Opinião: como o morango do amor ajuda a entender a mesmice dos carros atuais
Como as tendências da internet refletem o comportamento da sociedade e crescem os olhos da economia – e como isso se liga aos carros

Se você está vivendo neste mundo, certamente foi impactado de alguma forma pelas últimas trends da internet. Nos últimos meses, muito se falou sobre Bobbie Goods, livros com desenhos “fofos” para colorir, e, mais ainda, sobre os morangos do amor, uma espécie de releitura da clássica maçã do amor.
São tendências cujas origens nem sempre são identificadas e que não ficam entre as maiores maravilhas modernas, mas que viram os principais assuntos das redes por semanas, sejam em aprovações, reprovações ou simplesmente por memes de sátiras.
Confesso que me incluo no último grupo: apenas compartilhei memes e não tive vontade alguma de adquirir as calorias do tal morango do amor. Porém, entre uma piada e outra, me peguei pensando e problematizando sobre eles.
Os morangos com a casca de açúcar pigmentada são o reflexo de uma sociedade que tende ao efeito manada, com decisões e vontades baseadas no que outras pessoas têm ou fazem. “Eu preciso experimentar”, diria o influenciado, que pode ser incluído ainda na FOMO (Fear of Missing Out), uma síndrome de quem tem medo de perder algo, de ficar de fora de algo.

Mas você não errou de publicação, está na QUATRO RODAS. É que enquanto eu problematizava sobre os morangos, fiz uma relação entre eles e seus vieses comportamentais com o mundo dos carros. A começar pelos SUVs, que crescem ano a ano após o início de uma tendência desenfreada. De janeiro a julho de 2025, o segmento representava 54% do mercado brasileiro – um salto em relação aos 48% do mesmo período em 2024.
Assim como os morangos do amor, os SUVs até têm seus predicados, mas não são as melhores opções do mercado. Porém, por serem tendência, (quase) todo mundo quer ter um para sentir-se na moda, para não ficar de fora. Para aquecer o segmento, novas subcategorias surgem.
“Eu preciso experimentar/eu não posso deixar de ter/eu não posso ficar de fora disso”, é o que pensa quem tem a síndrome de FOMO. E o que pensa a indústria e economia ao ver mais uma tendência de sucesso
O mesmo vale para itens de design ou tecnologia. Quem não quer, hoje, grandes (e até exageradas) centrais multimídia, quadros de instrumentos digitais com inúmeras informações (que tornarão difícil encontrar as principais), lanternas de led que vão de um lado a outro na traseira (que tornam difícil identificar à noite se é um Porsche, um GWM ou um Hyundai), luzes nas grades frontais (para poluir o visual noturno) ou interiores com poucos botões físicos (para dificultar o acesso rápido às funções)? Modas que apareceram e que, em alguns anos, deverão sumir, já que, apesar do desejo coletivo, tornam o mercado sem personalidade. Tem sido tudo muito igual, e isso pode prejudicar a imagem e a história das marcas.

Por outro lado, tudo isso também tem um viés econômico, além do comportamental, seja para o bem, seja para o mal. As fabricantes criam diversas variações de SUVs e incluem seus modelos às modas para ganhar mais dinheiro, mas isso também faz a economia girar e com que vendedores levem mais dinheiro para casa. O mesmo vale para o morango do amor. Enquanto confeiteiras garantiram a comida na mesa com a moda, empresas e produtores faturam dobrando os preços das caixas de morango in natura. Cada um busca se aproveitar como pode.
Jornalista e designer, se atenta ao que se vê e se sente nos carros. Ama esportivos e pistas, e sabe apreciar novas tecnologias.