Quando Civic Si e Golf GTI disputaram a “final” dos esportivos nacionais
Em jogo, a tradição de família do Golf GTI contra a juventude do desafiante Civic Si. Objetivo: ostentar, em 2007, o título de melhor esportivo nacional
Texto originalmente publicado em abril de 2007
O acinzentado do céu evoluía rápido para um chumbo pesado. Era questão de pouco tempo para começar a chover. Apesar de ter potência de sobra sob o pé direito, não podia ultrapassar o limite de velocidade. Quando apontei o Civic Si no Campo de Provas da GM, em Indaiatuba (SP), o Golf GTI já estava a postos, me esperando. Foi o tempo de estacionar o carro próximo do rival amarelo para começar a cair o mundo.
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Fiquei ali, sentado, olhando os dois carros, um de frente para o outro. De um lado, o GTI, um emblema que brilha entre os esportivos nacionais desde que a sigla estampava as laterais do Gol. Do outro, o desafiante. O Si, que vem de uma família com tradição na fabricação de pequenos foguetes (alguém se lembra do Civic VTi de 167 cv que andou “e muito” por aqui nos anos 90?). Os dois disputarão o título de melhor esportivo nacional de série mais rápido e com tração traseira.
Como a chuva não dava trégua, comecei a reparar nas linhas de cada um deles. Não fossem as cores, os dois passariam despercebidos no trânsito. O que mais chama atenção é o aerofólio traseiro do Si, fixado na tampa do porta-malas. O Golf ostenta a condecoração GTI na grade e na tampa traseira e tem faróis com máscara negra. As lanternas também vêm com máscara negra, ante o vermelho das versões mais mansas do VW.
O Si traz sua credencial na lateral, onde a sigla i-VTEC, que se refere ao comando de válvulas variável, insinua que ele é de briga. As rodas aro 17, mesma medida utilizada pelo Golf, e as luzes indicadoras nos retrovisores, assim como no EXS, além da grade dianteira exclusiva, são os outros sinais particulares.
Estilo sempre conta, mas nessa categoria não tem peso máximo. Neste nicho, desempenho e dirigibilidade estão no alto da lista de prioridades dos compradores com desprendimento para gastar cerca de 100.000 reais. Em qualquer roda de amigos em que performance seja o assunto, sempre existirão duas correntes. De um lado, os fãs dos motores aspirados. Do outro, aqueles que gostam de extrair potência com sobrealimentação, seja por meio de turbo, seja por compressor. Aqui, temos o confronto dessas duas escolas.
Cavalos mágicos
A versão anterior do GTI tinha 180 cv. Agora tem 193. Assim, manteve o cinturão de esportivo nacional mais potente. Para somar 13 cv ao motor, a Volks fez duas modificações. Aumentou a pressão da linha de combustível, que passou de 0,7 para 0,8 bar, e remapeou o software da injeção. E adicionou mais uma função ao carro: a de identificar que combustível está no tanque.
Não, ele não virou flex. Estamos falando de gasolina comum ou de alta octanagem. Se no tanque houver gasolina premium (acima de 95 octanas, segundo a fábrica), o motor vai trabalhar com o ponto de ignição adiantado em até 5 graus. Na prática, ele retarda a faísca da vela, aumentando a compressão da mistura.
Com isso, extrai mais energia do combustível, gerando a cavalaria extra. Um sensor de antidetonação atua para evitar pré-detonação. E se o novo GTI for abastecido com gasolina comum? Aí o encanto desaparece e a carruagem volta a ser puxada pelos 180 cv.
Já o Si trilhou outro caminho para chegar aos 192 cv. O motor parcial (bloco de alumínio, virabrequim, pistões e bielas) é o mesmo do Accord 2.0, que tem 150 cv. Basicamente, a Honda melhorou a admissão e o escape, acrescentando um comando de válvulas mais bravo. Trabalhou os dutos do cabeçote e aumentou o diâmetro das válvulas. O coletor de admissão agora é de alumínio e tem comprimento fixo. Seu desenho foi pensado para otimizar o desempenho.
O motor do Si tem uma versão diferente do i-VTEC encontrado em outros carros da marca. Se no Accord apenas uma das duas válvulas de admissão se abre em baixas rotações, no Si o sistema trabalha acionando as duas, sempre visando mais mistura na câmara de combustão. O sistema também atua no tempo de abertura das válvulas de escape. O sistema de escape também foi modificado, para “expirar” melhor.
Os quatro coletores convergem para apenas duas saídas, que mais à frente são unificadas. Para fechar o pacote, a Honda trabalhou a parte intermediária do sistema de escape com o objetivo de proporcionar um ronco mais grave ao esportivo. Funcionou.
No campo de provas de Limeira, testamos os dois carros de olho no tempo de aceleração. Si e GTI praticamente empataram nessa prova. O Honda conseguiu a média de 7,9 segundos e o Golf foi 1 décimo mais lento, abastecido com combustível de alta octanagem. Com gasolina comum, seu número piora para 8,7 segundos. Nas retomadas, a disputa continuou apertada e o GTI foi 3 décimos mais rápido de 80 a 120 km/h em quinta marcha.
Até no consumo os dois andaram próximos. Com a média de 8,7 km/l, o GTI é mais econômico na cidade. E, com 13,1 km/l, o Honda agrada quem viaja mantendo a média de 100 km/h. Já as máximas não puderam ser aferidas, por conta de reformas na pista circular da GM.
De volta à quarta-feira nublada e molhada, estamos na D1, pista do Campo de Provas da GM feita exclusivamente para testes de suspensão. Metade dela tem piso irregular. A outra é um tapete, que tem um trecho de alta velocidade e uma serra, com curvas fechadas.
Nas primeiras voltas, andei prestando mais atenção nas respostas da suspensão onde havia ondulações. Nesse aspecto, o GTI, que transmite as imperfeições do piso para o volante, é pior. Na hora de absorver tais ondulações, empate: em ambos a tripulação vai enfrentar os sacolejos da “turbulência”.
Em seguida, resolvi acelerar de verdade, devidamente escoltado pelo controle de estabilidade (chamado de ESP no Golf e de VSA no Si). A suspensão do Volks é mais dura que a do Honda e a direção, mais leve e direta. Isso torna o Golf um pouco mais temperado que o Si, quando falamos de direção esportiva. Ele responde de forma mais arisca aos comandos do braço. O Si tem volante mais pesado e comportamento mais amistoso nas entradas de curva. Em termos de estabilidade, os dois são equivalentes.
No percurso, o Si se saiu melhor por ter seis marchas. Ainda que a sexta seja um overdrive, ela joga as outras cinco para baixo. Com isso, o motor está sempre cheio, com torque de sobra. Enquanto as curvas a bordo do Honda eram feitas em terceira marcha, no Golf ficava aquela dúvida: em segunda, a quase 5 000 giros (com o motor gritando), ou em terceira com o motor mais chocho? Essa característica torna o Si mais fácil de se guiar. Você consegue dosar melhor o acelerador no meio das curvas, saindo delas com mais controle sobre o carro.
Nas saídas de curva, era a vez de os controles de estabilidade se apresentarem. O do GTI é mais brusco. Você percebe as rodas sendo freadas e o motor sendo cortado. O do Si trabalha em silêncio. Em alguns casos, sua discreta atuação só era percebida pela luz amarela piscando no painel. Dando folga a esses assistentes, fica mais evidente a tendência do Si a sair de frente.
O GTI não ” e deve agradar aos condutores mais experientes. Escorrega com graça nas quatro rodas. Quando começa a sair de frente, a traseira acompanha, despertando o instinto automático de contraesterçar. Não é necessário. É aliviar o pé do acelerador que o GTI recupera a trajetória. Nem preciso dizer que esse é o tipo de manobra que só se deve fazer em pista.
O GTI pode até ser mais divertido para dirigir esportivamente. Mas o convívio diário é melhor com o Si, que tem interior mais amigável. A começar pelos 19 centímetros a mais de entre-eixos e pelo assoalho traseiro plano. Além disso, as modernas linhas do painel avançam sobre os ocupantes da frente, tornando o ambiente mais aconchegante.
A camurça preta no revestimento de bancos e portas também ajuda. As novidades do Si em relação ao Civic “normal” são os mostradores vermelhos e a shift-light, que fica ao lado do velocímetro, na parte superior do painel. O Golf é mais frio. Seu painel é afastado do motorista e os detalhes de alumínio aumentam a sensação.
Nos bancos, o GTI tem um couro que é tingido por trás com tinta laranja, que aparece na pequena furação do centro. A novidade do Volks está nos mostradores, que têm grafia exclusiva com iluminação e fundo brancos. Que não combinam com o rádio e o ar-condicionado, que mantiveram o vermelho e azul.
Nos dois, a posição de dirigir é boa. As regulagens dos bancos são manuais e as colunas de direção são ajustáveis em altura e profundidade. Acredite: você vai se sentir bem em qualquer um deles. O GTI agrada mais por ter emprestado o volante da quinta geração do Golf, vendida na Europa.
Ao segurá-lo, a impressão é a de que a marca tirou o molde da sua mão e fez o volante para você. Palma e dedos ficam em contato com o aro do volante o tempo todo. No Si, o equipamento é igual ao das outras versões, com pegada bem menos esportiva. Pelo menos é prático: carrega comandos do rádio e do piloto automático.
No conjunto, o Si é melhor. Se a estabilidade e o desempenho são equivalentes, o Honda entrega um câmbio mais bem escalonado, que permite melhor controle sobre o acelerador, uma direção mais amigável ” e isso inclui a suspensão, que vai tratar melhor você quando estiver na cidade ” e um interior mais espaçoso e mais aconchegante.
