Publicado originalmente em janeiro de 2003
A Ford anunciou o encerramento da produção de automóveis no Brasil. Com isso, fechará três fábricas: Taubaté (SP), Camaçari (BA) e a fábrica da Troller em Horizonte (CE) terão todas as operações encerradas até o fim de 2021.
A produção do Ka e do EcoSport na fábrica baiana foi paralisada imediatamente após o anúncio da decisão pela fabricante, em 11 de janeiro. É algo marcante: a fábrica, instalada em um polo industrial e vizinha a dezenas de fornecedores tinha um conceito completamente diferente do que se via na Ford 20 anos atrás, quando entrou em operação. E já foi considerada uma das mais modernas da empresa no mundo.
Ali nasceu o carro que salvou a Ford do Brasil, deficitária desde a saída da Autolatina, no início dos anos 1990. O Ford EcoSport chegava no início de 2003 como um carro completamente diferente do que havia à venda no Brasil àquela época. E foi assim por quase 10 anos, período em que a Ford nadou de braçada no badalado segmento dos SUVs compactos.
Mas não ter sabido lidar com a fama do EcoSport foi um dos erros da Ford que culminou em sua transformação de fabricante em importadora. Isso é assunto para outro texto. A seguir, confira o primeiro teste feito por QUATRO RODAS quando o EcoSport ainda era um protótipo (e que foi matéria de capa) e entenda porque ele fez tanta diferença no mercado brasileiro.
A posse da terra
O Ford EcoSport chega para ocupar espaço num terreno até hoje exclusivo dos importados. E olha que o jipinho não é fraco, não!
Por Luiz Guerrero
O Ford EcoSport foi a maior estrela do Salão do Automóvel de 2002. Brilhou mais até que a Ferrari Enzo, segundo as pesquisas feitas na época. As pessoas ficaram fascinadas pela perspectiva de ver uma grande montadora entrar num mercado tão atraente quanto inexplorado: utilitários esportivos pequenos.
Mas há três meses a única opinião que se podia ter sobre o jipinho era quanto à aparência, porque os dois modelos do Salão ficaram fechados e a uma calculada distância dos curiosos. E tome dúvidas: Virá com que motor? É tão valente como o desenho sugere? Ele é só um Fiesta com suspensão levantada?
As respostas para essas e outras questões estão neste teste exclusivo feito com um protótipo em fase adiantada de desenvolvimento. É praticamente o carro que chegará às concessionárias, com, se for o caso, algumas pequenas mudanças.
“Mas e o preço?”, já imagino você perguntando. O número oficial só será informado em fevereiro, no lançamento do EcoSport. Mas fique com uma projeção baseada em boas fontes na empresa: quem tiver cerca de 30.000 reais leva a versão mais simples 4×2 com motor 1.0 Supercharger de 95 cavalos, igual ao do Fiesta.
Por um pouco mais – entre 4000 e 5000 reais extras – pega-se o 4×2 com motor 1.6 Zetec Rocam de 98 cavalos. Haverá uma opção top a prováveis 60.000 reais com tração 4×4, câmbio automático e motor 2.0. Mais abaixo, aparecerá o carro que avaliamos, o EcoSport XLT 4×2, também com o bem resolvido motor Duratec 2.0 16V de 143 cavalos e que custará em torno de 40.000 reais. E esse, vale isso? Se comparar com a concorrência, em que o rival mais barato bate nos 50.000 reais, sem dúvida.
E, a julgar pelo que mostrou nos testes…
As primeiras boas impressões surgiram numa estradinha de terra, enquanto eu seguia o engenheiro Gilberto Geri, encarregado dos acertos finais de direção e suspensão nos projetos da Ford.
Num roteiro fora-de-estrada junto à fábrica da empresa, em Camaçari (BA), Geri disparou dentro de outro EcoSport, sem tomar conhecimento de pedras e buracos. Olhei para o velocímetro e ele marcava 80 km/h. Estava em quarta marcha. Olhei para a frente e o que me esperava no meio da nuvem de poeira era uma curva em ângulo fechado para a esquerda. Reduzi uma, duas marchas, pisei levemente no freio… E um suave contra-esterço no volante foi o bastante para corrigir a escapada de traseira.
Geri disse que optou por abrir mão do DNA Ford para utilitários ao trabalhar o sistema de direção com a suspensão mais alta. Em outras palavras, o motorista ficou livre daquele jeito bamboleante, resultado de suspensão macia e direção leve, que caracteriza os modelos americanos.
