No último dia 15, em entrevista à Reuters, o secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Uallace Moreira, informou que o Governo retomará os impostos de importação sob veículos elétricos e híbridos.
A decisão gerou debate dentro do meio automotivo tendo quem seja a favor e contra. Mas afinal, quais serão os impactos disso no mercado?
Primeiro, vamos explicar o que está acontecendo. Desde o Governo de Dilma Rousseff, os carros elétricos estão isentos de imposto de importação.
Ou seja, qualquer montadora que queira importar veículos elétricos para o Brasil não pagará o imposto de 35% que incidem sobre os carros a combustão. Híbridos, por sua vez, pagam taxa de 4%.
O projeto do Governo é que tanto elétricos como híbridos também cheguem aos 35% de imposto no decorrer de três anos, em um aumento gradativo. A taxação seria um estímulo para a produção de carros elétricos no Brasil. “O que a gente pode fazer para estimular a produção local? É dificultar um pouco ou encarecer a importação”, disse Uallace Moreira à Reuters.
O secretário ainda acrescentou dizendo que a taxação defenderá a produção local, em um momento onde montadoras já começam a anunciar investimentos no Brasil.
Atualmente, a Toyota é a única que produz carros eletrificados no país, com a dupla Corolla e Corolla Cross. A Caoa Chery monta híbridos-leve no país, enquanto a Stellantis (que engloba marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) anunciou que terá híbridos-leve fabricados no Brasil a partir de 2024, com híbridos e híbridos plug-in previstos para o futuro. A Volkswagen prepara um novo plano de investimento para viabilizar seus híbridos flex.
O prazo para o início da taxação, assim como todo o resto do plano ainda deverá passar pela aprovação do Ministro da pasta, Geraldo Alckmin, o que poderia acontecer nos próximos dias. Mas não vai acontecer.
Fabricantes instaladas no Brasil tentavam inserir a questão do imposto de importação de carros elétricos no programa Mobilidade Verde e Inovação, como é chamada a nova fase do Rota 2030 que será anunciada em até duas semanas com incentivos à indústria vinculado à emissão de poluentes.
Ao jornal Valor Econômico, no último dia 22, Moreira disse que a decisão sobre a volta do imposto de importação não será vinculado ao programa, nem será tratado agora. Contudo, o assunto continua sendo estudado pelo governo.
Chineses contra todos
Toda essa mobilização pela volta do imposto de importação não é sem motivo. Envolve lobby das fabricantes tradicionais diante de uma ofensiva mais séria das marcas chinesas no mercado de carros elétricos. Eles já estão aí há muito tempo, mas agora conseguem entregar um conjunto mais interessante: são maiores, mais potentes e mais equipados, e estão forçando as fabricantes ocidentais a abaixarem seus preços.
Essa mobilização também vem acontecendo na União Europeia, que procura meios de diminuir a competitividade das marcas chinesas por lá. A diferença é que as chinesas estão instalando fábricas no Brasil.
A GWM já tem data para iniciar a produção dos seus carros na fábrica de Iracemápolis (SP), que comprou da Mercedes-Benz: será em 1º de maio de 2024. O início será com uma picape híbrida, expandindo as linhas para um SUV híbrido e depois nacionalizará o Ora 03, que já está sendo vendido no Brasil como importado, com entregas previstas para novembro.
A BYD, maior fabricante de carros elétricos da China, anunciou o primeiro complexo de fabricação de carros elétricos do Brasil, aproveitando a antiga estrutura da Ford em Camaçari, na Bahia. A negociação com o governo da Bahia está adiantada.
São justamente essas duas fabricantes que mais criticam a implementação do imposto e contam com o apoio da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico). O argumento é que essa medida seria protecionista e prejudica o desenvolvimento do carro elétrico no Brasil, favorecendo as empresas tradicionais.
Do outro lado está a Anfavea, associação dos fabricantes de automóveis (da qual nem BYD e nem GWM fazem parte), que afirma que a maioria de seus associados estão a favor da taxação.
O presidente da Renault do Brasil, Ricardo Gondo, opinou a favor e ainda acrescentou dizendo que deveriam existir cotas de isenção para quem já produz carros no Brasil durante o evento de lançamento do novo Renault Megane E-tech.
A intenção das associadas à Anfavea seria pleitear um regime de cotas de importação de carros elétricos sem imposto para quem tem produção no Brasil. O limite de carros sem imposto seria 2% do mercado de carros novos do Brasil. Esse percentual é a representatividade da venda de carros elétricos no Brasil atualmente.
Se para as marcas chinesas a volta dos impostos significaria um aumento de preços, as marcas já instaladas no Brasil ficariam blindadas do imposto desde que os carros elétricos continuem como um nicho no mercado brasileiro.
De acordo com o consultor automotivo e sócio da Bright Consulting, Murilo Briganti, montadoras como BYD e GWM conseguem praticar preços mais baixos por dois motivos principais: o processo de produção — considere o alto volume de carros, incentivos do Governo chinês na produção de EVs e a manufatura mais barata — e a baixa margem de lucro.
O objetivo dessas marcas é a consolidação no mercado brasileiro e, claro, conquistar mercado. Por isso, trabalham com uma margem de lucro considerada baixa — cerca de 10% para a montadora e 5% para a concessionária — para terem volume de vendas. Já marcas como Audi e BMW, por exemplo, estariam trabalhando com margens maiores, podendo passar dos 20% para a montadora e dos 10% para os dealers, explica Briganti.
Com o aumento gradativo do imposto de importação, as marcas chinesas estão mais sujeitas a repassar o aumento para o cliente, já que não podem diminuir ainda mais sua margem de lucros. “Um BYD Dolphin, que com Imposto de importação zerado custa R$ 150.000, com 20% de taxa deverá custar cerca de R$ 185.000 e com 35% cerca de R$ 205.000”, simula o consultor.
Entre os elétricos de entrada, quem sairia ganhando é a própria Renault. Produzido na China, o Kwid E-Tech é vendido atualmente por R$ 139.990. Briganti explica que, mesmo com as reduções, o Kwid é vendido com sobrepreço e com margens de lucro 25% para a montadora e 10% para a concessionária, aproximadamente.
“Agora com 35% de imposto a margem iria para 15% montadora e 7,5% concessionária e o preço para R$ 150.000”. Ou seja, a Renaulta até conseguiria manter o preço parelho com as rivais e ter mais lucro sobre o produto.
Pode demorar alguns um tempo até sabermos como será o plano para a aplicação do imposto de importação. Briganti estima que seja algo em 12% ao ano ao longo dos três próximos anos.
Também não se sabe como a taxação aos carros elétricos viabilizaria a produção nacional dos mesmos. Até agora, nenhuma empresa anunciou uma data para o início da fabricação de carros elétricos no Brasil.