SUVs com câmbio manual podem parecer tão fora da realidade quanto imaginar que a Terra é plana. Porém, assim como o planeta redondo, os utilitários esportivos com pedal de embreagem existem, embora sejam raridades nas lojas e nas ruas, e apareçam nas tabelas das fabricantes apenas para deixar o preço inicial dos modelos um pouco mais atraentes.
Clique aqui e assine Quatro Rodas por apenas R$ 8,90
A baixa procura fez com que apenas três representantes da categoria restassem no mercado: Chevrolet Tracker, Nissan Kicks e Volkswagen T-Cross. Convocamos todos eles para um comparativo, mas a GM não dispunha do Tracker manual para testes. Por isso, ele ficou de fora.
Durante a produção desta avaliação, porém, um dos oponentes ficou pelo caminho. O T-Cross com pedal de embreagem deixou de ser vendido na linha 2022. Também, pudera: de acordo com a Mobiauto, de janeiro a maio de 2021, o modelo teve apenas 13 exemplares emplacados, uma participação de pífios 0,05% na linha. Como comparação, foram vendidas 557 unidades do Nissan, ou 3,5% das vendas do SUV.
Uma das explicações para a diferença das vendas poderiam estar no preço de cada um. O Kicks Sense manual é mais barato e parte de R$ 98.190, enquanto o T-Cross 200 TSI manual custava assustadores R$ 106.430 até sair de linha, ou R$ 8.240 a mais.
Além disso, enquanto o Kicks não oferece opcionais, o T-Cross tinha um pacote com 6 alto-falantes (contra os 4 de fábrica), sensores de estacionamento dianteiros e traseiros e câmera de ré por R$ 1.190. A diferença sobe para R$ 9.430. Será que a economia vale a pena?
O T-Cross sai na frente em mecânica e dirigibilidade. Equipado com motor 1.0 turbo de 128/116 cv de potência (etanol/gasolina) e 20,4 kgfm de torque, e câmbio de seis marchas, ele se parece com um Up! TSI nas acelerações rápidas e divertidas, graças ao torque disponível já aos 2.000 rpm, que não deixam o modelo de 1.226 kg perder facilmente o fôlego. A falta de dele só começa a acontecer em rotações mais altas, comum em motores pequenos turboalimentados.
O funcionamento do motor é silencioso e liso, sem passar os ruídos e vibrações típicos dos três cilindros. Em conjunto, a direção leve e precisa, mas bem comunicativa com o solo, garante a agilidade do SUV em ambientes urbanos e a estabilidade nas estradas. O câmbio tem engates curtos e justos e, por ter seis marchas com relações longas, garante maior economia de combustível e giros mais baixos na rodovia, sem que isso atrapalhe o desempenho.
A suspensão mais firme acompanha o conjunto e preza pela estabilidade, mas sem deixar o conforto de lado. Em nossos testes, com gasolina, o Volks foi de 0 a 100 km/h em 10,5 segundos e registrou as ótimas médias de consumo de 13,8 km/l na cidade e ótimos 17,1 km/l na estrada.
Os números do Kicks na pista não ficam tão atrás do T-Cross, apesar de piores. Ele chegou aos 100 km/h em 11,1 segundos e registrou consumo de 13,1 km/l na cidade e 15,7 km/l na estrada. Porém, o japonês de Resende (RJ) não empolga na direção por ter um conjunto mais anestesiado, com declarado foco para o conforto.
O motor 1.6 de 114 cv e 15,5 kgfm tem boas saídas em situações que exigem agilidade, mas falta fôlego nas retomadas. Ele passa longe de fazer feio, mas pode decepcionar quem imaginava um comportamento semelhante ao do finado e divertido March. Há também quem prefira o deslocamento mais progressivo do motor aspirado, que acaba sendo mais confortável. O câmbio tem cinco marchas, uma a menos do que o T-Cross, relações mais curtas e bons engates, mas um pouco mais macios.
Suspensão e direção também têm bons funcionamentos, especialmente para enfrentar a buraqueira das cidades com boa absorção dos impactos e respostas confortáveis, deixando a dirigibilidade mais branda. Na estrada, a estabilidade fica prejudicada por isso. Pesa contra ele os freios traseiros a tambor, enquanto o rival ostenta discos nas quatro rodas.
Acabamento não é o forte de nenhum deles, mas o Kicks aposta em uma variedade de texturas que mostra cuidado, mesmo que os materiais sejam simples. O modelo ainda tenta manter alguns apliques cromados, tem comandos com desenhos mais elegantes e menos botões sem função. Os bancos também têm desenho mais elaborado e tecidos de melhor qualidade.
Já o interior do T-Cross tem aparência despojada até demais, um erro considerando que o modelo é o mais caro e passa dos R$ 100.000. Painel e portas têm materiais em um tom claro de cinza que empobrece a cabine. Nem mesmo a faixa preta central ajuda a levantar a imagem.
As impressões se invertem na parte de fora, já que o Nissan mostra mais simplicidade por não ter faróis de neblina, repetidores de seta laterais (interferindo também na segurança), e ter calotas, enquanto o T-Cross usa rodas de liga-leve. Para ambos, o aro é de 16 polegadas e os pneus têm medida 205/60, visando o conforto.