As respostas do EcoSport são rápidas, a direção é firme e o raio de giro, reduzido. Lembra a condução de um Toyota RAV4. Desse jeito fica divertido!
A suspensão é igual à do Fiesta, até o curso foi mantido. Mudam apenas os ajustes: as molas foram calibradas para compensar a carga lateral extra que vem do centro de gravidade mais alto, o eixo traseiro ganhou maior rigidez e foi adotada uma barra estabilizadora mais resistente na dianteira, com 18 milímetros de diâmetro.
Parece pouco, mas foi o suficiente para manter o equilíbrio do carro e a integridade dos rins dos passageiros, como constatei em outro circuito de terra, com obstáculos mais severos, no Campo de Provas da Ford em Tatuí (SP).
O EcoSport é montado sobre o monobloco e tem um subchassi onde foi fixada a suspensão McPherson dianteira, solução que ajuda na rigidez do conjunto. Toda a parte frontal da plataforma é comum ao Fiesta. Muda a parte traseira, que recebeu reforços na estrutura das longarinas.
A alteração mais vísivel está na altura em relação ao solo. Como foi pensado para receber uma transmissão 4×4 e enfrentar terrenos ruins, o carro tem generosos ângulos de entrada (28 graus) e de saída (34 graus), e boa distância livre do solo. O vão mais baixo, medido a partir do escapamento, fica a 18,3 centímetros do chão. Essas marcas facilitarão a vida da versão 4×4, assim como a suspensão independente nas quatro rodas e a transmissão da Mazda. Deve chegar no segundo semestre.
Seja 4×2 ou 4×4, a Ford afirma que o EcoSport resolveu o maior problema dos utilitários: quando é bom no fora-de-estrada, fica devendo na terra, e vice-versa. Não havia uma versão com tração integral para avaliarmos o comportamento do jipinho no barro mais pesado, mas o XLT 4×2 mostrou-se bem adaptado às trilhas que cruzamos.
Da terra parti para o asfalto, território em que a maioria dos compradores irá usar o EcoSport. Foi nesse piso que o motor 2.0 falou alto. Alto até demais: entre 2500 e 4000 rpm, a respiração do Duratec invadiu a cabine com um ruído forte. A compensação pelo incômodo vem com a elasticidade do equipamento. Ele é pródigo em força já em 1.500 rpm, o que dá confiança para encarar ultrapassagens sem reduzir marchas.
Em marcha lenta, o motor não transmite vibrações excessivas, graças, segundo a engenharia da montadora, aos pistões revestidos com materiais menos propensos a atritos e à eliminação de suportes para a fixação de bomba d”água, alternador e demais periféricos. A Ford garante que o Duratec 2.0 16V roda sem problemas até 240.000 quilômetros, mesma margem do Zetec Rocam.
Se faz bem a transição terra–asfalto, o EcoSport é 100% utilitário esportivo numa característica: a posição ao volante. Viaja-se com as pernas posicionadas na vertical, como em uma minivan, e em posição elevada. À frente, um para-brisa panorâmico, de 1,21 metro quadrado, 45% maior que o de uma Ranger. Banco e volante têm regulagem de altura. Procurei por pontos cegos e constatei que nem mesmo o estepe fixado na porta traseira atrapalha a visão. Os retrovisores com ajuste elétrico são generosos em área e as colunas, estreitas.
Com o carro na mão, acabei me entusiasmando e acelerei até o limite de corte do motor, aos 180 km/h. Só então percebi que o EcoSport não é um carro, e sim um utilitário esportivo, um veículo com centro de gravidade elevado.
O deslocamento da carroceria por causa dos ventos laterais a partir dos 120 km/h exige cautela. A alavanca de câmbio, posicionada na altura da mão direita, aciona uma transmissão nacional fabricada em Taubaté – a mesma iB5 do Fiesta, mas identificada pela sigla iB5 Plus por conta dos reforços na carcaça, na coroa e no pinhão, para tolerar o maior torque (18,2 contra 15 kgfm).
Com as três primeiras marchas curtas e uma relação de diferencial calibrada para tirar proveito da energia do motor, as trocas são rápidas, receita infalível para tornar a condução prazerosa. Dias mais tarde, na pista de teste em Limeira (SP), o EcoSport comprovou a boa disposição.
Os números foram animadores, a começar pelo 0 a 100 km/h em 9,7 segundos, boa para um veículo com uma relação entre peso e potência de 8,2 kg/cv.
