Honda VFR 1200F
A VFR tem mecânica e eletrônica sofisticadas, mas é simples de pilotar e muito fácil de gostar

Poucas motos exigem, de um motociclista experiente, um período de adaptação. Fazem parte dessa seleta categoria as máquinas de fato inovadoras – ou as que são abomináveis de se pilotar.
A Honda VFR 1200F, lançada no Brasil meses após seu surgimento na Europa, é uma dessas. Ruim ela não é – ao contrário, é maravilhosa. Mas que faz você pagar mico, ah, isso faz.
Seus sustos preferidos são dois: a saída com o freio de estacionamento puxado, barbeiragem típica, e o pulo para a frente naquela aceleradinha inocente de farol. Quer entender como ela faz para pregar essas peças?
É que a versão da VFR 1200F importada ao Brasil é automática, sem alavanca de embreagem. Na verdade, é um sistema automático diferente daquele celebrizado pelos automóveis, que se vale de conversor de torque. É, na verdade, um câmbio manual, só que o pedal de trocas é substituído por um motor elétrico e a decisão de trocar a marcha é feita pelo potente processador eletrônico, não pelo piloto.

Seu câmbio eletrônico com embreagem dupla está entre as maravilhas tecnológicas da atualidade. Para ser franco, andar no modo automático, seja na opção econômica, seja na esportiva, é até meio sem graça.
Divertido é andar com o câmbio no modo manual, trocando marchas por gatilhos (ou borboletas) acionados pelo indicador e pelo polegar esquerdos. Aí ela vira fera e pode ser tocada em alta, com agressividade, como convém a uma carenada com posição de pilotagem avançada, de ataque, como a VFR.
Não é preciso desacelerar para mudar marchas. Você torce a mão e vai só trocando, em aceleração constante. É que, com o sistema de dupla embreagem, acionado hidraulicamente por válvulas solenoides comandadas pela central, a marcha seguinte e a anterior também, prevendo uma redução, já estão engatadas, alternando apenas o acoplamento. Uma embreagem controla as marchas ímpares, outra as pares.
A seleção do modo do câmbio é feita no punho direito. Com o indicador você escolhe se prefere manual ou automático. Com o polegar, engata a posição Drive (trocas automáticas) ou volta ao neutro. Em movimento, o botão do neutro serve para acionar o ajuste esportivo das trocas (em maior rotação e com reduções mais sensíveis). O neutro não entra com a moto rodando.
Se sentir necessidade (em tomada de curva, por exemplo), você pode reduzir marchas com o polegar, mesmo que esteja pilotando no modo automático.
Como ela não fica engatada (ao ser desligada, volta para neutro), foi dotada de freio de mão, indispensável para estacionar. A alavanca no punho esquerdo aciona mecanicamente, por cabo, uma pequena pinça que atua no disco traseiro. Apesar da luz-espia vermelha no painel, uma hora, distraído, você vai sair andando com o troço puxado, para notar algo estranho. “Ué, essa moto parece que está amarrada…” Para destravá-lo, há um botão no mesmo punho esquerdo. Tudo manual, mecânico.
Velhos vícios causam o segundo susto: você vem andando na cidade e para no farol, usando, para conforto, a modalidade automática. Aí, dá aquela vontade meio bocó de dar uma aceleradinha, à toa, só para ouvir o quatro em V roncando… E tome susto. Ela vai dar um pulo e tanto. Pode ser perigoso.
Ela vai para cima da BMW K 1300S, de mesma faixa de preço, cerca de 70000 reais. Ambas são mostruários de tecnologia. Disputam o segmento sport touring, de motos com aptidão esportiva e disposição para longas viagens.
O motor refrigerado a água de quatro cilindros em V a 76 graus é muito avançado, a começar pelo tamanho compacto. Ele ocupa pouco espaço no chassi e permite correta distribuição de massas, graças à bancada traseira que reúne os cilindros centrais, 2 e 3. Os cilindros extremos, esquerdo e direito, ou 1 e 4, ficam para a frente.
