Dirigimos o McLaren Senna, um carro de corrida feito para as ruas
Hiperesportivo de 800 cv leva 2,8 segundos para chegar aos 100 km/h
São 2,8 segundos. É o que o bólido inglês leva para ir da inércia aos 100 km/h. Ou 6,8 s, se você mantiver o pé cravado no acelerador até os 200 km/h.
Igualmente surpreendente é a capacidade de frenagem: 200 a 0 em meros 100 metros. São números dignos de carro de corrida, ainda que o McLaren Senna seja na teoria um carro de rua. Mas não dá para disfarçar: ele é um carro de corrida.
Na prática, o que diferencia as máquinas que só podem rodar em circuitos fechados daquelas que conseguem levar você de casa ao escritório é a homologação. Para rodar em autódromos não é necessário ter airbags, controle de estabilidade, sensores de estacionamento ou faróis de led com iluminação diurna.
Também não é preciso atender a programas de emissão de poluentes, nem passar por testes de colisão. O carro que você vê nas fotos conta com os equipamentos citados e atendeu às exigências que o credenciam (pelo menos legalmente) para rodar em vias públicas.
Isso não quer dizer que o Senna consiga rodar tranquilo pelas ruas do bairro, nem que seja uma boa escolha para levar a sogra à missa de domingo ou ir ao velório do seu primo. Isso seria pior do que comprar um SUV de 2 toneladas e tração integral para ir almoçar no shopping ou buscar as crianças na escola (oh, wait!).
Esse carro de corrida que paga IPVA foi projetado para descolar a alma do seu corpo toda vez que você provoca o V8 4.0 biturbo de 800 cv posicionado a dois palmos atrás dos assentos (são só dois). O motor M840TR é uma variante mais potente do propulsor que equipa o 720S e está conectado a uma transmissão de dupla embreagem e sete marchas.
Quando está ligado, e girando a até 7.250 rpm, você sente a vibração pulsante atravessando toda a carroceria de fibra de carbono como se os coxins não tivessem borracha, só adamantium. Na pista, a sensação de pilotagem é visceral. Não há isolantes acústicos na cabine para camuflar o ronco das saídas centrais localizadas entre as lanternas traseiras.
A falta proposital de acabamento atende a dois requisitos. Em primeiro lugar, mais material no interior resulta em aumento de peso. Vazio, o Senna tem 1.198 kg, o que faz dele o carro de rua mais leve já criado pela marca.
Outra ideia era deixar à mostra a fibra de carbono para ressaltar o cockpit feito totalmente com esse material mais forte que o aço. Trata-se de uma verdadeira célula de sobrevivência ultraleve (tem 94 kg).
Aliás, poucos carros fazem uso tão maciço de elementos nobres da haute cuisine automotiva: discos de freio de cerâmica, pneus com composto exclusivo, carroceria de fibra de carbono, longarinas de alumínio, Alcantara, titânio, tudo. É mais ostentação do que comer caviar de colher, direto da lata.
Os discos são enormes: 390 mm em ambos os eixos, o que equivale a uma roda de 15 polegadas. Outra comparação: um carro compacto de baixo custo costuma usar peças de 240 mm. Nem os calçados Pirelli PZero Trofeo R escapam da exclusividade.
Feitos sob medida, têm compostos específicos para abuso em circuito fechado. Durante o test drive, foi possível notar pedaços de borracha virando chiclete para ajudar o carro a permanecer grudado no asfalto.
Conforto é uma palavra que parece não constar no projeto desse McLaren – mesmo caso do Chevrolet Celta. O chefe de produto da empresa me disse, sem rodeios, que essa não era a prioridade dos engenheiros.
Ainda assim, o McLaren Senna tem ar-condicionado, o sistema de som é da grife Bowers & Wilkins, a direção tem assistência eletro-hidráulica e o volante foi recoberto com Alcantara.
Talvez você não esteja convencido quanto ao visual. Veja só: mesmo dentro da McLaren os traços não são unanimidade. Mais uma vez, com pura sinceridade britânica, o pessoal da empresa diz que a função veio antes da forma. Não há traço sem razão nem entrada de ar sem necessidade.
Eficiência aerodinâmica são palavras de ordem no modelo britânico. E isso nos leva aos flaps dianteiros em frente às caixas de roda e ao aerofólio traseiro ativo.
A asa pesa míseros 4,8 kg (eu levantei uma com minhas próprias mãos), mas suporta até 100 vezes o próprio peso em pressão de ar – quase 500 kg (gostou, Plymouth Superbird?). Contabilizando a aerodinâmica da carroceria e ajustes eletrônicos, são 800 kg de downforce a 250 km/h – a velocidade máxima é de 335 km/h.
Minha aventura atrás do volante do Senna foi no autódromo de Estoril, em Portugal, onde Ayrton Senna venceu sua primeira corrida na Fórmula 1. O controle de estabilidade ajustável (Comfort, Sport, Track e Race) estava regulado para Track e, nesse modo, a calibração é bem diferente do que se encontra nos BMW, Porsche ou Mercedes.
Um pai Liberal
Nessas marcas, as coleiras eletrônicas de fato tentam impedir o motorista de se matar e corrigem eventuais erros ao volante.
O ESP da McLaren é como um assistente que não se preocupa muito com o chefe, nem tenta esconder as bobagens que ele faz. Está mais para um pai liberal que deixa o namorado da filha adolescente dormir no quarto dela (e com a porta fechada).
Senti isso na pele idiotamente tentando corrigir saídas de traseira que eu provoquei por absoluta incompetência. Lutei para domar tanta força –um torque indecente de 81,6 mkgf. É um carro cuja relação peso/potência não passa de 1,5 kg/cv.
No entanto, é possível dosar a letalidade do ESP pelo recurso Variable Drift Control. Ele permite que a traseira tente ultrapassar a dianteira ou corta o acelerador ao menor sinal de derrapagem, conforme ajustes que o motorista realiza na tela touch no painel.
Apenas 500 unidades serão produzidas e todas já têm dono. Essa estratégia de tiragens limitadas é comum aos modelos da marca e leva modelos exclusivos a valores astronômicos no “mercado de usados”. Em 2015, um McLaren F1 1998 mudou de mãos por US$ 10 milhões.
Somente duas unidades do Senna estão destinadas ao Brasil. Outros 40% da produção irão para os EUA e 30% ficarão na Europa. Com dois carros produzidos por dia, a expectativa da empresa é finalizar as entregas dentro de um ano.
Veredicto
Faz jus ao nome: é uma máquina para os fortes e não aceita mimimi de quem estiver ao volante. Mas custa uma fortuna e… quem vai arriscá-lo na pista?
Ficha técnica – McLaren Senna
- Preço: R$ 5 millhões (estimado)
- Motor: gas., tras., longit., V8, 32V, biturbo, 3.994 cm3, 800 cv de 7.250 rpm, 81,6 mkgf de 5.500 a 6.700 rpm
- Câmbio: automatizado, 7 marchas,
tração traseira - Suspensão: braços duplos (diant. e tras.)
- Freios: disco vent. de cerâmica nas quatro rodas
- Direção: eletro-hidráulica, diâmetro de giro, 12,9 m
- Pneus: 245/35 R19 (diant.) e 315/30 R20 (tras.)
- Dimensões: compr., 474,4 cm; largura, 215,3 cm; alt., 122,9 cm; entre-eixos, 267 cm; peso, 1.198 kg