Na retomada de 40 a 100 km/h em quinta marcha, o EcoSport cravou 20,9 segundos, sinal de elasticidade do motor. Nas retomadas que simulam ultrapassagem, como no 80 a 120 km/h em quarta marcha, a média foi de 10,6 segundos, garantia de segurança na estrada.
O protótipo cedido para as medições veio com acabamento melhor que o do outro testado na Bahia. É o que explica as médias até razoáveis de ruído em marcha lenta (42,7 decibéis) e na simulação de viagem de cruzeiro, a 120 km/h (70 decibéis). A média de consumo também agradou: os 7,9 km/l na cidade e os 11,9 km/l na estrada são razoáveis para um carro da categoria. E, na prova que checa a aceleração lateral, uma das referências para se medir a estabilidade do veículo, saiu-se bem, com 0,90 g. Por fim, na última prova, a de frenagem, parou com equilíbrio em todas as passagens.
Como chega depois, o EcoSport teria tudo para ser considerado apenas a versão fora-de-estrada do Fiesta. Na verdade, o projeto do jipinho já tinha um ano quando a nova geração do hatch começou a ser criada. Foi o escritório de design de Dearborn, na sede mundial da Ford, nos Estados Unidos, que traçou as linhas principais.
Em 1997, houve uma divisão de caminhos. A corrente europeia optou por um veículo mais urbano. Daí surgiu o Fusion, em 2002, um meio-termo entre minivan e compacto. Na corrente sul-americana, ou basicamente brasileira, a preferência foi para um utilitário esportivo pequeno, resistente e com bom preço.
A mesma filosofia de robustez, durabilidade e custo competitivo seria empregada na construção do Fiesta, anos mais tarde. Mas, se o EcoSport nasceu primeiro, por que o Fiesta chegou antes? Segundo a Ford, o desenvolvimento de um automóvel é mais simples que o de um utilitário, que exige acertos mais complexos pelo tipo de uso.
O desenho do carro segue os conceitos básicos dos utilitários Ford: as laterais foram claramente inspiradas no Escape e a parte dianteira conta com elementos da nova Explorer, lançada em 2001. O mesmo arranjo de para-choque saliente, construído em plástico deformável e apoiado por duas “garras” verticais, deve ser seguido em outros modelos da marca com inspiração fora-de-estrada.
O estepe fixado na porta traseira foi uma solução adotada para poupar área livre em relação ao solo, ampliar a capacidade do porta-malas, mas também para dar mais agressividade ao veículo. Todo o projeto foi desenvolvido com pneus 195 em aro 15, iguais aos do Fusion, mas os técnicos concluíram que a medida 205 com perfil 65 ajudaria a melhorar a estabilidade. Outros elementos estéticos que reforçam a aparência de topa-tudo, como os estribos laterais, serão opcionais vendidos pelos revendedores.
Ao olhar o EcoSport, enxergam-se traços até da antiga Cherokee, mas não de Fiesta. Ao vivo, ele parece ter mais que os seus 423 centímetros de comprimento por 173 de largura e 157 de altura (respectivamente 32, 6 e 12 centímetros maior que o Fiesta). Também a distância entre-eixos, de 249 centímetros, parece maior por causa do volume da carroceria.
O porta-malas é amplo e pode ser alcançado sem esforço pela porta-traseira, acionada por um eficiente amortecedor horizontal de dois estágios. No protótipo avaliado, o acabamento é melhor que o do Fiesta. Ainda está aquém de agradar aos mais exigentes, mas melhorou. O volante, comum aos dois modelos, é mais agradável ao tato e a superfície dos plásticos, menos áspera.
O painel segue a mesma arquitetura e solução de peça única injetada para redução de ruídos, mas tem ângulos retos mais marcantes e console central vertical com novo desenho, como no Fusion.
O quadro de instrumentos mantém disposição e iluminação comuns às do Fiesta, mas ganhou retoques no grafismo do indicador de nível de combustível para facilitar a leitura. Só não gostei do desenho dos bancos, com seus assentos curtos, sem apoio para a dobra da perna, e encosto abaulado. Os técnicos da Ford juraram que não são os modelos definitivos. A conferir.
No banco traseiro, mais uma vez, apenas o formato do banco incomoda. Há bom espaço para os joelhos, para os pés sob os bancos dianteiros e muito espaço para a cabeça. Mas o encosto não abriga bem as costas e os ombros. Depois de andar cerca de 500 quilômetros no EcoSport, pude tirar uma boa conclusão: é melhor a revista já começar a guardar dinheiro para uma futura aquisição do teste de Longa Duração.
