Quando Quatro Rodas foi ao Paraguai procurar pelo Honda Civic a álcool
Hoje com reputação alta e com fãs, os sedãs japoneses eram desconhecidos no Brasil no início dos anos 1980. No Paraguai, já eram movidos a etanol
A chamada revolução da indústria japonesa começou em fins da década de 1960, com as motocicletas, e foi ainda mais acentuada cerca de dez anos depois, com os seus automóveis.
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Coincidentemente, em junho de 1982, bem antes de os modelos japoneses aterrissarem em nosso mercado, QUATRO RODAS publicou uma matéria minha, feita em Assunção, no Paraguai, com o fotógrafo Claudio Larangeira, com o título “O cerco japonês: ameaça ou esperança?”.
Na realidade, a pauta daquela matéria inédita nasceu motivada pela boa comercialização de modelos japoneses em diversos países onde se tinha importação de automóveis e também porque havia chegado à redação a informação de que, no Paraguai, existiam carros japoneses movidos a álcool.
Parecia especulação, mas não custava conferir. Embora a importação de automóveis fosse totalmente proibida no Brasil, o etanol era o combustível brasileiro por excelência.
Assim, eu e o Larangeira desembarcamos na capital do país vizinho para testar modelos japoneses, com a intenção de mostrar como se comportavam comparados aos nossos modelos nacionais, que eu estava acostumado a testar todo mês na pista de teste da revista, em Limeira (SP), e em ruas e estradas.
“Não tive a menor dúvida de que os japoneses seriam um dos principais concorrentes mundiais na produção de automóveis”
Ficamos praticamente uma semana na capital paraguaia e, visitando os principais importadores locais, andamos em três modelos japoneses de cilindradas distintas: um Charade 1.0, da Daihatsu; um Civic 1.4, da Honda; e um 160 J 1.6, da Datsun (marca que depois passou a se chamar Nissan).
Depois de sentir que os três carros seriam fortíssimos concorrentes em nosso mercado para todos os principais fabricantes que eram protegidos pelas nossas leis, como VW, GM, Ford e Fiat, eu fiquei muito mais impressionado com o que ouvi de importadores locais sobre o trabalho de pós-venda dos japoneses, já naquela época.
Num mercado de vendas bem limitadas como o do Paraguai, um dos importadores japoneses, que antes trazia carros americanos, deixou claro a diferença de cuidados com o cliente entre eles.
Disse que era muito difícil ocorrer, mas quando uma peça de um carro japonês apresentava alguma falha, o fabricante mandava imediatamente um representante da marca ao Paraguai com uma nova e levava a defeituosa para o Japão, a fim de verificar as causas do problema.
Já os fabricantes americanos demoravam aproximadamente três meses para mandar uma peça substituta e, muitas vezes, nem chegavam a enviar.
Quando eu ouvi isso do importador, lembrei de uma boa e velha moto Yamaha de 50 cc que tive, comprada em uma loja independente (naquele tempo não havia a Yamaha do Brasil) e com a qual enfrentei sérios problemas de manutenção, acabando por vender a moto desapontado.
Meu sofrimento, na época, deve ter sido o mesmo que alguns proprietários de carros norte-americanos tiveram no Paraguai.
Assim, mais do que o próprio desempenho, consumo, acabamento e outras qualidades que verifiquei nos três carros que testei, a conversa com aquele importador me deixou tão impressionado que não tive a menor dúvida de que os japoneses seriam um dos principais concorrentes mundiais na produção de automóveis.
E acertei em cheio. Não à toa, no final do ano passado, o Toyota Corolla foi anunciado como o único carro do mundo a superar a produção de 50 milhões de unidades.
É claro que foram diversos motivos que fizeram a indústria japonesa de automóveis conquistar o sucesso que alcançou nas vendas mundiais.
Com estilo melhorado e tecnologia, versão após versão, os nipônicos se destacaram inclusive nos Estados Unidos, que até então se orgulhavam de suas marcas locais. Conhecidos por serem estudantes aplicados, os japoneses fizeram a lição de casa.
Já naqueles anos, a Toyota era uma das que faziam pesquisas com proprietários de carros da concorrência, para saber o que eles diziam: do que gostavam, o que desaprovavam, como avaliavam a qualidade e sentiam a falta de equipamentos. Tudo com o objetivo de melhorar os seus carros.
Além de tudo, os orientais ainda entravam nos mercados oferecendo preços mais acessíveis que os das marcas ocidentais. Mesmo assim, tenho plena certeza de que o atendimento ao cliente, depois da venda, foi muito importante para o sucesso deles.
Trabalhei 25 anos na Audi, marca alemã premium, e tive algumas indicações que eu não imaginava ser possível. Um dia, conversando com uma amiga médica que tinha um Toyota Corolla, em meados da primeira década de 2000, perguntei por que não tinha um Audi.
Ela me respondeu imediatamente que teve um A3 exatamente antes do Corolla. Disse que havia gostado muito do carro, porém o que a levou a trocar e optar por uma marca japonesa foi o fato de que, mesmo com a manutenção de custo elevado, ela considerava que a atenção que recebia da concessionária não era tão boa para uma marca premium.
Eu, que divulguei a Audi por 25 anos consecutivos, não vou dizer que os concessionários Audi não eram do nível que precisavam ser. Como em qualquer outro lugar, existem os melhores e os piores.
Porém, de uma coisa, hoje, eu não duvido, os japoneses não pecam neste sentido. Aliás, de uma forma geral, os asiáticos no pós-venda são realmente bons, como bem atesta o sucesso mundial dos coreanos, tempos depois dos japoneses, e agora a ameaça são os chineses em nosso próprio mercado.
Apesar da aparência de olhos semicerrados de seu povo, esses fabricantes de automóveis do outro lado do mundo sempre estiveram atentos e observando tudo.
Quanto à informação de que existiam carros japoneses rodando com etanol, os que encontramos não eram originais de fábrica. Haviam sido convertidos no Paraguai, onde avistamos também muitos modelos brasileiros movidos com esse tipo de combustível.
Jornalista, Charles Marzanasco trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi.