Coisas do Brasil: estão transformando Gol, Fusca e Uno em elétricos
Processo pode custar mais caro que o valor do veículo e regularização é complicada, mas há quem tente e até empresas que ofereçam o serviço
A busca por carros elétricos tem crescido no Brasil. No entanto, o aumento da demanda caminha a passos lentos devido ao alto valor para compra.
Atualmente, em território nacional, o modelo 100% elétrico mais barato disponível é o Renault Zoe, que custa R$ 149.990.
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Por conta dos valores pedidos pelas marcas, a saída encontrada pelos brasileiros é a conversão de carros populares a combustão em elétricos.
Esse processo existe há mais de uma década por aqui e um dos precursores da ideia foi o militar e engenheiro de computação, Elifas Gurgel.
Carregando um dos nomes mais marcantes da indústria nacional, Elifas participou de um workshop nos Estados Unidos em 2008 e trouxe a ideia quatro meses depois para realizar a primeira transformação.
Quando chegou ao Brasil, comprou um Volkswagen Gol zero-quilômetro para iniciar o projeto de conversão.
Segundo ele, o modelo foi escolhido por ter manutenção barata, peças de reposição de fácil acesso, peso menor que 1.000 quilos e também por ser um veículo popular.
Ele encomendou um kit da empresa norte-americana EV America, que continha: motor elétrico, controlador do motor e bomba de vácuo.
Além disso, foi adquirido um banco com 40 baterias de íon-lítio de 180 Ampère cada, importado da China.
Com todos os componentes do antigo sistema sendo retirados em oficina especializada e a montagem do conjunto elétrico também feita por especialistas, seu projeto teve um gasto total de R$ 60.000 – fora o custo do veículo, que valia R$ 25.000 na época.
O novo propulsor do Gol tem uma potência de 70 cv e sua bateria de 24 kWh gera uma autonomia de 150 km. Para a carga completa, o veículo tem de ficar conectado à tomada por oito horas.
Segundo ele, o processo de conversão foi complicado devido ao ineditismo do projeto, ou seja, existia um grande problema em encontrar as peças necessárias para construção. Muitas vezes, elas tinham que ser produzidas do zero ou adaptadas.
Mas a dificuldade da produção foi esquecida quando Gurgel teve de enfrentar o complicado e extenso processo de regularização do veículo, que o dono do Gol elétrico considerou a parte mais difícil do projeto.
“Eu peguei o kit para conversão e apresentei os componentes para a Câmara Temática de Assuntos Veiculares (CTAV), do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Pedi o apoio dos conselheiros para alterar a legislação de uma forma que fosse possível realizar a conversão legalmente”, afirmou o construtor.
O pedido foi aceito e foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 16 de abril de 2010, a Portaria nº 279, do Denatran, que altera o Anexo II da Resolução nº 291, de 29 de agosto de 2008, do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), permitindo a regularização da conversão do veículo a combustão em elétrico.
Já era um grande passo para chegar ao seu objetivo, mas a conversão só poderia ser feita por empresas que fossem homologadas e autorizadas pelo Denatran.
Então, para finalizar o processo, Elifas abriu a empresa 4GVE. Com a parte burocrática acertada, o projeto teve de passar por uma série de testes para comprovar sua segurança – inclusive, houve a adição dos sistemas de airbags e ABS, que não equipavam o modelo.
O Gol foi aprovado na avaliação e recebeu novo registro e documento, passando a se chamar: Volkswagen Gol 4GVE elétrico EGA – tornando-se o primeiro veículo convertido a elétrico autorizado a rodar legalmente no país.
O sucesso do projeto de Elifas Gurgel e também a conquista da possibilidade de regulamentação das conversões permitiram que outros construtores tentassem novos projetos. Até empresas foram criadas para realizar a conversões.
Um desses casos é o do engenheiro mecânico Denis Vaneti, que retirou o motor refrigerado a ar de seu Fusca 1972 para adotar o conjunto elétrico.
Vaneti tinha o veículo há cinco anos e mantinha sua originalidade, até que viu um projeto de conversão para o carro em um canal estrangeiro de televisão.
A partir daí, iniciou uma longa pesquisa para entender a fundo o processo de transformação do veículo e todos os componentes necessários para o trabalho.
Ele tinha por objetivo realizar uma mudança barata e acessível, além de ajudar o meio ambiente retirando de circulação um motor antigo e poluente.
Vaneti encontrou uma outra forma de produzir seu veículo utilizando como base o conjunto que equipa empilhadeiras elétricas industriais.
O principal diferencial dos demais projetos é que o conjunto possui assistência técnica para os componentes, porque as peças são fabricadas no Brasil. Além disso, não possuem custo elevado, tornando-se mais acessível para as pessoas.
Com o sistema definido, foi iniciada a remoção do antigo motor a combustão, que deu lugar a um motor elétrico (usado) de 7 cv, este conectado à transmissão original do carro adaptada.
Para o engenheiro, a principal dificuldade do projeto foi fazer as ligações elétricas, por não ter muito domínio do trabalho.
“Alguns dos componentes que comprei não eram compatíveis e tive que reconfigurá-los para que todos ficassem em uma mesma linguagem de comunicação. Assim, o sistema começou a funcionar”, afirmou.
O motor é alimentado por seis baterias de chumbo tracionárias de 130 Ampère cada. São mais caras que as estacionárias (usadas em veículos comuns), mas suportam mais carga.
Elas podem ser carregadas em tensão 110 ou 220 Volts, e demoram cerca de seis horas para chegar à carga total. Com 100% da capacidade, as baterias geram uma autonomia de 70 quilômetros.
