Longa Duração: o desmonte do Ford Ka
Tudo parecia bem até o último teste, aos 60.000 km. Mas, no desmonte, a surpresa...
O último Ford no Longa Duração decepcionou: em janeiro de 2014, o EcoSport se despediu reprovado. Pouco mais de um ano após a saída do SUV, outro Ford – tão ou mais promissor que o Eco – entrou para a frota.
Em fevereiro de 2015, compramos um Ka. Bem maior que a primeira geração, com motor três cilindros 1.0 de alta eficiência e um invejável menu de equipamentos de segurança, as vendas dispararam e, hoje em dia, o Ka é um dos modelos mais vendidos do Brasil.
Pelo nosso, versão SEL, com pintura metálica (Laranja Savana), pagamos R$ 38.610 – hoje, o zero-quilômetro está R$ 14.380 mais caro, R$ 52.990.
A desvalorização no mercado de usados, porém, não assusta: 17,1%, como mostrou nossa simulação de venda, em abril de 2016, quando ouvimos ofertas de até R$ 32.000.
Mas se no mercado o Ka mostra força e confiabilidade, o desmonte revela que, mecanicamente, ainda há o que melhorar.
Como todos os carros de Longa, o Ka foi submetido a um teste de pista completo aos 1.000 km e aos 60.000 km. “Em geral, os números de desempenho e consumo são bons indicativos para os trabalhos de desmonte. Se o carro perdeu saúde ao longo do teste, muito provavelmente ele vai piorar no segundo teste”, explica Fabio Fukuda, responsável pelos desmontes.
No caso do Ka, tudo parecia bem, inclusive com alguma melhora entre os testes. Mas nos 500 km percorridos após os 60.000 km, o desempenho desabou.
“Entre a oficina e minha casa, subo um trecho de serra. Fiquei espantado com a falta de fôlego. Na hora, percebi que algo estava errado”, disse Fukuda. E estava mesmo.
Com o motor em temperatura de trabalho, nosso técnico iniciou as análises. Com valor aferido de 2,7 bar com o motor em marcha-lenta e 2,8 bar a 3.000 rpm, tudo certo com a pressão de óleo – a fábrica tolera 3,2 em ambas situações, com variável (acima ou abaixo) de 15%. A grande decepção veio a seguir.
Na medição de pressão de compressão, média de 70 psi – muito abaixo, portanto, do valor mínimo de 101 psi tolerado pela Ford. “Estava explicada a apatia do motor”, disse Fukuda.
Com o início da desmontagem, fim do mistério. No cabeçote, válvulas de admissão com severo acúmulo de carvão denunciavam a falência dos retentores. Nas câmaras de combustão, a cabeça dos pistões ainda estavam com poucos sinais de contaminação.
“O problema é que boa parte do carvão que se soltou das válvulas, em algum momento, ficou entre a própria válvula e a zona de assentamento, comprometendo seriamente a vedação da câmara. Apesar de ser um dano quase microscópico, a consequência do espelhamento da superfície da zona de assentamento é terrível”, diz Fukuda.
Dada a velocidade do agravamento do caso, é provável que o nosso Ka ficasse ainda mais fraco. “A princípio, esse problema não parece ser um problema de projeto. Creio que seja algo isolado, específico da nossa unidade”, ressalta Fukuda.
Todos os demais componentes do motor analisados estavam dentro das especificações da fábrica.
Mais 60.000 km
Diferentemente do motor, o câmbio terminou o teste impecável. Anéis sincronizadores, luvas e garfos de engate, engrenagens e rolamentos: tudo estava em estado de novo. Até a embreagem chegou elogiada aos 60.000 km.
“Considerando que um disco novo tem 6,7 milímetros de espessura e o limite mínimo declarado pela Ford é de 5,2 mm, foi uma surpresa encontrar nosso carro com a peça com 6,15 mm. Acredito que o sistema aguentaria pelo menos outros 60.000 km”, disse Fukuda.
Freios e suspensão tiveram seus altos e baixos. Sem necessidade de manutenção no decorrer do teste, ambos os sistemas chegaram originais ao fim da jornada.
Nos freios, o disco esquerdo estava com 22,9 mm de espessura e o direito, com 22,93 mm, medidas surpreendentemente mais próximas das de um novo (23 mm) do que do limite mínimo tolerado pela Ford, 21 mm.
No entanto, o do lado direito foi encontrado com desvio lateral (empenamento) de 0,07 mm, ou seja, acima do limite de 0,05 mm. “Era ele o responsável pela leve trepidação sentida no pedal durante as frenagens”, diz Fukuda.
No freio traseiro, o cilindro direito foi encontrado com vazamento. “Parecia ser algo recente, pois o guarda-pó ainda conseguia manter o fluido em seu interior. Mas é certo que, com o tempo, o vazamento se agravaria e o fluido acabaria entrando em contato com as lonas”, diz Fukuda.
Na média, as lonas estavam com 3,09 mm de espessura, bem distante do limite de 1 mm estabelecido pela Ford.