O diminuto porte também é acentuado pelos estreitos cabeçotes, logrados pelo uso de um só eixo de comando de válvulas, que aciona por cames (excêntricos) as válvulas de admissão e se vale de balancins roletados para acionar as válvulas de admissão. O V4 permite a alegria das altas rotações dos multicilindros com o torque dos motores em V. Quase 90% do torque máximo (de 13,2 mkgf a 8750 rpm) surge a 4000 giros, o que significa economia e docilidade.
O comando do acelerador é sem cabo, conectado por fios à potente central de processamento – que gerencia tudo, desde os freios ABS à injeção de combustível, passando pela ignição mapeada e chegando à transmissão dual clutch. É chamada pela Honda de PCM, Power Control Module.
A potência declarada de 172,7 cv só é atingida com a moto em movimento, graças ao fluxo de ar forçado para admissão, favorecido pelo excelente trabalho aerodinâmico das duas carenagens superpostas, a maior marca estilística do modelo.
A ergonomia é ótima, o acabamento é exemplar e o painel é uma beleza, com funções de computador de bordo, em forma de asa, com o conta-giros no centro e dois mostradores digitais de cristal líquido, tendo o velocímetro em números grandes à esquerda. O banco é bom para piloto e garupa, mas a posição avançada cansa braços e coluna.
Os dois vastos discos de freio dianteiros são mordidos por seis pistões opostos. O sistema de frenagem combinada (o “C” da sigla C-ABS) é hidráulico, sem controle eletrônico, como na Transalp. Acionando-se o pedal de freio, dois dos pistões da pinça dianteira direita também são acionados.
A segurança nas frenagens é correspondida pela estabilidade, proporcionada em parte pelo belo chassi perimetral de dupla trave de alumínio, com apenas quatro pontos de junção por solda. As suspensões permitem compromisso exemplar entre conforto e esportividade. Oferecem ajustes de carga e de compressão na frente e na traseira. O ajuste do amortecedor traseiro pode ser feito pelo motociclista sentado à moto, através de um registro giratório, bem prático.
A balança traseira monobraço permite a retirada do pneu sem a desmontagem do cardã ou do freio, o que é (perdoe-me!) uma mão na roda
A Honda espera vender 20 unidades por mês deste seu modelo top da categoria sport touring, que oferece nas cores vermelha e preta, sempre com a carenagem inferior prata.
A VFR 1200F tem a missão de resgatar para a marca da asa o encanto das altas cilindradas e exibir o potencial tecnológico e de engenharia da líder mundial. Tem tudo a seu favor, exceto talvez o design. Apesar de impecavelmente acabada e aerodinamicamente eficiente, ela é meio estranha ao olhar. Toda lisinha, parece desenhada por um projetista de automóveis
TOCADA Caso de dupla personalidade, talvez tripla. No automático, supremo conforto, mãozinha dada com a namorada, calma. No modo manual, um furacão.
★★★★
DIA A DIA Honestamente, parece perfeita. Tem todos os requisitos para uso diário, inclusive câmbio automático. Até estreita ela é, para os corredores do tráfego pesado: os espelhos fecham, se precisar.
★★★★★
ESTILO A tal história: quebra paradigmas. Suas carenagens superpostas e lisinhas, sem parafusos aparentes, são lindas, mas diferentes. Causam estranhamento ao primeiro olhar.
★★★
MOTOR E TRANSMISSÃO Aí não tem jeito, é nota máxima, a Honda deu um show. Não tem para ninguém. Essa moto é o suprassumo da tecnologia em transmissão, com um motor extremamente eficiente a ampará-la.
★★★★★
SEGURANÇA Com C-ABS, bons pneus e estabilidade superior, poucas motos a superam em segurança.
★★★★
MERCADO É artigo de luxo, para um público seleto, que quer a última palavra em tecnologia e design. Tem todos os ingredientes para decolar. Rivaliza com a BMW K 1300S, ali por volta de 70000 reais.
★★★★
VEREDICTO
Só a versão top, completa, chega ao Brasil. No exterior há VFR básica sem dual clutch, com caixa convencional e manete de embreagem.