Brasil x México: por que pagamos tão mais caro para fazer e comprar carro
Estudo da Anfavea aponta que carro brasileiro custa até 44% mais para produzir. Na concessionária, diferença chega a 33%
Um estudo divulgado nesta semana pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veiculos Automotores) aponta que um mesmo carro tem custo de produção por vezes até 40% mais alto no Brasil do que no México.
Segundo o levantamento, apenas a tributação brasileira é responsável por uma diferença que pode variar de 21 a 28 pontos percentuais.
Isso porque, enquanto o sistema mexicano é formado por um imposto única, o IVA, cuja alíquota é de 16% sobre a venda, o nosso é composto por três tributos: ICMS (12%), PIS/Cofins (11,6%) e IPI (que varia de 7% a 13%, a depender da capacidade cúbica do motor).
Levando-se em conta os custos de fabricação de maneira isolada, a diferença pró-México é de 18 pontos percentuais, sempre de acordo com a Anfavea.
Ou seja: enquanto um veículo sai de uma linha de montagem nacional tendo custado 100 pontos percentuais, um equivalente feito no México terá custado 81,9 pontos.
Desses 100, as fabricantes instaladas no Brasil pagam em média 8,1 pontos percentuais a mais na aquisição de materiais e componentes junto a fornecedores, o que representa sozinho 55% da diferença nos custos especificamente produtivos.
Segundo a Anfavea, boa parte dessa discrepância se explica pela incidência de impostos sobre materiais e componentes adquiridos junto a fornecedores. É o famoso efeito cascata de nossa carga tributária.
Na sequência aparecem: custos trabalhistas e encargos sociais (3,3 pontos); logística (2,9 pontos); custos de fabricação (2,8 pontos); despesas administrativas (1,6 ponto).
Assim, pelo estudo da Anfavea, mesmo que um carro brasileiro não recebesse a incidência de nenhum imposto no ato da venda, ainda assim seu custo seria equivalente ao do mesmo modelo feito no México já com o IVA aplicado.
Já com as alíquotas cheias, sempre seguindo os dados da entidade, a cada 100 pontos de custo de um carro mexicano, um mesmo veículo produzido no Brasil custaria entre 137 e 144 pontos.
Preços na prática
Outro apontamento da Anfavea é que, mesmo com aplicação da carga tributária brasileira sobre veículos importados do México (com quem nosso país possui acordo de livre-comércio desde o início deste ano) e vice-versa, o Brasil ainda sai perdendo.
Um carro mexicano custaria 12 pontos a menos em relação a um nacional para ser comercializado aqui. Na outra ponta, o nosso seria 24 pontos mais custoso quando vendido lá em comparação com um equivalente feito no local.
Na prática, um carro produzido no México chega ao Brasil custando em média 33,25% mais do que o valor cobrado pelo mesmo modelo, em versão equivalente, no próprio mercado mexicano. Veja cinco exemplos na tabela abaixo (com valores convertidos de pesos mexicanos a reais):
Modelos importados do México ao Brasil | Preço México | Preço Brasil |
VW Tiguan Comfortline 250 TSI | R$ 104.200 | R$ 149.990 |
Chevrolet Tracker LT 1.4 AT | R$ 71.600 | R$ 92.590 |
Kia Sportage 2.0 LX | R$ 77.900 | R$ 112.990 |
Nissan Sentra 2.0 CVT | R$ 58.505 | R$ 85.790 |
VW Jetta Comfortline 250 TSI | R$ 68.700 | R$ 109.990 |
Por outro lado, carros produzidos em nosso país chegam ao consumidor do país do chili, em média, 22,54% mais baratos do que o que nós, brasileiros, pagamos pelas versões equivalentes de um mesmo modelo.
