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Lada Laika: Sopa de nabo

O Lada Laika continuar a ser fabricado na Rússia é como o rei da Arábia Saudita lavar as próprias roupas no tanque

Por Jeremy Clarkson
Atualizado em 2 jul 2018, 10h21 - Publicado em 24 Maio 2012, 10h49

Atualmente, vemos muitos russos pelo mundo inteiro, e eles parecem estar muito bem de vida. Eles sempre andam em carros enormes, usam relógios também enormes e jeans bordados. Alguns são até donos de clubes de futebol. Assim, dava para imaginar que, se você fosse diretor de uma empresa aérea, tentaria impressionar esses novos-ricos reservando para os voos até Moscou suas aeronaves mais novas e modernas, certo? Estranhamente, a British Airways escolheu fazer exatamente o contrário.

Em minha experiência, a British Airways coloca seus melhores aviões nas rotas transatlânticas e, quando eles já estão um pouco cansados, são usados para levar excursionistas para o Caribe. Quando já estão velhos demais até para isso, passam a transportar pessoas para Uganda. E eu pensava que, depois disso, eles eram mandados para o ferrovelho – ou vendidos para Angola. Mas não.

Parece que eles são então entregues ao corpo de bombeiros, que os usam para treinar equipes na arte da evacuação de passageiros, e depois para as Forças Especiais, que usam as carcaças queimadas para encenar ações contra terroristas imaginários. E, depois de tudo isso, eles passam a ser usados na rota de Moscou.

Recentemente, voei pela British para a Rússia. Para você ter uma ideia de o quanto o avião era velho, o sistema de entretenimento a bordo usava fitas de videocassete. A tela do meu televisor tinha menos de 2 polegadas e estava no teto, a vários metros de distância dos meus olhos. Além disso, ele estava quebrado. Da mesma forma que o assento da privada do banheiro de bordo.

Eu ia escrever uma carta para o presidente da British Airways, explicando por que ele estava vendo as coisas de forma errada. Usar suas melhores aeronaves para competir com as empresas aéreas americanas – com seu quadro de funcionários composto de mulheres gordas mandonas, e que servem uma comida que é uma porcaria – é como o Barcelona colocar em campo sua equipe titular para enfrentar um time da segunda divisão.

Eu explicaria a ele – porque parece claro que ele não sabe – que o Muro de Berlim caiu e que os russos não estão mais fazendo filas de seis anos para comprar uma beterraba e sendo mandados para o paredão por reclamar que ela estaria meio murcha. Eu também o convidaria a fazer um passeio pela Gum, a loja de departamentos instalada na praça Vermelha. Houve um tempo em que as pessoas vinham de milhares de quilômetros porque ela tinha acabado de receber um carregamento de lápis. Agora ela faz com que a famosa Westfield de Londres fique parecendo um mercadinho da Etiópia. O menor relógio de pulso na vitrine é maior que a tela da TV a que eu não pude assistir no meu voo, e as cuecas ali expostas custam mais que minha passagem.

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A cidade de Moscou vibra. Você devia experimentar as comidinhas do Café Pushkin e passar alguns minutos observando a rua, vendo se consegue achar um carro que custe menos de 50 000 libras na Inglaterra. Então dê uma olhada nas calçadas, para ver se consegue encontrar uma única mulher que seja gorda, tenha menos de 1,80 metro de altura ou não esteja usando jeans com corte excelente. Eu não tenho ideia de quais são os sonhos sexuais de Hugh Hefner, o fundador da Playboy, mas eu aposto que estejam por aí.

E então, quando eu estava quase convencido de que a Rússia parecia a filha de um casamento entre Monte Carlo e Kuwait, alguém me puxou para o lado e me disse que o Lada Riva ainda estava sendo fabricado – no Brasil ele era chamado de Lada Laika. Desculpem-me: isso é como ouvir que o rei da Arábia Saudita lava suas próprias roupas, usando tábua de lavar e tanque.

Mas por que a Lada continuaria a produzir um automóvel como o Riva? O que qualquer uma das pessoas que vi durante toda minha visita pela Rússia iria querer com um carro vergonhoso como esse? Eu tinha de descobrir. Então fui atrás.

O Riva começou sua vida em 1966. Em Turim, Itália, onde ele era conhecido como Fiat 124. A Fiat fez um acordo com os comunistas, ajudandoos a construir na Rússia uma fábrica onde o velho modelo da empresa continuaria a ser produzido. E o resultado se tornou o Lada Riva.

Os fãs vão lhe dizer que ele mudou muito ao longo dos anos, mas eu posso testemunhar que, na verdade, absolutamente nada mudou. Exceto que agora o Riva também é fabricado nas potências da produção automobilística da Ucrânia e do Egito.

Eu não sei onde foi feito o carro que eu dirigi. Ou quem o fabricou. Mas suspeito que ele estivesse muito irritado com alguma coisa, porque o carro era horrível. A coluna de direção parecia ter sido soldada ao painel, para que não virasse. Os freios faziam com que o carro acelerasse um pouquinho e virasse violentamente para a esquerda. Ao mesmo tempo.

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Ele fazia de 0 a 100 km/h. Mas só quando era fabricado pela Fiat. Desde que se tornou um Lada, ele não consegue mais se mexer de verdade. E como é mal montado!

Um dia desses, quando passei com um monster truck por cima de um Riva, ele se dobrou ao meio. E, para colocar isso em perspectiva, preciso explicar que, quando o mesmo monster truck recentemente passou por cima de um CityRover, que é fabricado na Índia, o carro sobreviveu de forma até que bem razoável.

Então, por que o Riva continua sendo fabricado? Por que ainda há pessoas na Rússia que o compram? Poderia ser, talvez, que por trás do sorriso de dentes brancos cobertos por ouro de Moscou o resto do país seja, bem, como posso dizer… um tanto quanto pobre?

Talvez, em outras palavras, o presidente da British Airways saiba de algo que eu não tinha compreendido até aquele momento: que as pessoas que têm dinheiro suficiente para voar na Rússia possuem seus próprios jatinhos particulares.

E aqueles que não têm estão presos no meio do nada, tomando sopa de nabo na esperança de que, um dia, possam economizar o suficiente para comprar um carro que já tem 45 anos de idade antes mesmo de sair da concessionária.

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