Em 22 de junho de 1976, Alagoas foi palco de um evento histórico, que contou com a presença do então governador Divaldo Suruagy e mais 200 convidados. Na ocasião, o engenheiro francês Jean Pierre Chambrin demonstrou seu incrível carro movido a água, que, segundo a Folha de S. Paulo, percorreu 25 km a 80 km/h, sem qualquer problema.
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O “fato histórico” gerou comoção e estímulos para que o Governo Federal comprasse a ideia de Chambrin, que garantia adaptá-la a qualquer veículo nacional. O engenheiro caiu no gosto do ditador Ernesto Geisel, que foi pessoalmente conferir a geringonça.
Com membros do governo firmando sociedade com o francês radicado no Brasil, logo a iniciativa virou uma grande confusão. A viabilidade do reator jamais foi confirmada por outros especialistas e, no fim das contas, apenas o estado do Rio Grande do Sul se interessou pelo projeto, que acabou em litígio e uma oficina lacrada até 2011.
Chambrin morreu em 1989, acusando diversas pessoas de sabotagem e atraindo desconfiança tanto pela dificuldade em replicar seus resultados quanto pela falta de transparência.
Mover um carro a água parece uma obsessão nacional, e basta jogar essas três palavras no Google para que soluções mágicas — supostamente boicotadas por um forte lobby das montadoras — apareçam. Mas as leis da natureza não ligam para isso.
Verdade amarga
De acordo com o gaúcho Zero Hora, que teve acesso à patente de Jean Pierre Chambrin, seu invento consistia em aproveitar os gases de escape para acelerar a reação do etanol com a água, produzindo hidrogênio e monóxido de carbono. O que por si só já é um problema, dado que esse segundo produto da reação é venenoso e contribui indiretamente para o efeito estufa.
O engenheiro automotivo Renato Passos explica que o francês criou uma pequena caldeira, muito usada em indústrias para aproveitar calor que seria desperdiçado. Chambrin, entretanto, subvertia a lógica ao primeiro gerar calor para depois realizar sua reação química, que levava 50% de álcool.
No fim, se gastava mais energia do que era levada ao motor, que ainda funcionava com menos potência e torque dadas as modificações necessárias.
“Ainda haveria problemas ligados à durabilidade e troca de calor das partes móveis”, destaca Renato, citando as altas temperaturas envolvidas no processo. Outras dificuldades envolviam o uso exclusivo de água desmineralizada e a necessidade de pré-aquecer o reator com combustíveis convencionais.
Segunda chance
Atualmente, o uso de H2 evoluiu bastante, e já há veículos como o Toyota Mirai que utilizam-no em estado líquido para gerar energia. A diferença é que em vez de queimar hidrogênio em um motor convencional, são feitas reações químicas que alimentam um motor elétrico.
Para abastecer um carro a células de hidrogênio, basta conectar uma mangueira e, como se fosse gasolina, encher o tanque. No veículo, uma membrana altamente engenhosa separa os elétrons e gera corrente elétrica, ao mesmo tempo que solta água como produto final.
No Mirai, 141 litros de hidrogênio rendem até 850 km de alcance. É como se cada quilograma de combustível gerasse 152 km de autonomia a um carro de 174 cv, que limpa o ar à medida que viaja. Unindo o melhor dos carros elétricos e a combustão, por que isso não é um sucesso retumbante?
A conta não fecha
A resposta simples envolve o gasto energético para se produzir energia. Atualmente, todos os processos de geração de hidrogênio são altamente “gastões”, e, além de caros, têm eficiência muito pequena frente às baterias.
De 100% da energia que sai de uma usina, cerca de 95% chega aos carros a baterias, uma vez que a única perda nesse processo ocorre na resistência dos fios de transmissão. No caso do hidrogênio, essa energia ainda precisa de alimentar processos como a reforma a vapor ou eletrólise, que, no melhor dos casos, já gasta cerca de 14%.
Para alimentar o Mirai, a Toyota desenvolveu miniusinas anexadas aos postos de combustível, capazes de reformar localmente compostos como gás natural ou querosene. Para armazenar o H2, entretanto, é necessário gastar ainda mais energia, seja para pressurizá-lo ou para resfriá-lo.
Uma alternativa óbvia é produzir hidrogênio no “atacado”, diminuindo os custos de armazenamento. Mas a conta segue desvantajosa, pois são necessários gasodutos ou caminhões especiais para o transporte, que acabam gastando ainda mais energia.
