Por que motoristas estão desligando sistemas de segurança de seus carros
A convivência entre motoristas com ACC, assistente de faixa e frenagem de emergência nem sempre é harmoniosa, mas o saldo é positivo
Faz nove anos que o freio ABS se tornou obrigatório no Brasil. Mas, décadas atrás, quando ainda era restrito a carros importados, esse equipamento de segurança fazia o pedal de freio vibrar com os pulsos que evitam o travamento das rodas e muitos motoristas, desavisados e assustados, retiravam o pé do freio acreditando ter algo errado. Isso acabou com as constantes evoluções do ABS nos últimos 45 anos.
A história se repete com sistemas de segurança mais modernos e que estão chegando aos carros compactos, como frenagem automática de emergência, assistente de faixa e piloto automático adaptativo.
Com eles é possível evitar ou minimizar a gravidade de atropelamentos e colisões, mesmo que o motorista esteja distraído. Mas o comportamento desses sistemas ainda deixa muita gente desconfiada, até porque a atuação deles nem sempre é padronizada.
Morador de Rolim de Moura (RO), o engenheiro Rogério Bertelli lembra que o Jeep Compass Trailhawk 2017 que vendeu recentemente apenas interferia nos freios quando reconhecia carros e era menos invasivo na frenagem automática do que seu carro atual, um Ford Bronco Sport 2021.
“Os dois carros já me impediram de bater por causa de alguma distração no momento. Já perdi as contas do quanto que me salvaram. Mas, no Bronco, qualquer coisa que entra na frente do carro ele identifica e dá uma freada. Ele consegue identificar pedestres e ciclistas, o que o Compass não fazia, mas ainda não freou por isso”, conta após lembrar que o sistema alerta até em ultrapassagens, caso se aproxime muito do carro à frente durante a manobra.
O que comanda isso é a leitura feita por uma ou mais câmeras de vídeo, capazes de reconhecer as faixas de rolagem (e se o carro está escapando dela) e veículos, e em sistemas mais modernos, pedestres, animais, ciclistas e placas de trânsito. Um radar quase sempre é usado para fazer a medição de distância dos veículos à frente, mas há sistemas que fazem isso só com a câmera. E quem cuida de reagir com a frenagem é o controle de estabilidade.
“Nesse momento da frenagem outros sinais do veículo também são observados, como se o acelerador está sendo pressionado com muita força e se há movimentação da direção. Porque isso indica que o motorista está no controle, atento, e assim não é necessário que o sistema atue”, explica o gerente de Engenharia da divisão Cross-Domain Computing Solutions da Bosch, Leimar Mafort.
“No desenvolvimento, o fornecedor do sistema e o fabricante do automóvel precisam trabalhar em conjunto para garantir que a frenagem de emergência não atue quando não for necessário”, diz Leimar.
“Para que isso aconteça, rodam o Brasil inteiro durante o desenvolvimento tentando encontrar um equilíbrio entre o regulamento de segurança que precisam cumprir e os falsos positivos que eventualmente podem acontecer. Uma possibilidade é ajustar o nível de sensibilidade, se for possível”, afirma o engenheiro.
A forma como o assistente de faixa atua para não deixar o veículo escapar ajuda a entender se os sistemas do carro são evoluídos. Há modelos que apenas avisam a saída da faixa, outros que dão comando na direção ou nos freios (como faz a Toyota Hilux) para forçar o carro a voltar e os que podem centralizar o carro na faixa ativamente, como se um anjo da guarda assumisse a direção. “Este já é um sistema mais complexo e que exige maior capacidade de processamento”, esclarece Mafort.
Proprietário de um Ford Fusion 2.0 Ecoboost AWD 2015, um dos primeiros carros vendidos no Brasil com os sistemas avançados de segurança de série, o gerente de criação Vinícius Pinheiro, de Mauá (SP), sabe das limitações dos sistemas da época.
“No meu carro, o sistema de permanência em faixa só funciona a partir de 65 km/h e ele não centraliza o carro na faixa, só evita que ele saia, então só é útil em estrada”, explica.
Rogério percebeu essa evolução na prática ao trocar o Compass pelo Bronco Sport, que já tem sistema para centralização na faixa. “O Jeep tendia a ficar indo de um lado pro outro na faixa, o Ford anda no meio. Mas se ativo em uma estrada ruim, ele não me deixa desviar de um buraco, pois a direção fica pesada e dá um contra-golpe. Por isso só ligo o assistente de faixa em estradas boas.”
Ainda assim, o morador de Rondônia não abre mão do piloto automático adaptativo (ACC). “É só entrar em uma estrada que ligo ele. Na cidade, não uso porque não reconhece lombadas, então teria que ficar ligando e desligando o tempo todo. Mas não compro mais carro sem ACC”, conclui. Essa opinião é compartilhada com outros motoristas.
Vinícius, que comprou o Fusion há três meses pensando em ter um carro com pacote de segurança completo, conta que fez uma atualização do ACC justamente para permitir seu pleno funcionamento no trânsito. “No modelo 2015, o sistema não era capaz de acompanhar o trânsito até parar o carro e fazê-lo arrancar novamente, então foi feita uma atualização para a programação dos modelos 2017, que já tinham essa função chamada stop and go”, explica.
Nem sempre, porém, a atuação da eletrônica agrada. “O piloto automático adaptativo é ótimo e uso sempre que possível, mas acho muito bruta a forma como ele retoma a velocidade, reduzindo até duas marchas. Em curva, já aconteceu de identificar um carro na outra faixa como se estivesse entrando na minha faixa, freou e me assustou”, relembra.
Proprietário de um Volvo C40, o empresário Vitor Sanfins, de Belo Horizonte (MG), igualmente tem ressalvas com o funcionamento do ACC. “Também já tive Volkswagen Taos e Jeep Compass com o sistema e ainda acho o piloto automático adaptativo pouco eficaz no trânsito. Ora freia de forma brusca, ora demora para retomar aceleração. Eles não fazem exatamente o que sua cabeça pensa, então uso muito pouco.”
“O sistema de permanência em faixa eu também sempre desabilito, acho terrível, mas o que me assusta é a frenagem repentina ao detectar carro ou pedestre passando quando estou dando ré”, completa o empresário.
Garantir um comportamento mais natural para esses sistemas é um desafio para os fabricantes. Mas a evolução neste sentido está vinculada a um maior nível de automação dos modelos. Por ora, enquanto carros autônomos capazes de dispensar a atenção do motorista ainda são pouquíssimos, é melhor se assustar do que se envolver em acidente.