Algumas reclamações de ruído na suspensão foram feitas ao longo do teste. E os responsáveis foram detectados no desmonte, todos na dianteira.
Bieletas e buchas de bandeja, danificadas, trabalhavam com ligeira folga e geravam o barulho que se ouvia na cabine. Mancais da barra estabilizadora, amortecedores e molas, porém, estavam em ótimo estado, assim como todo o conjunto traseiro.
A carroceria se mostrou protegida contra poeira e água. E revelou integridade dos demais sistemas. “A parte elétrica é adequadamente isolada e tem terminais bem travados e sem sinais de oxidação nos contatos. Para evitar barulho, os painéis de acabamento poderiam ter mais pontos de fixação. Mas os que existem são firmes”, diz Fukuda.
Aos 49.650 km, houve o problema de superaquecimento do motor, causado pelo subdimensionamento do fusível de proteção do eletroventilador do radiador (que acabou sendo trocado por outro, de maior capacidade, tanto nos carros que passaram por revisão quanto nas unidades novas saídas de fábrica).
Contribuiu para isso também o fato de o Ka não ter indicador de temperatura, apenas uma luz advertindo que o motor ferveu.
Outros problemas vieram da Ford, que criou uma revisão extra antes da primeira parada, fazendo com que alguns clientes, inclusive nós, caíssem em uma condição de perda de garantia.
Felizmente, após algum tempo, tudo se resolveu. Nas revisões, nada de empurrar serviços desnecessários, problema recorrente no primeiro Ka de Longa Duração, desmontado em junho de 2010.
Por outro lado, nenhuma autorizada conseguiu dar fim à dificuldade de fechar as portas e a tampa traseira.
Com mais virtudes do que defeitos (e destes, um único grave), o Ka se despede aprovado – mas com a ressalva de que há pontos a evoluir.
O QUE FOI APROVADO
Anéis, bielas: tudo certo no bloco
Mesmo com a severa carbonização das válvulas de admissão, não foram encontrados no bloco e em seus componentes sinais de ataque por pedaços de carvão desprendidos, como era de se esperar.
Suspensão
Amortecedores e respectivos batentes, todos em bom estado, mostraram-se bem preparados para nossas ruas esburacadas.
Desvio
Não raramente, carros do mesmo porte do Ka pedem troca de pastilhas e até de discos ao longo dos 60.000 km. O Ford chegou ao fim da jornada com os componentes originais.
Longa vida
No desmonte, todos os componentes do câmbio foram encontrados absolutamente livres de sinais de ataque.
Disco de sucesso
Destaque do desmonte, o conjunto de embreagem nem sentiu o teste: o disco, com baixo índice de desgaste, suportaria ao menos outros 60.000 km.
Expressão corporal
Desmontada, a carroceria se mostrou bem protegida contra a invasão de poeira e água, mantendo o bom nível do Ka anterior, testado em 2010.
O QUE MERECEU ATENÇÃO
Torce, retorce
O dano ainda era pequeno, mas o coxim inferior, responsável por controlar o movimento torcional do motor, foi encontrado com a borracha rompida.
Corpo de borboleta
Com o tempo, a sujeira poderia dificultar a movimentação da borboleta, levando o motor a responder inadequadamente ao acelerador.
Folgadas
Buchas de bandeja e bieletas trabalhavam com folga. Eram elas as responsáveis pelos barulhos na dianteira do carro.
Tambor de óleo
O discreto vazamento no cilindro da roda traseira até é aceitável em um carro com 60.000 km, mas também é verdade que raramente é encontrado tal problema nos carros de Longa Duração.
O QUE FOI REPROVADO
Invasão da câmara
Ao deixar de cumprir a função de impedir a passagem do óleo do cabeçote para as câmaras, os retentores ganharam o título de grandes vilões do motor.
“Partes do óleo carbonizado acabaram espelhando a zona de assentamento das válvulas, impedindo uma perfeita vedação. Era por ali que vazava a pressão de compressão”, diz o consultor técnico Fabio Fukuda.
Linha do tempo
Fevereiro de 2015: há um ano e quatro meses, o novo Ka estreava na frota. Seis anos atrás, o primeiro Ka de Longa Duração era desmontado, em junho de 2010.
Março de 2015: o manual do Ka indicava um plano de manutenção, o site da Ford dizia outra coisa. Chegamos a ser avisados de que a garantia estava cancelada.
Agosto de 2015: há tempos, os motoristas do Ka reclamavam do acabamento. A revisão dos 20.000 km resolveu alguns deles. Mas as portas, duras de fechar, persistiram nos 60.000 km.
Outubro de 2015: antes um carro ultracompacto, hoje ele atende famílias inteiras com uma cabine capaz de levar até algumas pranchas de surfe.
Novembro de 2015: o valor da quarta revisão assustou: R$ 920. Pelas três primeiras revisões do Volkswagen Up!, desmontado em 2015, pagamos R$ 933.
