Na década de 70, quando Manaus era um dos roteiros mais procurados para compras de produtos estrangeiros na recém-criada Zona Franca, nem o mais imaginoso futurólogo poderia vislumbrar que a região seria palco de uma disputada corrida pelas motocicletas.
Pioneira, a Honda chegou lá em 1976. Hoje, dezenas de marcas esticam um olho para o mercado brasileiro, e o caminho para ele passa pelo maior rio do mundo. O mercado nacional saltou de 574000 motos emplacadas em 2000 para 1,9 milhão em 2008. A crise financeira abateu-o em 2009, mas o número final de 2010 deve ficar próximo do recorde de 2008 (produção de 2,3 milhões de motos), em torno de 1,8 milhão de unidades produzidas. O setor projeta 3 milhões de motos em 2013. A área de duas rodas deve terminar 2010 como a segunda em faturamento do PIM (Polo Industrial de Manaus), abaixo dos eletroeletrônicos.
A Abraciclo, a associação dos fabricantes, engloba dez associados, todos instalados em Manaus: Traxx, Sundown (Brasil em Movimento), Dafra, Bramont (que já montou diversas marcas em CKD, como Ducati, Triumph, Husqvarna e Malaguti, e hoje monta os quadriciclos Polaris), Harley-Davidson, Kasinski (CR-Zongshen), Honda, Yamaha, J. Toledo/ Suzuki e Kawasaki. Também na selva estão a Iros, a Garinni e a Haobao, fora da entidade. Fym, AME-Amazonas, MTD e Miza têm aprovação da Suframa para instalar-se no PIM, mas não o fizeram. A maioria monta motos e scooters chineses, com as exceções da H-D e das marcas japonesas, além de algumas Kasinski, da Coreia do Sul.
Segundo Gustavo Igrejas, coordenador- geral de acompanhamento de projetos industriais da Superintendência da Zona Franca de Manaus, Suframa, existem no PIM atualmente 23 fabricantes de motos com projeto aprovado (11 delas não iniciaram produção) e 66 empresas de componentes com projeto aprovado (seis delas sem produzir). Essas empresas empregam cerca de 30000 trabalhadores (14000 nos fabricantes de motocicletas e 16000 nos fabricantes de componentes), sendo que só as de moto somam mais de 3,7 bilhões de reais em investimentos no polo.
Além da liberação do Imposto de Importação, as empresas se livram do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), na hora da venda, e pagam menos ICMS e Pis/Cofins em relação a outras regiões. “Uma indústria de motocicletas não é competitiva fora de Manaus”, diz Moacyr Alberto Paes, diretor executivo da Abraciclo.
Também a flexibilização na questão da nacionalização facilitou a vida das montadoras. Hoje não é preciso aplicar inicialmente nenhum percentual de peças nacionais, apenas de processos de trabalho, os PPBs, Processos Produtivos Básicos. Assim, o motor não pode vir fechado, montado no exterior. Entretanto, o quadro, para até 20000 unidades por ano, pode vir soldado de fora. Esse ponto – a soldagem do quadro – está em discussão na Suframa, a Superintendência da Zona Franca de Manaus, e deve ser alterado em breve, alerta Paes.
Igrejas, da Suframa, afirma que, “historicamente, a média de componentes de origem regional utilizados nas motos produzidas no PIM é de 45%, a média de componentes nacionais é de 30% e apenas 25% dos componentes vêm do exterior”.
As motos de maior cilindrada – e menor escala de produção – são montadas em Manaus com 100% de componentes importados, em sistema CKD. Cláudio Rosa, presidente da CR Zongshen/ Kasinski, diz que sua empresa (que acaba de inaugurar novas instalações na cidade) estará presente em todos os segmentos de mercado, inclusive acima de 1000 cc. Rosa não confirma, mas há rumores no mercado de que a Kasinski estaria negociando com a Piaggio/Aprilia para a fabricação das motos italianas na Amazônia. E a Ducati, por sua vez, teve seu interesse em se instalar em Manaus divulgado pela Suframa.