Esse último dado é o que costuma colocar em descrédito as reclamações das fabricantes brasileiras contra o chamado “custo Brasil”. Para muitos críticos, ela evidencia a outra faceta da moeda, o vulgo “lucro Brasil”. Confira:
Modelos Brasil-México | Preço Brasil | Preço México |
Fiat Strada Adventure 1.8 MT CD | R$ 79.990 | R$ 61.050 |
Fiat Fiorino 1.4 MT | R$ 63.490 | R$ 47.920 |
VW Gol 1.6 MT | R$ 52.760 | R$ 39.600 |
Renault Captur Intense 2.0 AT | R$ 91.690 | R$ 64.050 |
Ford Ka 1.5 MT | R$ 52.440 | R$ 47.500 |
QUATRO RODAS procurou a Anfavea para obter uma justificativa sobre esse destoamento sempre favorável ao mercado mexicano, independentemente do país de produção. E, de acordo com a associação, a diferença no caso das exportações seria explicada por três fatores.
Primeiro: o carro nacional exportado chega ao México pagando apenas o IVA local, ficando livre do conjunto de impostos cobrado dos compradores brasileiros.
Segundo: os governos federal e estaduais concedem isenções de IPI, PIS e ICMS às fabricantes que exportam veículos, referentes à correção de impostos embutidos na aquisição de componentes junto a fornecedores, que encarecem o produto.
O desconto desses valores é levado em conta na formulação do preço para exportação, embora, segundo a Anfavea, os subsídios não venham sendo pagos em sua integralidade há alguns anos.
Pelos cálculos da entidade, diferentes governos estariam devendo à indústria automotiva mais de R$ 13 bilhões em créditos tributários. O estado de São Paulo, sozinho, seria responsável por quase metade dessa dívida.
Por fim, como se tratam de acordos entre filiais de uma mesma companhia, é possível, segundo a Anfavea, haver uma negociação de subsídios internos na conversão de moedas (já que os contratos são firmados em dólar), a fim de adequar o preço do produto à realidade do mercado onde ele será comercializado.
Ainda assim, é preciso fazer uma ponderação: seja nos casos de modelos importados ou exportados, os SUVs são os veículos com diferença percentual mais discrepante.
Por exemplo, tanto o nacional Renault Captur quanto os estrangeiros Volkswagen Tiguan e Kia Sportage são mais de 30% mais caros aqui do que no país da América do Norte.
Mera coincidência ou indício de que, além de tudo, o brasileiro tem percepção de valor distorcida em relação ao valor de determinados tipos de veículo, como os utilitários esportivos?
Isso abriria espaço para que as fabricantes aplicassem margens de lucro maiores para os SUVs vendidos no Brasil em relação ao México. E explicaria por que as empresas automotivas querem tanto investir nesse tipo de veículo por aqui.
Capacidade de exportar
Para a Anfavea, as principais vantagens competitivas do México são, além da carga tributária, são: a possibilidade de negociar com fornecedores globais; incentivos para Pesquisa & Desenvolvimento; escala de produção; capacidade de adequação a legislações de mercados mais desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa.
Um exemplo disso é que, enquanto o país mais ao norte da América Latina exportou 3.253.859 veículos em 2018, o Brasil conseguiu exportar apenas 629.175 unidades no mesmo período.
Só que aqui vale outra ponderação, relacionada a um fator geográfico amplamente favorável ao México: o país é vizinho dos Estados Unidos, que sozinho compra quase 75% dos carros exportados por sua indústria.
Ao mesmo tempo, o maior mercado importador dos carros brasileiros também é um vizinho, só que a Argentina (55%), que além de ser um mercado muito menor que os EUA, está há anos (para não dizer décadas) vivendo uma forte crise econômica.
Para os mexicanos, tal privilégio facilita não somente o aumento do volume produtivo: significa que os veículos fabricados terão maior valor agregado, pois serão voltados ao consumidor americano.
Façamos o comparativo: enquanto os cinco modelos mais produzidos em solo mexicano no ano passado foram Nissan Sentra, Jeep Compass, Chevrolet Silverado, Volkswagen Jetta e Nissan Versa, quase todos veículos de porte médio e grande, por aqui o top 5 é formado por Chevrolet Onix e Prisma, Hyundai HB20, Ford Ka e Volkswagen Gol.
Seja pelos tributos, pelo custo Brasil, pelo lucro Brasil, pela geografia ou por qualquer outro motivo, o fato é: no comparativo com o México, nós sempre saímos perdendo, seja ao produzir ou comprar um carro.