Opinião: a lasanha que une os apaixonados por carros
O tradicional prato italiano virou um adjetivo para uma categoria de automóvel que deixa os entusiastas com água na boca: veículos de luxo usados

Desde o século 14, se fala de lasanha em livros italianos de culinária. Claro que a receita não era a mesma conhecida por nós, mas sempre teve camadas de massa feita à base de farinha de trigo. A lasanha com molho de tomate data de 1881. Está descrita no livro Il Principe del Cuochi o La Vera Cucina Napolitana (O Príncipe dos Cozinheiros ou a Verdadeira Cozinha Napolitana, em tradução livre), escrito por Francesco Palma, mas até hoje há discussão entre os italianos sobre em qual região surgiu a iguaria.
Há também variações no preparo da lasanha em diferentes localidades. A mais famosa no Brasil, conhecida por brasileiros e imigrantes italianos, é a lasanha à bolonhesa, que não segue exatamente a receita clássica de Bolonha, na Itália, que teve sua receita oficial homologada pela Academia Italiana de Culinária, da Câmara de Comércio de Bolonha, em 2003.
A receita registrada em Bolonha usa massa verde (com espinafre) e não a branca comum. E é recheada com o clássico ragu à bolonhesa, queijo Parmigiano Reggiano, bechamel e manteiga. Já a lasanha de Nápoles (outra cidade que reclama a autoria do prato para si) é uma comida típica da festa do Carnaval, e é preparada com ragu napolitano, almôndegas, ricota, queijo provola, queijo pecorino, azeite de oliva extravirgem e massa folhada branca.
Bem. Você deve estar com água na boca a esta altura do texto, mas também se perguntando o que a culinária italiana tem a ver com QUATRO RODAS. Explico.
Há algum tempo, a palavra lasanha, desta vez não como substantivo, mas sim um adjetivo, tem se tornado frequentemente mais utilizada para se referir a um tipo de automóvel cada vez mais popular no Brasil: os carros de luxo usados.
Não há registro de como a expressão surgiu e nem uma explicação para a relação do prato com os carros. Desconfio que seja por conta do uso de massa plástica na reparação automotiva. Aquela utilizada em abundância por profissionais com pouco capricho e preços convenientes.
Por gosto ou por não poder adquirir um veículo premium novo, muitos acabam tendo um apetite por modelos de luxo e até esportivos usados que valem uma fração de um equivalente zero-km. Valor às vezes até mais baixo que um carro popular: a receita perfeita (ao menos, aparentemente). Por trás dessa iguaria, porém, pode haver um fardo terrível: o custo de manutenção. Muitos sonham acordados, e se enganam mesmo com falsos argumentos como: “Mercedes-Benz é carro pra vida toda, um tanque!”; “Para conservar um BMW, é só dirigir com cuidado, sem abusar”; “Carro alemão não dá problema”; “Land Rover? Basta checar a suspensão”.
Na realidade, carro velho é carro velho, não importa a marca ou nacionalidade, ele sempre vai ter manutenções e que no caso dos carros importados são mais caras e complicadas. Eu mesmo já caí nas graças de uma lasanha típica da Baviera: um BMW 525i E34 1992.
O fato é que manter um carro importado de certa idade no Brasil sempre foi um desafio que requer coragem, paciência e algum dinheiro. Isso porque há extrema dificuldade em conseguir peças de determinados modelos, precisando inclusive recorrer à importação algumas vezes.
A mão de obra especializada é sempre mais cara e demorada, porém essencial para resolver problemas crônicos que esses modelos apresentam e só quem tem conhecimento sabe resolver. Mesmo com o veículo em dia, há ainda o desafio do consumo: modelos com motores grandes, como os seis ou oito-cilindros fazem consumos hoje considerados escandalosos. Na hora da troca de óleo, utiliza-se mais do que o dobro de lubrificante de um motor 1.0 três-cilindros moderno. E esse serviço é periódico, mesmo se o carro não rodar.
Lógico, assim como a lasanha à mesa, essa sobre rodas também dá prazer ao ser consumida. Para os que se dedicam, gostam e estudam os carros antigos, isso é um hobby. Há fóruns e sites dedicados a modelos específicos, em que amantes de todo o planeta trocam experiências e dicas para manter as relíquias rodando.
Meu BMW, por exemplo, tinha um problema crônico de superaquecimento, já que sua ventoinha atuava por polia viscosa acoplada ao motor, tecnologia totalmente obsoleta e não confiável, principalmente por conta das polias oferecidas no mercado de reposição. Depois de ter uma junta de cabeçote queimada e um prejuízo de alguns milhares de reais, descobri uma receita para instalar uma ventoinha elétrica com entusiastas da marca: ventoinha do Fiat Palio (com o formato perfeito para instalação no radiador do BMW), kit verão do Fiat Tempra (que adicionava uma cebolinha no sistema para acionamento da ventoinha elétrica) e uma mínima adaptação elétrica que resolveu para sempre o problema.
Um outro exemplo bem popular são as bolsas de suspensão dos Range Rover com mais de 15 anos. Uma troca desse sistema na concessionária pode custar mais que o valor do próprio carro, mas se o dono procurar vai encontrar empresas especializadas nesse tipo de manutenção com preços atrativos. Há ainda quem opte por desligar o sistema pneumático e converter o jipão inglês para uma suspensão mecânica com molas e amortecedores. Com os Porsche Cayenne, isso também ocorre.
No modo avançado de conhecimento de determinado modelo, você aprende que muitas peças utilizadas em seu carro fabricado na Alemanha podem ser exatamente as mesmas de um carro fabricado no Brasil, o que ajuda na busca do componente e no bolso do proprietário.
No almoço de domingo, que pode ser lasanha, o dono desses modelos é sempre confrontado por amigos e familiares que não conseguem entender esse gosto, fazendo com que o entusiasta se torne alvo de piadas nessas ocasiões.

Mas para quem gosta de carro não há nada mais prazeroso que dirigir uma genuína lasanha recheada com motor grande de pelo menos seis cilindros, aspirado…
Se tiver tração traseira então, o prazer é elevado à máxima potência… Motores grandes aspirados entregam um torque linear alto, mesmo em baixas rotações. Em rodovias, seu comportamento é ainda mais prazeroso, em voo de cruzeiro, com rotações baixas mesmo em altas velocidades. Carros premium de qualquer idade ainda contam com isolamento acústico aprimorado, acabamento da cabine com materiais de luxo e um sistema de som assinado de alta qualidade, atributos que você só encontraria em modelos novos acima de R$ 300.000…
Assim como aquele almoço de domingo na casa da nonna, depois que você prova uma lasanha automotiva, dificilmente quer mudar de prato.
