Ford Fiesta dá adeus: em 24 anos, hatch foi espanhol, chorão e gatinho
No mercado nacional desde 1995 e morto em 2019, hatch virou referência em dinâmica e foi responsável por pioneirismos da marca no país
O fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo vitimou, de uma só vez, toda a sua linha de caminhões — a única em todo o mundo — e o Fiesta hatch, que era produzido somente naquela unidade.
A saída do Fiesta é reflexo de suas vendas tímidas nos últimos anos: foram vendidas 14.505 unidades ano passado, enquanto o Ka emplacou 103.286. Vale lembrar que o sedã, que vinha importado do México, já havia sido descontinuado em janeiro.
A perda de mercado do hatch também foi provocada pela falta de investimentos da marca no modelo.
Enquanto o Fiesta ganhou uma nova geração na Europa, para o Brasil a Ford optou por uma solução doméstica, com uma reestilização discreta feita sobre o modelo atual.
O fim do Fiesta no país marca o encerramento de um modelo que foi pioneiro no uso de diferentes tecnologias dentro da empresa e que permitiu à Ford criar mais rentável segmento de carros do Brasil.
Conheça a seguir, os principais marcos de um modelo que chegou a ser comparado com uma geladeira e foi “chorão”.
Estreia espanhola
O Fiesta chegou ao Brasil em fevereiro de 1995, importado da Espanha. O hatch já estava em sua terceira geração e era oferecido nas versões de duas e quatro portas.
O modelo estava prestes a mudar, o que ajuda a explicar seu defasado motor Endura 1.3 com fracos 60 cv.
Apenas um ano e três meses depois a Ford passava a fabricar em São Bernardo do Campo (SP) o novo Fiesta, cujos faróis arredondados logo renderam o apelido de “chorão”.
A quarta geração tinha duas opções de motor. O antiquado Endura foi mantido na configuração 1.3 e na inédita 1.0, de 51,5 cv.
A versão topo de linha CLX, no entanto, carregava o bem mais moderno Zetec 1.4 16V, capaz de gerar 88,8 cv. O novo motor, um dos melhores do segmento no País, deu fôlego de esportivo ao hatch.
O conjunto era perfeito para o acerto de suspensão (com subchassi no eixo dianteiro) e direção, firmes na medida certa para uma tocada mais rápida sem penalizar severamente o conforto.
Em 1998 o Fiesta passou a oferecer airbag duplo como opcional, item raríssimo entre os populares àquela época.
No mesmo ano veio o primeiro modelo derivado, a Courier. A picape logo virou a queridinha de quem transportava cargas longas (como motocicletas), graças à enorme caçamba com 1,82 m de comprimento.
Oi, gato
Em 2000 veio a primeira reestilização do Fiesta nacional. Os faróis angulosos repetiam o estilo New Edge de outros Fords, e talvez tenham sidos os responsáveis pelo visual felino interpretado por alguns consumidores.
O Fiesta “gatinho” veio logo após a nacionalização (e atualização) dos motores Zetec, que ganharam o sobrenome RoCam, referência ao comando de válvulas com balancins roletados.
Pouco depois houve o lançamento da versão Sport, um reconhecimento da marca à dinâmica primorosa do hatch.
Marco histórico
O ano de 2002 marcou a chegada da quinta geração do Fiesta, talvez um dos modelos mais importantes da história moderna da Ford no Brasil.
O primeiro motivo é que ele marcou a inauguração da moderna fábrica de Camaçari (BA), que agora passa a ser a única unidade fabril da Ford no Brasil.
O segundo motivo é que ele foi a base para o EcoSport, primeiro SUV compacto nacional e líder do segmento por quase dez anos.
Além de ter sido responsável por lucros generosos à empresa durante seu domínio, o EcoSport atualmente é o modelo mais caro (e com maior rentabilidade potencial) feito pela Ford no Brasil.
Motor superestimado
A virada do século também marcou o primeiro ápice dos motores 1.0 em veículos nacionais.
Em uma época na qual ainda não se falava de motores com injeção direta, dupla refrigeração e outras tecnologias, as fábricas aproveitavam o baixo IPI para os populares carros “mil” a fim de aplicá-los aos mais diferentes segmentos
Isso fez com que o Fiesta (e o EcoSport) recebessem uma variação com compressor do motor 1.0. O conjunto superalimentado rendia 95 cv, um índice interessante para o hatch — mas péssimo para o SUV, cuja versão de entrada durou pouco.
Seu principal rival era o Gol 1.0 16V turbo, com 112 cv. Como se não bastasse a potência extra, o Fiesta ainda precisou enfrentar uma comparação pra lá de inadequada.
Um comercial logo proibido comparava o motor com compressor do Fiesta a uma geladeira, que também usa compressor.
A analogia descabida durou pouco na TV, mas ainda pode ser vista na internet. E, ironia: uma década depois a própria VW apelava para o compressor para obter mais potência de seu motor 1.4 turbo.
México renovado
Enquanto o Fiesta nacional sobrevivia à base de reestilizações, em 2011 a Ford optou por trazer a sexta geração do México, aproveitando-se do acordo comercial entre os países.
O visual ousado combinava com a lista de equipamentos inovadora para o segmento, com luzes diurnas de led, airbag de joelho, controle de estabilidade com assistente de partida em rampa e alerta de veículo no ponto cego.
A versão reestilizada de 2013 marcou também o retorno do Fiesta a São Bernardo do Campo (SP), onde ele será produzido até novembro de 2019.
Não seria justo falar que a Ford desistiu precocemente do modelo no Brasil. Ainda que as vendas em declínio tenham justificado a opção de não trazer a sétima geração, a marca investiu no hatch por aqui.
Coube a ele a primazia de estrear (e aposentar) o moderno motor 1.0 Ecoboost turbo de 125 cv, que só saiu do posto de mais potente da categoria com a chegada do Polo TSI.
Uma reestilização caseira até que tentou dar um último fôlego ao Fiesta, mas o excelente desempenho de vendas do Ka acabou sendo a pá de cal para o hatch compacto.
E, outra ironia: o Ka nasceu em 1996 a partir do próprio Fiesta, ainda que eles tenham seguido caminhos distintos após a segunda geração do compacto.