Dezembro de 2015: o Ka teve duas lâmpadas queimadas substituídas ao longo do teste: uma de seta e outra de placa. Por elas, pagamos salgados R$ 92.
Março de 2016: o motor ferveu! Na apuração do fato, achamos o culpado: um fusível subdimensionado. Mas o serviço de resgate da Ford funcionou bem – clique aqui para ler o relato completo.
Abril de 2016: se levarmos em conta a melhor oferta que ouvimos na simulação de venda, a desvalorização foi de 17%. Pena que, hoje, o mesmo Ka zero-quilômetro está 28,1% mais caro.
Veredicto
Com uma boa relação custo-benefício, o Ka não demorou a conquistar o consumidor. Espaçosa, moderna e com itens de segurança raros no segmento, a nova geração assumiu o posto de carro da família, algo impensável no primeiro Ka, um subcompacto caro, com apenas duas portas e espaço para quatro pessoas.
Mas o desmonte revelou que é cedo para comemorar: suspensão, freio e motor precisam mostrar mais confiabilidade.
Folha corrida
Preço de compra | R$ 38.610 (fevereiro 2015) |
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Quilometragem total | 60.131 km |
Quilometragem rodoviária | 43.465 km |
Quilometragem urbana | 16.666 km |
Combustível em litros (etanol) | 6.256,7 litros |
Custo de combustível | R$ 14.615,78 |
Consumo médio | 9,6 kml (etanol) |
Revisão dos 10.000 km | R$ 240 (Forte) |
Revisão dos 20.000 km | R$ 283 (Superfor) |
Revisão dos 30.000 km | R$ 428 (Studio) |
Revisão dos 40.000 km | R$ 920 (Mix) |
Revisão dos 50.000 km | R$ 445 (Caoa) |
Peças extras às revisões | Alinhamento, balanceamento e rodízio de pneus (R$ 745); lâmpadas (R$ 92) |
Custo por 1.000 km rodados | R$ 295,50 |
Ocorrências
12 km | Porta-malas e portas difíceis de fechar |
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3.822 km | Aviso de porta aberta acende inadvertidamente |
7.814 km | Rangido na coluna B esquerda |
13.915 km | Carpete solto na dianteira, junto à porta |
15.600 km | Tecido das portas traseiras soltos |
42.818 km | Lâmpada do pisca dianteiro queimada |
49.650 km | Motor ferveu |
56.442 km | Trepidação do pedal do freio |
60.461 km | Motor nitidamente mais fraco |
Testes
1.005 km | 60.000 km | Diferença | |
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Aceleração de 0 a 100 km/h | 15,6 s | 15 s | – 3,85% |
Aceleração de 0 a 1.000 m | 36,5 s / 141,7 km/h | 36,2 s / 143 km/h | – 0,82% / – 0,92% |
Retomada de 40 a 80 km/h (em 3ª) | 10 s | 9,4 s | – 6% |
Retomada de 60 a 100 kmh (em 4ª) | 15,3 s | 14,1 s | – 7,84% |
Retomada de 80 a 120 km/h (em 5ª) | 27,3 s | 24,8 s | – 9,16% |
Frenagens de 60 / 80 / 120 km/h a 0 | 16,6 / 30,3 / 70,1 m | 16,8 / 27,3 / 63,7 m | + 1,2% / – 9,9% / – 9,13% |
Consumo urbano | 9,5 km/l | 10,5 km/l | + 10,53% |
Consumo rodoviário | 12 km/l | 12,7 km/l | + 5,83% |
Ruído interno PM / RPM máximo | 42,4 / 74,8 dBA | 43,9 / 72,9 dBA | + 3,54% / – 2,54% |
Ruído interno a 80 / 120 km/h | 64,9 / 69,9 dBA | 63,9 / 69,3 dBA | – 1,54% / – 0,86% |
Ficha Técnica – Ford Ka SEL 1.0
Motor | flex, dianteiro, transversal, 3 cil., 997 cm³, 12V, 71,9 x 81,8 mm, 12:1, 85/80 cv a 6.500/6.500 rpm, 10,7/10,1 mkgf a 4.500/3.500 rpm |
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Câmbio | manual, 5 marchas, tração dianteira |
Direção | elétrica, 9,6 m (diâmetro de giro) |
Suspensão | independente, McPherson (diant.), eixo de torção (tras.) |
Freios | disco vent. (diant.), tambor (tras.) |
Pneus | 195/55 R15 |
Peso | 1.026 kg |
Peso / potência | 12/12,8 kg / cv |
Peso / torque | 95,8/101,5 kg / mkgf |
Dimensões | comprimento, 388,6 cm; largura, 169,5 cm; altura, 152,5 cm; entre-eixos, 249,1 cm; porta-malas, 257 l; tanque de comb, 51 l |
Equipamentos de série | ar-condicionado, direção hidráulica, travas e vidros elétricos, som, volante multifuncional, liga leve aro 15, alarme, banco do motorista com ajuste de altura, assistente de partida em rampa, controle de estabilidade e tração. |