Grandes Comparativos: os superblindados do Exército brasileiro nos anos 80
Numa época em que não se falava de carros blindados no Brasil, avaliamos dois veículos de guerra na terra e na água
Você está mais do que acostumado a ouvir falar de blindados nas ruas brasileiras. Com a escalada da violência nas grandes cidades, muita gente reforça a proteção de seus automóveis com placas de aço que viram escudos à prova de bala.
Três décadas atrás, isso soaria como extravagância ou maluquice. Naquele tempo, veículo blindado? Só os tanques de guerra usados nos combates ou em manobras militares.
É claro que esses brucutus não fazem parte do trânsito do dia a dia. Mesmo assim, em 1984, QUATRO RODAS quis saber como andavam esses blindados e avaliou os modelos Urutu EE-11 e Cascavel EE-9, fabricados pela empresa brasileira Engesa e cedidos pelo Exército.
O teste não se limitou a asfalto ou pisos acidentados. Por ser um veículo anfíbio, o Urutu também navegou nas águas do Lago Paranoá, em Brasília (DF).
Brasília, aliás, havia sido o centro das atenções naquele ano. Com manifestações em todo o país pedindo eleições diretas – movimento que ficou conhecido como Diretas Já -, o povo pressionou o Congresso para que aprovasse a Emenda Dante de Oliveira, que restabelecia o direito ao voto para presidente após 20 anos de regime militar.
A emenda não passou e só voltaríamos às urnas para escolher o presidente cinco anos depois.
Barulho de hélices
Como os tanques felizmente não precisaram ir às ruas para garantir a ordem, dois deles foram utilizados na avaliação do repórter Luiz Bartolomais Júnior, que começou com o Urutu.
Às margens do lago, depois de pôr para funcionar o motor diesel Mercedes OM-352 AS de 180 cv, a primeira providência foi ativar o sistema de navegação: “Escuto o barulho das hélices começando a girar. Ao mesmo tempo, fecha-se o compartimento do motor e levanta-se a prancha quebra-ondas, que fica no nariz do blindado”.
Outra medida importante era ativar o sistema que injetava ar nas caixas de câmbio e o de redução dos eixos para impedir a entrada de água, para não contaminar o óleo e prejudicar a lubrificação das engrenagens.
Com o diferencial bloqueado e a tração dianteira ligada, o imenso bloco de metal de 11 toneladas se movimentou devagar. “As rodas dianteiras tocam o lodo e as águas começam a subir”, descreve o texto.
Em pouco tempo, o Urutu está flutuando.
A terceira marcha é engatada para aumentar a rotação das hélices, fazendo a “embarcação” navegar a 12 km/h.
Na água, o Urutu reage com um atraso de 15 segundos às manobras realizadas. Voltar à terra firme exigiu uma operação simples.
“Basta reduzir para segunda marcha, bloquear o diferencial e acelerar, com o cuidado de desligar o bloqueio do diferencial e as hélices assim que a tração nas rodas for suficiente para tirar o veículo da água”.
No asfalto, o jornalista aproveitou para pisar no acelerador do veículo com tração 6×6 e explorar o motor, chegando a 80 km/h.
Três marchas
Em seguida, ele avaliou o Cascavel EE-9 em um terreno acidentado no Setor Militar Urbano de Brasília.
O câmbio automático ainda era uma novidade para os nossos carros e dirigir um veículo de 9 toneladas com esse tipo de transmissão foi divertido.
“Ao ligar o motor, basta mudar a alavanca do câmbio para a posição Drive e acelerar. O blindado faz tudo praticamente sozinho. Engata automaticamente as três marchas ou passa para o ponto morto quando seus freios são acionados”, explicava o texto.
“Ele sobe ou desce qualquer barranco, desde que a inclinação não seja suficiente para fazê-lo capotar sobre si mesmo.”
Pressão dos pneus
Bartolomais encarou uma rampa de 50% e, para isso, usou um sistema automático para reduzir a pressão dos pneus de 50 libras/pol² para 20, bloqueou o diferencial e iniciou a escalada. Moleza.
Nessa operação, só é preciso prestar atenção no medidor de temperatura do óleo do conversor de torque da transmissão automática, que não pode passar dos 110 oC.
No final, ele ainda ganhou um bônus: a chance de presenciar um tiro com o canhão de 90 mm do Cascavel.
Após o ritual de escolher um alvo, medir a distância com um feixe de raio laser e erguer o cano da arma, o disparo foi feito.
Mas era só uma simulação. Não havia munição – por um motivo simples: cada tiro custava em torno de Cr$ 1 milhão (hoje, pouco mais de R$ 4.000) para os cofres do Exército.
Outubro de 1984
“Para conseguir velocidades maiores, basta desligar a tração do eixo dianteiro, deixando-a atuar apenas nos eixos traseiros. Acelerando o Urutu a fundo, atingem-se velocidades superiores a 80 km/h (100 km/h reais, segundo o fabricante). Mesmo assim, mostra-se bastante confortável e seguro. Permite fazer as curvas no limite sem que se ensaie qualquer reação mais difícil de ser corrigida. Os freios, a disco em todas as rodas, também são muito eficientes.”