Cozinhar é um talento que não desenvolvi. Mas, quando me aventuro na cozinha, consigo bons resultados. Prefiro fazer doces, que aprendi por osmose com minha mãe – embora sempre guiado pelo caderno de receitas escrito à mão, que ela me deixou. Minhas especialidades: torta de maça e bolo de queijo. Aprendi também, por conta própria, a fazer zabaione, que leva açúcar, ovos e vinho Marsala.
Recentemente, me arrisquei a fazer um prato salgado. Macarrão. Se você cozinha, deve estar pensando: macarrão qualquer um faz. Sim. Mas não é qualquer macarrão. Fiz Tortellini alla panna e aceto, um prato que se come na Emilia-Romagna, na Itália, terra abençoada pelos deuses do automóvel, que colocaram ali as fábricas das mais lendárias máquinas: Ferrari, Maserati, Lamborghini, Pagani e Ducati.
Conheci esse prato em um restaurante chamado Il Castello, na cidade de Castelvetro di Modena, vizinha a Maranello. E, desde que o experimentei, toda vez que voltei à Itália dei um jeito de ir a Castelvetro almoçar ou jantar, pedindo sempre esse mesmo prato, até o dia em que cheguei lá e, para meu desapontamento, o restaurante havia fechado as portas. Tempos depois, parece, abriram uma pizzaria no local.
Tudo começou em 2003, quando dirigi o na época recém-lançado Lamborghini Gallardo, um dos primeiros projetos desenvolvidos sob a gestão da VW, que adquiriu o controle da italiana em 1998. Conforme combinado, eu e o fotógrafo Marco de Bari fomos até a fábrica da Lamborghini, que fica em Sant’Agata Bolognese, pensando em retirar o carro e seguir nosso próprio roteiro pelas belas estradas da região. Mas a fábrica tinha outros planos e designou o piloto de testes Valentino Balboni para nos acompanhar. Nessa época, Balboni já não pilotava mais, mas era um embaixador da marca, representando a Lamborghini em eventos, ministrando cursos e recebendo convidados como nós.
Eu não conhecia o anfitrião, mas Balboni era uma figura famosa na fábrica e entre os fãs da Lamborghini, tendo ingressado na empresa ainda menino, como aprendiz de mecânico, e sendo tempos depois nomeado piloto de testes pelo próprio fundador, Ferruccio Lamborghini.
Em 2009, Balboni foi homenageado em uma versão especial do Gallardo batizada com seu nome: LP 550-2 Valentino Balboni. A série limitada a 250 unidades tinha como principal diferencial a tração traseira, enquanto todos os demais Gallardo eram 4×4. Com motor V10 de 550 cv e o câmbio manual de seis marchas, acelerava de 0 a 100 km/h em 3,9 segundos, de acordo com a fábrica, e chegava aos 320 km/h.
Até aquele dia, minhas experiências com funcionários não eram as melhores porque, normalmente, esses acompanhantes tinham a missão de nos fazer andar devagar com os carros. Mas Balboni foi diferente: eu mal tinha afivelado o cinto de segurança do Gallardo, ele disparou à minha frente ao volante de uma perua Audi Avant RS6 e eu tive de pisar fundo para alcançá-lo.
Sem conhecer direito o lugar, me limitei a acompanhá-lo, para não me perder – receio que ele definitivamente parecia não ter. Chegamos a Castelvetro, lugar escolhido por Balboni para a nossa primeira parada, onde almoçaríamos. Foi o collaudatore (como se chamam os pilotos de teste, na Itália) que escolheu o restaurante e nos deu a sugestão do que comer. O primeiro prato trazia três variedades de pasta, entre elas o Tortellini. O segundo era de carnes grelhadas. Não tomei vinho, porque estava dirigindo. E não lembro se comi sobremesa. Lembro do café, que veio acompanhado de vários pequenos doces.
Tortellini é uma espécie de irmão menor do cappelletti (que os italianos da Emilia-Romagna chamam de tortelloni). Que me perdoem os especialistas se me equivoco na genealogia das massas. Mas o capeletti (no Brasil, só se dobra a letra t, como constatei em uma pesquisa rápida) é muito mais fácil de achar nos supermercados brasileiros. Encontrei o tortellini em uma rotisseria do bairro italiano da Mooca, em São Paulo, e segui o passo a passo de uma receita tirada do site de uma fabricante de aceto, a Acetai Dei Pico della Mirandola.
Uma curiosidade é que o aceto balsâmico é típico dessa região da Emilia-Romagna, onde se consome aceto na salada, na pasta, na carne e também nas sobremesas como sorvete e morangos (Fragole all’aceto). Mas no resto do país o uso desse condimento especial (um tipo de vinagre, feito de uvas, envelhecido e com denominação de origem como vinhos) é bem mais restrito. Certa vez, pedi um Gelato di crema all’ aceto em Turim, e o garçom só faltou brigar (o que na Itália é normal). Ele disse que não sabia o que era aquilo e, quando expliquei, falou que na Emilia-Romagna os italianos não sabiam cozinhar.
Consegui reproduzir o sabor do tortellini somente na segunda vez que fiz. Na primeira não ficou bom, entre outras coisas, suspeito que foi porque usei capeletti de supermercado. Mas, na segunda, com a pasta certa (Artigianale), consegui reproduzir o gosto do prato saboreado no Il Castello, o qual, se não idêntico, muito parecido ao que trago em minha memória. Se alguém quiser arriscar, aqui vai o link da Receita
Bom apetite!