Brasil prometeu reduzir mortes no trânsito pela metade. E não cumpriu
Há nove anos, país se comprometeu com a ONU a cumprir meta em 2020, mas passou longe disso. Especialistas analisam o que deu errado no plano
Em maio de 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a Década de Ação pela Segurança no Trânsito. O projeto, que contou com apoio de diversos países, tinha como intuito reduzir as mortes no trânsito por todo o mundo.
O Brasil, então presidido por Dilma Rousseff (PT), foi um dos signatários da resolução e se comprometeu à época a diminuir em 50% o número de óbitos até 2020.
Nove anos depois, os dados apresentados pelo Ministério da Saúde mostram que o número tem, de fato, diminuído. Entretanto, a meta estabelecida está longe de ser alcançada.
Em 2011, o Brasil registrou 44.553 mortes resultantes de acidentes de transporte. O número baixou para 33.625 em 2018 (último balanço divulgado).
Uma redução de 24,53%, mas ainda com 10.000 óbitos a mais que o previsto para 2020 no compromisso firmado com a Onu.
Confira na tabela o número de mortes decorrentes de acidentes de trânsito no Brasil, anualmente, de 2011 a 2018:
Ano | Número de mortes |
2011 | 44.553 |
2012 | 46.051 |
2013 | 43.452 |
2014 | 44.823 |
2015 | 39.543 |
2016 | 38.265 |
2017 | 36.430 |
2018 | 33.625 |
Para o defensor público e especialista em direito do trânsito Juliano Viali dos Santos, a redução apresentada pode não ser consequência exata de ações tomadas pelo governo e por entidades privadas do país.
“O Brasil firmou este compromisso em 2011, mas pecou muito na hora de realizar as ações. Ao meu modo de ver, esta redução de 24% é reflexo principalmente da crise econômica que atingiu o país e, consequentemente, do aumento da utilização de transportes públicos.” contesta.
Segundo o especialista, o país se debruçou demais em ações de cunho fiscalizatório e deixou de lado medidas educativas.
“A fiscalização é necessária, importante e deve continuar, desde que transparente. Mas a fiscalização sozinha não funciona como um agente educativo, mas somente inibidor do motorista”.
Para o defensor público, o ideal seria que o governo se concentrasse em implementar a educação para o trânsito desde a pré-escola até o ensino superior.
“Hoje temos um adestramento para dirigir. O Brasil não implementou a educação para o trânsito já prevista no Código de Trânsito Brasileiro (Art. 74) desde os quatro anos de idade até o curso superior, e não se tem ideia alguma de quando isso vai acontecer”, afirma.
Além da educação, para Santos, outros aspectos como a redução da velocidade em vias urbanas, a criação de faixas para ciclistas e motociclistas e a união de órgãos públicos e privados também devem funcionar para combater a violência no trânsito.
“Passa também por proteger pedestres, ciclistas e motociclistas no trânsito, pois são os mais vulneráveis e os que mais morrem. Isso pode ocorrer, por exemplo, dando mais espaço a estes atores nas vias, com faixas exclusivas por exemplo.” explica.
“Outro ponto é incentivar a redução da velocidade das vias urbanas. A alta velocidade não confere tempo de reação ao motorista, que é fundamental no trânsito para se evitar acidentes. Sua redução também diminui drasticamente os danos quando a colisão for inevitável.”
“Por último, mais um quesito fundamental é a adoção de um sistema integrado nas associações públicas e privadas que tenham como interesse o cenário do trânsito. Para que ações sejam tomadas com mais efetividade e de maneira centralizada.” completa.
Outros dados divulgados pelo Ministério da Saúde também preocupam. Em condições normais (antes da pandemia de coronavírus), 60% dos leitos do SUS (Serviço Único de Saúde) eram ocupados por vítimas de acidentes automobilísticos.
A taxa cai para 50% nos centros cirúrgicos do Sistema. Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, anualmente são gastos R$ 52 bilhões com vítimas de acidentes de trânsito.
QUATRO RODAS questionou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre as ações que a corporação tem tomado para reduzir o número de mortes nas vias.
De acordo com Anderson Poddis, coordenador geral de comunicação da corporação, a PRF trabalha em três frentes.
“Atuamos na fiscalização com trabalhos ostensivos e abordagens a fim de coibir condutas comumente relacionadas como causas de acidentes”, garante.
“Na educação, [trabalhamos] com orientações de segurança a motoristas, palestras para diversos públicos e campanhas educativas em redes sociais como o ‘Maio Amarelo‘, e ainda utilizamos nossos dados e estatísticas para induzir a realização de novas políticas públicas” explica.
Sobre a utilização de radares móveis, que chegou a ser vetada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2019 e depois foi novamente autorizada, Poddis afirmou que não há como associar o emprego do aparelho à variação do número de acidentes fatais.
“Quando os radares móveis não são empregados nas fiscalizações, o trabalho da PRF no controle de velocidade não sofre prejuízo. Não há como associar a ausência do equipamento ao número de acidentes, tampouco aos que resultaram em vítimas fatais.” afirma.
Isso porque, segundo o coordenador, outros fatores, externos e internos à PRF, podem interferir na curva de acidentes fatais das rodovias, como o nível de respeito dos motoristas e as condições das vias.
“Externamente, cito o comportamento dos condutores, a evolução da infraestrutura viária, que tem apresentado avanços significativos desde o ano passado, e a evolução da própria segurança veicular.”
“Internamente, a PRF atua em diversas frentes, como a tomada de decisões com base em dados estruturados, análises estatísticas de criticidade de eventos, investimento em tecnologia e inteligência artificial e capacitação e aperfeiçoamento dos policiais rodoviários federais”, comenta.
“Além de trabalhar em mudanças nas estratégias institucionais, evolução de procedimentos de fiscalização, evolução dos processos de planejamento de ações, realização de ações integradas com outros órgãos cuja atribuição esteja relacionada à segurança viária, dentre diversos outros vetores de atuação.” completa Poddis.
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