LONGA VIAGEM A logística é complicada. Balsas com até 6000 motocicletas navegam 1700 km em quatro dias pelo rio Amazonas até o porto de Belém, no Pará, de onde embarcam em carretas para as outras regiões do país. Até São Paulo, por exemplo, são quatro dias de viagem de caminhão, no mínimo, por mais de 3000 km de estradas em mau estado.
Estivemos em algumas das mais significativas fábricas de Manaus: Honda, Yamaha, Kawasaki e Dafra, que abriga a montagem da BMW.
Há dois grupos principais de operações: as linhas de montagem que recebem as motocicletas prontas (desmontadas) do exterior e as agregam na região; e as que constroem os produtos a partir de matérias-primas, com processos industriais complexos como fundição, usinagem, estamparia, sinterização e pintura.
A Honda, por exemplo, pioneira na região e líder isolada do mercado brasileiro, com cerca de 77% das vendas, mantém em Manaus a mais verticalizada de suas fábricas em todo o mundo, de acordo com Mário Okubo, assessor de relações institucionais.
Na Amazônia, a Honda faz grande parte das peças de suas motocicletas mais vendidas, as utilitárias e 125 e 150 cc, o que inclui rodas, escapamentos, blocos de motor, estamparia e solda de tanques, fundição de alumínio e de materiais plásticos etc.
O complexo industrial de Manaus inclui três empresas Honda: a HTA, de ferramentas e moldes; a MCA, de componentes e peças; e a HDA, de montagem final de motocicletas. Segundo Okubo, a Honda tem capacidade para 2 milhões de motos por ano, e trabalha atualmente com uma produção de cerca de 7100 motos por dia, o que resulta em 1,7 milhão de motos por ano.
A fábrica é impressionante. Abriga 30000 funcionários, entre diretos e indiretos, e continua a se expandir. Além de motos, produz quadriciclos, motores de popa e geradores.
A outra empresa visitada que integra o rol das indústrias que partem da base é a Yamaha. Embora posterior na região – chegou em 1985 -, e de operação menos vertical, também executa muitas das operações internamente. O gaúcho Genoir Pierosan, da administração da fábrica, recebeu-nos em visita pela indústria, lamentando a perda dos mercados de exportação, causada pelo câmbio favorável ao real. Até agosto, a Yamaha, vice-líder do mercado brasileiro, produziu 128150 motocicletas, o que representa quase 11% do total nacional.
Kawasaki e Dafra também têm estruturas de montagem muito profissionais, mas sem o relevo das grandes indústrias pesadas. Laboratórios e robôs de teste e solda são as estrelas.
Na Kawasaki, o vice-presidente Naoki Matsumoto conduziu-nos numa visita às instalações industriais, em galpões alugados de 10000 metros quadrados, em que os atuais seis modelos da linha da empresa são montados, a partir de componentes importados do Japão. As metas são produzir 10000 motos este ano e o dobro em 2011, quando a marca terá alcançado algo em torno de 10% do mercado, pelos planos do executivo.
A Dafra, assim como a Kawasaki, é novinha em folha. Em suas três linhas de montagem (capacidade de 400000 unidades/ano), monta motos de pequena cilindrada. A maior parte é da chinesa Haojue, com quem tem contrato de fornecimento de tecnologia, mas também há marcas associadas (as motos levam o logo original, além do da Dafra, o que não acontece com a Haojue), como a taiwanesa Sanyang e a indiana TVS. José Lemos, diretor industrial, e Victor Trisotto, diretor de desenvolvimento, confirmam que a marca tem estudos para atuar em todos os segmentos, até de maior cilindrada. Há rumores, não confirmados pela empresa, de negociações da Dafra com as italianas Benelli e MV Agusta.
A BMW, que atua nas instalações da Dafra em uma operação de montagem da G 650 GS, começou timidamente, mas está acelerando firme. Já monta em Manaus 12 motos por dia. Parece pouco, mas em Berlim, na fábrica principal da marca da hélice, são produzidas 18 F 650 GS (é a mesma moto, só muda a inicial) por dia.
Se o mercado continuar aquecido, Manaus reserva boas surpresas.