Queijo suíço
Dentro do Ecosport não faltam nichos e cavidades para guardar grandes e pequenos objetos
No princípio eram porta-copos só nos carros americanos. Hoje, a marca que não oferecer porta-trecos perde pontos. No EcoSport são 13, de todos os formatos e profundidades, incluindo uma grande bandeja plástica sob o banco do carona e uma abertura no forro da tampa do porta-malas. Nas versões sem airbag do passageiro, a cavidade do lado direito do painel pode virar uma geladeira com capacidade para seis latas refrigeradas por uma saída do ar-condicionado.
Motor 2.0 é mais barato que o 1.6
Se o motor Duratec 2.0 (ao lado) fizer sucesso no Brasil, a Ford deve agradecer à conexão mexicana
A Ford do Brasil nunca esteve tão próxima do México – e a nova fábrica de Camaçari, na Bahia, é estratégica nessa relação. Os mexicanos são os maiores compradores externos da empresa brasileira. Da linha baiana partem os Fiesta que representam metade do total de 315,3 milhões de dólares em exportação registrados pela montadora de janeiro a novembro (a outra metade é formada pela venda do Ka e da Courier).
E da fábrica mexicana de Chihuahua chegam os Fiesta Sedan e, a partir de agora, o motor Duratec 2.0 16V do EcoSport. Mesmo equipamento usado no Mondeo, o motor poderá ser instalado em futuros modelos da família Amazon e em outros carros da empresa. Não bastasse ser mais moderno, o Duratec é mais barato que o Zetec do Focus por conta do acordo automotivo entre o México e o Mercosul, bloco de países que reúne Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A negociação prevê, para os produtos vendidos de lado a lado, redução da tarifa de importação de peças dos usuais 12% para zero.
O Zetec chega da Inglaterra, via Argentina. Com bloco e cabeçote de alumínio, o Duratec é 18 quilos mais leve que o Zetec, que tem bloco de ferro, e mais generoso na distribuição de torque. A montadora diz que não há nenhum projeto para equipar o Focus com o motor mexicano.
Além do 2.0, a fábrica de Chihuahua também produz o 1.8 e o 2.3 da mesma família. A linha equipa o Escape, o menor utilitário esportivo Ford nos Estados Unidos, a Ranger e o Mazda Tribute, jipe que emprestará a tração integral ao EcoSport. O modelo também será mandado para o México a partir do segundo semestre. E, mais tarde, deverá atravessar a fronteira rumo aos Estados Unidos, para onde também será exportado na configuração 4×4 automática.
Ficha técnica – Ford EcoSport 2.0 XLT
Motor
Dianteiro, transversal, 4 cilindros, 16V; Cilindrada 1999 cm3; Diâmetro x curso 87,5 x 83,1 mm; Taxa de compressão 10,1:1; Potência 143 cv a 6000 rpm; Potência específica 71,5 cv/litro; Torque 18,2 kgfm a 4500 rpm
Câmbio – Mecânico 5 marchas, tração dianteira
1ª 3,55:1
2ª 2,05:1
3ª 1,41:1
4ª 1,11:1
5ª 0,88:1
Ré 3,62:1
Diferencial 4,07:1
Rpm a 100 km/h em 5ª 3000
Carroceria
Utilitário esportivo, 5 portas, 5 lugares
Comprimento 423 cm
Largura 173 cm
Altura 157 cm
Entre-eixos 249 cm
Capacidades
Tanque 45 litros
Porta-malas 281 litros
Peso 1180 kg
Peso x potência 8,2 kg/cv
Suspensão
Molas helicoidais e amortecedores hidráulicos
Dianteira – Independente, tipo McPherson, braços inferiores, barra estabilizadora
Traseira – Semi-independente, com eixo auto-estabilizante do tipo twist beam
Freios
Disco na dianteira e tambor na traseira, com ABS
Direção
Pinhão e cremalheira, com assistência hidráulica
Rodas e Pneus
Liga leve, aro 15; Pirelli P4 Cinturato, 205/65 R15
Principais equipamentos de série
Ar-condicionado, ABS, airbag duplo, vidros, travas e espelhos elétricos, conta-giros, direção hidráulica, volante com regulagem de altura, banco do motorista com regulagem de altura, limpador e lavador do vidro traseiro, tomada de 12V no porta-malas Principais equipamentos opcionaisBancos de couro, tomada para viva-voz
Preço básico
40.000 reais (estimado) – R$ 136.769 em 2020 (IGP-M)