Os dois SUVs têm em comum 6 airbags, controles de estabilidade e tração, luzes diurnas e lanternas traseiras de LED, direção elétrica, faróis automáticos, assistente de partida em rampas, volante com ajuste de altura e profundidade, e central multimídia.
Só o Kicks tem câmera de ré de fábrica, mas o T-Cross rebate com sensores de estacionamento traseiros, faróis de neblina com função de curva e central multimídia mais moderna, com tela maior (10,1 polegadas, contra 7 no Kicks) e mais intuitiva – isso sem contar a conexão sem fio para Android Auto e Apple CarPlay. Apesar disso, o sistema não oferece nenhum botão físico além dos instalados no volante. Eles fazem falta, especialmente um giratório para aumentar e diminuir o volume.
Os modelos também mostram equilíbrio quando o assunto é espaço interno. Ambos têm problemas no banco traseiro causados pelo alto túnel central que atrapalha o ocupante do meio, algo comum entre grande parte dos modelos modernos. Assim, levam bem apenas quatro ocupantes.
Mas é o no T-Cross que os passageiros vão mais confortáveis pelo ótimo espaço para pernas e ombros. Isso não quer dizer que falta espaço para ocupantes no Kicks, que também leva bem os ocupantes do banco traseiro, mas sem sobras. Ele recupera a pontuação no porta-malas de 432 litros, contra 410 do T-Cross. A diferença pode até parecer pouca, mas é suficiente para encaixar uma mala de mão a mais.
O T-Cross se mostra superior em dirigibilidade, espaço interno e modernidade do conjunto mecânico, mas cobra muito mais por isso. Assim, o Kicks faz valer a economia de quase R$ 10.000 com bons equipamentos, acabamento superior e comportamento suave. De qualquer forma, os dois modelos podem ser boas opções para fugir um pouco da mesmice. É uma pena que o mercado os rejeite, fazendo com que os conjuntos só estejam disponíveis em versões tão simples.
Veredicto
Apesar de mais simples e menos moderno na mecânica, o Kicks vence por ter um conjunto mais racional com bom nível de equipamentos e comportamento amigável.
Teste de desempenho – Nissan Kicks Sense MT
- Aceleração
0 a 100 km/h: 11,1 s
0 a 1.000 m: 32,7 s – 157,7 km/h
Velocidade máxima: 173 km/h (dado de fábrica) - Retomadas
40 a 80 km/h: 7,2 s
60 a 100 km/h: 11,4 s
80 a 120 km/h: 16,4 s - Frenagens
60/80/120 km/h a 0: 15/28,1/62,1 m - Consumo
Urbano: 13,1 km/l
Rodoviário: 15,7 km/l - Ruído interno
Neutro/RPM máx.: 42,6/66,9 dBA
80/120 km/h: 64/69,8 dBA - Aferição
Velocidade real a 100 km/h: 93 km/h
Rotação do motor a 100 km/h em 5a marcha: 2.900 rpm
Volante: 3 voltas - Seu Bolso
Preço: R$ 98.190 - Condições do teste
alt. 660 m; temp., 25,5 °C; umid. relat., 62%; press., 1.012,5 mmHg
Ficha técnica – Nissan Kicks Sense MT
- Motor: flex, dianteiro, transversal, 4 cil., 1.598 cm3; 114 cv a 5.600 rpm, 15,5 kgfm a 4.000 rpm
- Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
- Direção: elétrica
- Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
- Freios: disco ventilado (diant.), tambor (tras.)
- Pneus: 205/60 R16
- Peso: 1.104 kg
- Dimensões: comprimento, 431 cm; largura, 176 cm; altura, 159 cm; entre-eixos, 261 cm; tanque, 41 l; porta-malas, 432 l
Teste de desempenho – Volkswagen T-Cross 200TSI MT
- Aceleração
0 a 100 km/h: 10,5 s
0 a 1.000 m: 31,9 s – 164,9 km/h
Velocidade máxima: 183 km/h (dado de fábrica) - Retomadas
40 a 80 km/h: 5,9 s
60 a 100 km/h: 7,5 s
80 a 120 km/h: 10,4 s - Frenagens
60/80/120 km/h a 0: 15,3/26/58,5 m - Consumo
Urbano: 13,8 km/l
Rodoviário: 17,1 km/l - Ruído interno
Neutro/RPM máx.: 35,9/62 dBA
80/120 km/h: 60,3/67,1 dBA - Aferição
Velocidade real a 100 km/h: 98 km/h
Rotação do motor a 100 km/h em 6a marcha: 2.200 rpm
Volante: 3 voltas - Seu Bolso
Preço: R$ 106.430 - Condições do teste
alt. 660 m; temp., 27,5 °C; umid. relat., 75%; press., 1.011,5 mmHg
Ficha técnica – Volkswagen T-Cross 200TSI MT
- Motor: flex, dianteiro, transversal, 3 cil., turbo, 999 cm3; 116/128 cv a 5.500 rpm, 20,4 kgfm a 2.000 rpm
- Câmbio: manual, 6 marchas, tração dianteira
- Direção: elétrica
- Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
- Freios: disco ventilado (diant.), disco sólido (tras.)
- Pneus: 205/60 R16
- Peso: 1.226 kg
- Dimensões: comprimento, 419,9 cm; largura, 176 cm; altura, 156,8 cm; entre-eixos, 265,1 cm; tanque, 52 l; porta-malas, 420 l