De acordo com Vaneti, desde o início a ideia era realizar uma conversão de baixo custo, para que mais pessoas tivessem acesso. Ao que parece, obteve êxito, porque declara ter gasto R$ 13.000 para concretizar o projeto.
Além disso, ele calcula que a economia seria considerável: de R$ 300 ao mês com combustível contra aproximadamente R$ 40 em recargas. Na parte de manutenção, passaria a ter que trocar apenas o carvão do motor elétrico – um custo anual de R$ 160.
O projeto se mostrou viável, mas tem uma pendência importante: ainda não está regularizado, o que significa que Vaneti está proibido por lei de circular com seu Fusca elétrico em vias públicas.
“Infelizmente, não consigo legalizar o meu por ter comprado as peças já usadas ou como sucata, e não tenho nota de tudo. Além disso, eu mesmo fiz a conversão e não uma empresa especializada”, diz Vaneti.
Tal dificuldade deverá ser superada em breve, já que Vaneti pretende seguir com as conversões e busca, nos próximos modelos, trabalhar de modo a conseguir a regularização. O Fusca, assim, ficará como protótipo.
Especialistas
O processo de transformação dos veículos abriu oportunidades não só para construtores individuais, mas também para a abertura de empresas especializadas, como o caso da Electro, localizada em Uberaba, Minas Gerais.
A empresa criada pelo engenheiro civil e analista de sistemas Maurício dos Santos, realiza o trabalho há 10 anos e garante a regularização de quatro modelos: VW Fusca, Renault Kwid, Ford Ka e Fiat Fiorino.
Para ele, é importante que os interessados se atentem ao peso do veículo e considera os mais leves melhores para adaptação. Por isso, busca sempre aplicar em veículos próximos de uma tonelada ou menos.
O empresário afirma que outros veículos também podem ser transformados e legalizados, porém, há um valor adicional de cerca de R$ 9.000 a ser pago pelo dono do automóvel, porque a empresa possui código de homologação apenas para os veículos citados acima.
As conversões partem de R$ 55.000 e demoram em média 30 dias para ficarem prontas.
Os principais componentes do kit para o projeto são: motor elétrico, controlador do motor, bateria de íon-lítio, BMS – dispositivo que distribui igualmente o carregamento das baterias –, contator – responsável por ativar o motor – e marcador de nível de carga.
O conjunto dá ao veículo 70 cv de potência, alinhado a uma bateria de 14 kWh que pode gerar 100 quilômetros de autonomia. O construtor afirma que já existem baterias com 200 quilômetros de autonomia que podem ser usadas.
Questionado sobre a viabilidade do projeto, Santos afirma que as conversões são interessantes para quem utiliza bastante o veículo durante o dia.
“A conversão é viável para quem anda em média 150 quilômetros, 200 quilômetros [por dia]. Ou, então, não queira trabalho com revisão e seja apaixonado por um carro elétrico”, diz.
Segundo ele, o principal problema enfrentado é o alto custo com as baterias de íon-lítio, que para gerar uma autonomia de 100 quilômetros têm um custo estimado de R$ 40.000.
O empresário ainda afirma que, embora tenha uma economia entre 70% e 80%, por se tratar de um investimento alto, o retorno acontece em longo prazo e isso prejudica a busca por conversões.
“Talvez se as baterias tivessem uma produção nacional, o número de conversões aumentaria significativamente.
O pensamento vai ao encontro do que acredita Elifas Gurgel, que afirma que as transformações de carros a combustão em elétricos têm crescido lentamente.
De acordo com Gurgel, fazer um projeto igual ao dele, com peças importadas dos Estados Unidos e China, é inviável nos dias de hoje devido à valorização do dólar frente ao real, que deixa os componentes ainda mais caros.
A Abravei (Associação Brasileira de Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores) também acredita que os valores pedidos pelos componentes dificultam a expansão dos projetos.
“As baterias utilizadas pelos veículos elétricos ainda são caras. Então, um projeto de conversão não sairá barato”, disse a associação em resposta ao contato de QUATRO RODAS.
A busca em baratear o processo de conversão pode ter o final infeliz da não regularização do modelo, assim como aconteceu com Denis Vaneti, citado acima na matéria.
Para quem ainda busca a transformação de um veículo, a possibilidade de legalização é um grande incentivo para o projeto se tornar real. No entanto, vale lembrar que uma série de requisitos deve ser alcançada.
De acordo com o Inmetro, “a modificação de veículos rodoviários automotores com propulsão à combustão interna, objetivando se tornarem elétricos, está prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e nas legislações de trânsito vigentes (Resoluções do Contran e Portarias do Denatran).”
No entanto, o veículo tem de passar por avaliação com base nos requisitos técnicos do Regulamento Técnico de Qualidade (RTQ) 24 e da Portaria Inmetro nº 30/2004, para que seja aprovado e possa trafegar de forma “segura”.
Os testes devem ser feitos por organismos de inspeção acreditados (OIA) pelo Inmetro. Só assim será possível obter o Certificado de Segurança Veicular (CSV), que autoriza circular com a documentação regularizada.
Embora seja um processo difícil para realizar conversão e também a regularização, o padrão usado pelos construtores é trabalhar com carros leves e com baixa autonomia, porque assim não será necessário muito investimento em desempenho, o que reduz os gastos com o projeto.
Além disso, utilizar veículos populares pode ser uma solução de grande valia, tendo em vista a maior facilidade em encontrar peças para reposição.
Por fim, é válido ressaltar que a montagem deve ser feita por empresa especializada que emita notas e comprove que a conversão é realmente segura para o usuário.
Lembre-se: não é permitido rodar com veículo transformado sem que haja laudo técnico que torne a mudança legalizada.