Ah, sim, nada como um dia após o outro. Do temporal para o céu de brigadeiro que colore essas fotos, foi questão de uma noite. Moldura perfeita para os mais esquentados carros nacionais de série.
Honda Civic Si – R$ 99.500
Preço do carro (estimado): R$ 99.500
Garantia: 3 anos sem limite de quilometragrem
Número de concessionárias: 123
Consumo cidade (km/l) (G): 8,0
Consumo estrada (km/l) (G): 13,1
0-100 km/h (s) (G): 7,9
Velocidade máxima (km/h) (G): 232 (dado de fábrica)
Ficha técnica:
Motor/posição: dianteiro / transversal
Construção/cabeçote/cilindrada (cm³): – 4 cilindros / 16V / 1998
Diâmetro/curso (mm): 86 / 86
Taxa de compressão: 11:1
Potência (cv a rpm): 192 a 7800
Torque (kgfm a rpm): 19,2 a 6100
Câmbio (tipo/marchas/tração): manual / 6 / dianteira
Direção (tipo/nº voltas): elétrica / 2,75 voltas
Suspensão dianteira: McPherson
Suspensão traseira: Duplo A
Freios (tipo/dianteiro/traseiro): hidráulico / disco ventilado / disco
Pneus: 215/45 R17 91V
Comprimento/entre-eixos (cm): 449 / 270
Altura/largura (cm): 145 / 174
Porta-malas (litros): 340
Peso (kg): 1322
Peso/potência (kg/cv) (G): 6,9
Peso/torque (kg/mkgf) (G): 68,9
Diâmetro de giro (m): 10,6
É tão estável quanto o rival e tem direção mais firme, elétrica. Além disso, foi melhor nos testes de frenagem.
Foi bem nos testes. Com relações de marcha encurtadas, a condução esportiva fica mais fácil. A alavanca de câmbio tem engates curtos e precisos.
O projeto é novo e mais avançado que o do GTI. Assim como o Golf, o visual é discreto ” isto é, se você fugir do vermelho e optar pelo preto ou prata.
É melhor que no Golf por ser maior e mais atual em termos de design e por ter o assoalho traseiro plano. A boa ergonomia também está lá.
Aqui, fica devendo os airbags laterais. No restante, vai bem.
A Honda pede R$ 99.500 pelo Si. Mas em algumas revendas paulistanas o carro era encontrado a R$ 107.000 em meados de março.
Volkswagen Golf GTI – R$ 90.000
Preço do carro (estimado): R$ 90.000
Garantia: 1 ano sem limite de quilometragem
Número de concessionárias: 635
Consumo cidade (km/l) (G): 8,7
Consumo estrada (km/l) (G) – 12,3
0-100 km/h (s) (G): 8,0
Velocidade máxima (km/h) (G): 231 (dado de fábrica)
Ficha técnica
Motor/posição: dianteiro / transversal
Construção/cabeçote/cilindrada (cm³): 4 cilindros / 20V / 1781
Diâmetro/curso (mm): 81 / 86,4
Taxa de compressão: 9,5:1
Potência (cv a rpm): 193 a 5500
Torque (kgfm a rpm): 25,5 a 1950
Câmbio (tipo/marchas/tração): manual / 5 / dianteira
Direção (tipo/nº voltas): hidráulica / 3 voltas
Suspensão dianteira: independente
Suspensão traseira: interdependente
Freios (tipo/dianteiro/traseiro): hidráulico / disco ventilado / disco
Pneus: 225/45 R17 90H
Comprimento/entre-eixos (cm): 415 / 251
Altura/largura (cm): 146 / 173
Porta-malas (litros): 330
Peso (kg): 1344
Peso/potência (kg/cv) (G): 7,0
Peso/torque (kg/mkgf) (G): 52,7
Diâmetro de giro (m): 11
Encara o Si de igual para igual quando se fala em estabilidade. A direção é mais leve e direta.
Com gasolina de alta octanagem, fez bonito na pista e andou junto com o Civic. Palmas para os engates.
O projeto é mais antigo. Mas a carroceria é bem construída. Resta saber se o visual vai cair no gosto do povo.
O painel do GTI está um pouco cansado. Mas a ergonomia e o bom acabamento continuam sendo pontos fortes.
Traz airbags frontais e laterais de série, assim como o ABS.
Se vendido a R$ 90.000, o GTI leva uma pequena vantagem na relação custo/benefício. Ainda assim, é um carro para poucos.
Veredicto
Trata-se de dois bons esportivos. Por sua concepção mais avançada, o Civic Si leva a melhor por ser mais equilibrado e dócil no dia a dia, sem ficar devendo em esportividade quando solicitado. Qualidades que compensam o investimento extra na hora da compra.