A foto acima pode até parecer um laboratório ou a cena de um filme de ficção, mas ela é o futuro das oficinas mecânicas que pretendem reparar carros elétricos e híbridos no Brasil.
A fita isolante e os avisos espalhados pela sala fazem parte da oficina-escola do Senai criada em parceria com a BMW a fim de ajudar no desenvolvimento de mão de obra treinada para atuar especificamente na manutenção e identificação de problemas que ocorrem com carros elétricos.
“A corrente elevada das baterias presentes em modelos híbridos e elétricos exige que os mecânicos tenham procedimentos e ferramentas exclusivos para essa atividade”, explica Emílio Paganoni, gerente de treinamento da BMW.
Isso inclui isolar a bateria, usar luvas de borracha para 1.000 V e até ter um gancho na oficina feito para afastar uma pessoa que estiver sendo eletrocutada do objeto energizado.
O cuidado é tão elevado que, quando a bateria do carro está passando por manutenção em seu sistema elétrico de alta-tensão, somente profissionais certificados podem ficar próximos ao veículo — daí a necessidade da faixa isolando a área.
Outra diferença é que, dependendo do conserto a ser feito, a única opção do reparador será trocar todo o componente. “A reposição de cada módulo da bateria de um elétrico é relativamente fácil, mas a manutenção interna deles só deve ser feita pelo seu fabricante ou por empresas especializadas”, detalha Andreas Nöst, responsável pela área de bateria e controle térmico do Audi e-tron.
A única parte menos complexa é a remoção do conjunto, que normalmente é fixado em uma só estrutura metálica. Mas ela ainda exige uma plataforma elevatória móvel para sustentar e transportar o peso das baterias, que no i3 chega a 253 kg.
Custos extras
O custo de treinamento dos funcionários ficará por conta de cada oficina, que tende a repassar o valor para o cliente. No entanto, isso não será exatamente um problema no Brasil a curto prazo, por um motivo simples: quase não há oficinas mecânicas aptas a fazer reparos nos carros híbridos e elétricos.
Para piorar, é possível que as fabricantes de automóveis dificultem a manutenção de seus modelos por oficinas independentes. O único alívio que os proprietários podem ter é que quase toda a frota eletrificada do Brasil está, em teoria, coberta pela garantia de fábrica – que chega a oito anos para modelos como Prius e Fusion Hybrid.
Quando chegar a hora do reparo, porém, há um problema ainda mais crítico: o descarte das baterias. Nem as fabricantes decidiram o que fazer, mas uma das soluções estudadas poderá beneficiar as próprias oficinas.
A Audi considera a possibilidade de seus concessionários usarem os acumuladores do e-tron como no-break, já que eles podem suprir a energia de uma residência por até dez dias. A reciclagem é outra opção, mais ecológica — e cara. De qualquer forma, o oficina do futuro será mais parecida com uma empresa de tecnologia do que com uma mecânica.
Direito de propriedade ou do proprietário?
Uma polêmica que vem crescendo em outros países tende a surgir no Brasil em breve: os direitos da fabricante e as restrições de manutenção de seus carros.
Para reparar o BMW i3, primeiro elétrico a chegar ao Brasil, é necessário um equipamento especial (foto acima), que gera um código de verificação após analisar a bateria.
Essa sequência deve ser colocada no carro para que seu sistema eletrônico consiga se comunicar com a bateria. Sem isso, nem a bateria e nem o carro funcionam. E a BMW não tem planos de vender ou disponibilizar esse equipamento para oficinas independentes.
Em geral, as empresas alegam o direito de propriedade intelectual, pois todos os equipamentos foram desenvolvidos por elas ou suas parceiras. Por outro lado, clientes defendem que têm direito de fazer o que bem entender (e com quem quiserem) com seus automóveis.
A tendência no futuro, porém, é que as montadoras abram o código de seus softwares para ampliar a oferta da rede de reparação em locais sem suas autorizadas.