Econômico, Honda Accord híbrido é classe executiva em forma de sedã grande
Luxo sóbrio e extrema eficiência tornam o novo sedã grande alternativa para quem não faz questão de se exibir mas quer mordomias
Como os fanáticos por muscle cars, os loucos por elétricos também cometem seus pecados em nome da ideologia. Veja o caso do Mustang Mach-1, por exemplo: é uma provocação desnecessária que o luxuoso esportivo tenha o mesmo nome do elétrico Mach-E, que, nem pelo motor mas pelo conjunto da obra, provoca e desrespeita à toa.
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Desrespeito. Eis uma palavra que a Honda parece usar como régua na sua jornada sui generis de eletrificação. A japonesa parece zen e, enquanto outras companhias tomam pedradas a cada novo passo, continua aclamada por um aparente respeito aos clássicos Civic e Accord, que desembarca renovado, estreando a exótica (e ao mesmo tempo simples) tecnologia híbrida e:HEV no Brasil.
Não é uma escolha injusta, dado que o sedã grande é o Honda mais longevo à venda no Brasil, desde 1992 nas lojas. Sua fidelidade também vale em termos de produção: há 39 anos o Accord é fabricado em Ohio, de onde parte rumo ao Porto de Vitória. Isso somado ao pequeno volume de vendas e ao preço elevado que dilui o custo da eletrificação tornam-no ideal ao pioneirismo.
Mais humano, menos máquina
Apresentações de novos modelos são prato cheio para distrações publicitárias, com frases que falam muito sem dizer nada. Talvez por isso tenha buscado contradições desde meu primeiro contato com a filosofia Man Maximum/Machine Minimum (Mm/Mm) da Honda, que busca manter a tecnologia dentro do necessário, sem supérfluos que incomodam àqueles que não trocam a agenda pelo app.
Ao contrário de concorrentes diretos, a empresa não parece preocupada em inundar seus modelos com telas, serviços conectados que permitem comprar lanches sob comando de voz ou iluminação led personalizável. Não que haja certo ou errado, mas há uma significativa parcela de pessoas que, mesmo entendendo e abraçando tecnologias, quer uma transição tranquila ao futuro.
Assim o novo híbrido parece uma opção certeira, guardando a nata tecnológica à performance e deixando ao ocupante uma sensação bem familiar, sem grandes distinções dos carros de 10 anos atrás, por exemplo, em termos de conforto ou arranjo da cabine.
Civic grande, mas só de frente
Por fora a história é um pouco diferente, e o novo Honda acompanha de perto as evoluções estéticas dos últimos anos. Seja pela simbiose entre os sedãs ou pelo sucesso dos Civic mais recentes, há bastante semelhança entre a dupla e risco real de que seu vizinho menos inteirado veja o novo Accord na garagem e pense se tratar do modelo mais barato.
Isso acontece por conta de seções parecidas até demais, como a grade frontal sob um largo friso cromado que acompanha o capô. Os faróis em led também são bem análogos, assim como os para-choques e nichos dianteiros. A traseira, por outro lado, já se distancia dado o largo porta-malas de 574 litros que se ressalta e relembra que um dos destaques dessa “banheira” são suas dimensões amplas.
Sala de estar
Muito da cabine do Accord parece ter saído da classe executiva de uma linha aérea suíça: não há ostentação e tudo é sóbrio (até demais, disseram alguns convidados a opinar), mas o conforto é abundante e os materiais de qualidade.
Os bancos, claro, são de couro, com tonalidade escura ou clara conforme a cor da carroceria. Os ajustes são elétricos e a lombar do repórter não cansou de agradecer o belo tratamento dispensado ao longo dos 100 km de viagem, eventualmente embalada pelo ótimo (mas não Hi-Fi) sistema de som.
Os painéis são quase todos de material texturizado e bem agradáveis, pontualmente imitando placas de madeira (o que é mais elegante do que usá-la de fato em tempos ecologicamente corretos), mas resquícios de plástico duro escapam em alguns lugares que, de tão simples, deixam a dúvida do porquê disso.
A grande pista de que esse é um carro bem moderno está ao volante, excepcionalmente recheado de teclas que comandam a assistência veicular bem completa, mas que poderia ser um pouco mais avançada dada a categoria. A versão única à venda no Brasil oferece itens mais comuns — controle de cruzeiro adaptativo, por exemplo — e outros mais premium, como o head-up display que funciona muito bem, assim como as câmeras que ajudam a conduzir o carro por vias estreitas.
Ainda que não goste do estilo meio analógico do quadro de instrumentos, esse é especialmente harmônico, com grafismos que se completam e disposição bem inteligente dos dados de condução, fazendo bom uso da tela de X’’. Outra boa aposta é nos comandos físicos de quase tudo do carro, de modo que com pouco tempo na direção já é fácil configurar de tudo sem tirar os olhos da pista — algo quase impossível em touchscreens.
Atenção dividida
Se os restaurantes não tivessem surrupiado o termo “executivo” para seus pratos feitos, com certeza ele pertenceria ao Accord. É complicado não associá-lo a homens e mulheres de negócios em deslocamentos por grandes centros, muitas vezes no banco de trás enquanto um chofer conduz o híbrido; um público que não é exclusivo mas que influenciou o carinho dado à segunda fileira.
Com 1,86 m de largura e 2,83 m entre eixos, o espaço é abundante de cara, mas rende ainda mais graças à ergonomia inteligente — questão sempre cara aos japoneses. Assim, é difícil que falte espaço às pernas ou aos ombros, ao passo que a posição aparentemente mais baixa dos assentos ameniza o problema do teto baixo.