Assim, não chega a surpreender que, para abastecer um Mirai, sejam gastos aproximadamente US$ 90. Em lugares onde já existem postos do tipo, completar um carro a hidrogênio pode custar seis vezes mais do que carregar as baterias de um elétrico convencional.
Futuras soluções
Para a conta do hidrogênio fechar, há quem acredite no poder do boro, um elemento químico escasso e com 60% das reservas mundiais concentradas na Turquia. Em 1953, o cientista Hermann Irving Schlesinger descobriu que era possível utilizá-lo para extrair o hidrogênio da água sem acrescentar energia elétrica, mas, mesmo com diversas tentativas, seu uso ainda não decolou.
Além da escassez do boro, sua reação exige grande quantidade de água desmineralizada, encarecendo o processo. Ele também é lento, e para gerar um mísero mL de H2, são necessárias até três horas de reação. Desse modo, o desafio da vez é criar um catalisador que acelere esta produção.
Muito se aposta nas chamadas redes organometálicas, que unem metais e compostos orgânicos de maneira altamente complexa. Um estudo recente de pesquisadores chineses e franceses mostrou que uma dessas redes, chamada ZIF-8, permite a geração de até 70 mL em 10 minutos — suficiente para encher o tanque do Mirai em… duas semanas.
A reforma a vapor também é muito estudada por cientistas brasileiros, que pretendem criar um veículo abastecido a etanol e que gere, internamente, o que a Toyota faz com máquinas grandes e caras. A Nissan desenvolve um deles desde 2010, e até hoje não foi possível chegar a resultados adequados ao mundo real.
Um dos maiores problemas é o uso de platina e irídio como catalisadores, encarecendo demais o preço de um carro de passeio. A marca agora busca usar catalisadores de níquel, cobalto e nióbio, muito mais baratos, para permitir que o etanol dê origem ao gás elementar do Universo.
Mas não é simples assim, pois o atual reator funciona a pelo menos 600 º C e, segundo pesquisadores da universidade japonesa de Waseda, a temperatura máxima não deve ultrapassar 300º C. Nesse momento, cientistas da USP, Unicamp e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares quebram a cabeça para resolver essa questão, mas não esperam resultados concretos antes de 2026, diz a Revista FAPESP.
O Brasil, na verdade, tem uma pequena corrida em busca desse carro mágico que, além de tudo, poderia manter a longevidade do parque industrial de cana-de-açúcar (o que não necessariamente é bom para todos). A Volkswagen, por exemplo, foi outra que entrou na briga e, no ano passado, criou um centro de pesquisa voltado ao potencial do etanol.
Boa e velha gasosa
Quem optou por um caminho bem distinto dentro do Grupo foi a Porsche, que triplicou a aposta em sua gasolina sintética — que, veja só, tem o hidrogênio como parte fundamental do seu processo.
A diferença é que a usina de Haru Oni, no Chile, obterá o gás pelo processo de eletrólise, no qual será usada eletricidade produzida por turbinas eólicas dentro da fábrica. Em seguida, ele é usado para produzir metanol — um “irmão” do álcool de posto — que também leva na fórmula carbono extraído do principal gás estufa do planeta.
É uma diferença importante, já que a célula brasileira ainda emite CO2 pelo escapamento. O metanol recém-criado em seguida é transformado em gasolina como qualquer outra, e é uma aposta gigantesca da Porsche, que anunciou duas novas fábricas, nos Estados Unidos e na Austrália.
Há desafios grandes como o preço do litro, que, na melhor da hipóteses, não será menor do que US$ 2. É por isso que Michael Steiner, executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da montadora, acredita no uso misturado com o combustível fóssil, atenuando os impactos do consumo de petróleo.
Outra grande aposta é nos navios, que têm caminho muito mais longo e complicado a percorrer rumo à eletrificação. Para produzir combustíveis desses gigantes, explica Steiner a QUATRO RODAS, basta modificar a última etapa do processo, manipulando de maneira um pouco diferente o metanol verde.
Para ainda mais eficiência, diz Steiner, uma outra saída é usar o metanol em si como combustível. A Maersk, maior empresa de navios de carga do mundo, concorda, e já encomendou oito supercargueiros movidos por esse combustível.
Para os aviões é uma solução ainda mais positiva, pois o principal dano à atmosfera vem da emissão, em altas altitudes, de óxidos nitrosos — algo reduzido drasticamente ao optar pelo álcool metílico. E o peso das baterias seria um problema para criar aviões elétricos funcionais capazes de alcançar longas distâncias.