h), Autobahn (de 95 a 115 mm), Handling (mesma altura, porém com mais pressão na asa e maior saída de traseira) e Top Speed (para velocidade máxima, variando de 80 a 85 mm e pouquíssima pressão na asa).
Mas atenção: para chegar aos tais 420 km/h de velocidade, é preciso inserir uma segunda chave num local junto ao banco do motorista, senão ele não passa dos 380 km/h. “Girar essa chave funciona como uma espécie de clique para que os sistemas do carro façam um autodiagnóstico, para ver se tudo está otimizado e preparando-os para um nível de exigência máxima”, comenta Wallace.
O piloto inglês explica que a asa traseira (40% maior do que a do Veyron) tem quatro posições de regulagem: “Uma está nivelada com a parte traseira da carroceria e depois vai subindo para aumentar a pressão ou até criar um efeito de para-quedas preso na parte de trás do Chiron, diminuindo assim as distâncias de frenagem”. São apenas 31,5 metros para imobilizar este hiperdesportivo de 2 toneladas vindo a 100 km/h.
Diante dos meus olhos meio ansiosos, tenho o quadro de instrumentos composto por três telas TFT e um velocímetro analógico. A informação que me é apresentada na parte digital vai variando em função da velocidade e do modo de pilotagem escolhido (ele vai reduzindo o total de dados para não distrair o motorista).
Também há uma divisão vertical do painel de bordo, preenchida por quatro comandos rotativos, que ajustam a distribuição do ar, a temperatura, o aquecimento dos assentos e a visualização das informações relevantes para a pilotagem.
Olhando ao redor, é difícil pra mim, mesmo acostumado a dirigir Bentley e Rolls-Royce, não me impressionar com esse cockpit, que é decorado por materiais ultraluxuosos como fibra de carbono, alumínio, magnésio e couro com uma sofisticada costura feita com a perícia dos artesãos do Atelier Bugatti.
Com Wallace no banco do carona, os primeiros quilômetros são feitos em uma tocada muito calma, para ir me habituando aos comandos e às principais interfaces do veículo. Já dirigi vários superesportivos que exigem braços e pernas firmes para controlar direção e pedais, mas neste Bugatti tanto acelerador como freios e volante são muito leves.
Pneus personalizados
No caso da direção, a assistência elétrica varia dependendo do programa selecionado, mas sempre com uma precisão e um imediatismo de reações quase desconcertantes. Claro que pneus feitos especificamente pela Michelin para este modelo (285/30 R20 na frente e 355/25 R21 atrás) ajudam com sua superfície de contato 13% maior do que no Veyron.
A suspensão consegue ser muito confortável no modo mais suave e não fossem as formas extravagantes do carro e a sonoridade poderosa do motor às minhas costas, quase me imaginaria dirigindo-o diariamente pelo trânsito de uma grande cidade.
Desmaio iminente
Mas não se engane com essa suavidade. É só afundar o pé no acelerador que você logo descobre que seu desempenho é alucinante. Olha que eu já tive a oportunidade de dirigir vários Porsche e Ferrari e até um Fórmula 1 da Renault dentro de um autódromo, e mesmo assim estive prestes a desmaiar em duas arrancadas feitas com o “pé na tábua”. Foi isto mesmo que eu quis dizer: quase desmaiei.
Porque meu corpo teve uma enorme dificuldade em aguentar tamanha força g, pois em menos de 10 segundos ele chegou aos 250 km/h. Ao meu lado, Andy Wallace me tranquilizou.
“O nível de performances do Chiron obriga o cérebro humano a passar por um período de adaptação para conseguir continuar funcionando quando nos aproximamos do limite das suas acelerações/frenagens. Este carro atinge uma máxima superior à do carro com que venci em Le Mans há 29 anos e suas desacelerações são igualmente esmagadoras com o freio aerodinâmico (Air Brake), que chega aos 2 g”.
Isso é pouco menos de metade dos F-1 atuais, mas é o dobro de qualquer outro superesportivo atual.
E assim eu cheguei ao fim de uma das experiências mais exclusivas da minha carreira automotiva – e uma das mais caras também, pois eu acabara de dirigir um automóvel que custa nada menos que 3,04 milhões de euros (R$ 10 milhões).
Veredicto
O Bugatti Chiron é o apogeu do supercarro moderno: luxo ao extremo e potência desenfreada, sem abrir mão da facilidade de guiar em qualquer condição.
Ficha técnica – Bugatti Chiron
- Preço: 3,04 milhões de euros (R$ 10 milhões)
- Motor: central, W16, quadriturbo, 64V, inj. direta, 2 injetores por cil., 7.993 cm3, 86 x 86 mm, 8,3:1, 1.500 cv a 6.700 rpm, 163,2 mkgf a 2.000-6.000 rpm
- Câmbio: automatizado, 7 marchas, dupla embreagem,tração integral
- Suspensão: multilink nas 4 rodas
- Freios: discos carbocerâmicos nas 4 rodas
- Direção: elétrica
- Pneus: 285/30 R20 (diant.) 355/25 R21 (tras.)
- Dimensões: compr., 454,4 cm; alt., 121,2 cm; larg., 203,8 cm; entre-eixos, 271,1 cm; peso, 1.995 kg; tanque, 100 litros, porta-malas, 57 litros
- Desempenho: 0 a 100 km/h abaixo de 2,5 s, 0 a 200 km/h abaixo de 6,5 s; 0 a 300 km/h abaixo de 13,8 s; vel. máx., 420 km/h