O que faz diferença independentemente do assento é o conjunto de suspensão independente, que atua muito bem e deixa clara a sensação de que as quatro rodas sempre estão coladas ao chão, não importa o obstáculo urbano. Os baques foram inexistentes durante o teste, e o isolamento acústico passivo e ativo contribuem para o silêncio interno, quebrado em retomadas na rodovia.
Dirigindo em meio a utilitários e picapes me senti baixinho no Accord, com rodas de aro 17’’ e 1,4 m de altura. Me lembrei dos mais velhos que criticam (com legitimidade, assumo) o exagero altimétrico dos SUVs e, justamente pela maioria de tempo gasta com utilitários, tive que me readaptar à vida nos andares mais baixos.
Nada traumático: à segunda curva já havia construído minha referência espacial e o conjunto de câmeras e sensores espalhados pela carroceria serviam de apoio. Em adição, as colunas, retrovisores e janelas bem projetados contribuem para uma visão bem ampla e segura.
Híbrido ao seu modo
Se o novo Accord é sóbrio e à moda antiga em diversos aspectos, sua inovação é concentrada no interessante sistema e:HEV da Honda, que inverte a lógica dos carros híbridos. Enquanto a maioria dos rivais tem o motor elétrico como um assistente do motor à combustão, aqui o trabalho é triplo, com um gerador elétrico também atuando bastante.
Não é à toa que o motor elétrico é o mais potente do conjunto, com 184 cv e 32,1 kgfm, afinal de contas ele é quem traciona o carro na maior parte do tempo. Como o Accord é híbrido leve (MHEV) não há como conectá-lo à tomada, e as baterias são recarregadas pelo gerador alimentado por um 2.0 aspirado a gasolina, de ciclo Atkinson, de 145 cv e 17,8 kgfm.
Isso acontece porque a baixas velocidades o motor elétrico é muito mais eficiente que os térmicos tradicionais, assim faz mais sentido que o 2.0 queime combustível apenas para transformar a energia química da gasolina em energia elétrica, ao invés de energia cinética necessária para mover os 1.555 kg da máquina.
Na estrada o jogo se inverte, e quando estamos naquela faixa de 100-120 km/h o motor a gasolina é acoplado à transmissão através de uma embreagem, assumindo todo o trabalho de mover o carro sozinho, sem intervenção dos motores elétricos. Essa mudança ocorre dezenas de vezes durante o trajeto, e após algum tempo sequer presto atenção ao indicador de modo.
O curioso é que, enquanto carros elétricos tendem a ser mais econômicos na cidade e os a combustão rendem mais na estrada, o Accord é basicamente o mesmo em ambas as situações, ratificando o sucesso da fabricante na estratégia. Oficialmente ele faz 17,6 km/l na cidade e 17,1 km/l na estrada, mas no trajeto feito por QUATRO RODAS os números excederam 20 km/l em ambos os cenários.
Mais curioso ainda é que o motor a gasolina não trabalha com câmbio. Há apenas a embreagem automática que o conecta diretamente ao diferencial, garantindo uma relação próxima (ou até mais longa) que a sexta marcha de um câmbio automático convencional).
Dado que os dois motores nunca tracionam o Accord juntos, a Honda não divulga dados de potência e torque combinados, afirmando que faltam métricas adequadas para essa aferição nos carros com e:HEV.
O que o motorista sente, entretanto, é um modelo esperto e obediente o tempo todo, como leve pitada de emoção no modo Sport. Ele torna respostas mais imediatas e, em alta velocidade, faz o 2.0 roncar, lembrando que a assepsia dos elétricos não precisa ser total. E com centro de gravidade próximo ao chão e massa bem distribuída, o Accord evoca o melhor dos sedãs, com estabilidade excelente em curvas de alta e ótima frenagem, auxiliada pelo sistema de recuperação de frenagem.
Para poucos
A própria Honda destaca o evidente caráter exclusivo do seu mais longevo modelo no Brasil, e realizou a importação de algumas dezenas de unidades inicialmente. Mais do que atender ao seleto público capaz de desembolsar R$ 299.900, ele será responsável por introduzir o e:HEV no mercado brasileiro, antes que CR-V e um terceiro modelo adotem o sistema aqui.
À venda desde agosto, ele chega com três anos de garantia geral e oito anos ou 160.000 km de garantia ao conjunto elétrico, formado por motor, gerador e bateria. Há quatros opções de cores: preto e branco perolizados e prata ou cinza-escuro metálicos, sempre discretos.
Essa discrição, inclusive, tende a ser alinhada a muitos dos futuros proprietários do modelo, que guarda para si e seus ocupantes o luxo executivo enquanto não faz questão alguma de torcer pescoços nas ruas. O protagonista não é a máquina, bem diz a filosofia da Honda.
Ficha técnica do Honda Accord 2022:
Preço: R$ 299.900
Motores: 2.0 Chain Drive DOHC, i-VTEC, gasolina, dianteiro, transversal, 4 cilindros em linha; 145 cv a 6.000 rpm, 17,8 kgfm a 3.500 rpm. Elétrico, dianteiro, 184 cv, 32,1 kgfm
Câmbio: E-CVT com quatro níveis de intensidade de desaceleração, tração dianteira
Suspensão: McPherson (dianteira), multilink (traseira)
Direção: elétrica
Rodas e pneus: liga leve, 225/50R17
Dimensões: comprimento, 490,4 cm; largura, 186,2 cm; altura, 146,0 cm; entre-eixos, 283,0 cm; peso, 2.050 kg; tanque, 48,5 l; porta-malas, 574 l
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