Carros modernos podem ter quilômetros de fios para conectar seus computadores, sensores, sistemas de segurança, ar-condicionado, equipamento de som e até o sensor de estacionamento.
Alguns modelos, no entanto, se superaram por antecipar em décadas alguns recursos incomuns em seu tempo. Nos anos 60, por exemplo, a Mercedes-Benz chegou a lançar um sistema de vidros com acionamento hidráulico.
Normalmente os fabricantes tendem a fugir de tudo o que é complexo demais – isso encarece a produção, dificulta a manutenção e, para o comprador, custa caro para consertar.
A gente reuniu 10 modelos que deram um passo além quando o assunto é complexidade.
McLaren F1
O primeiro carro de rua construído pela McLaren foi lançado em 1992 com números impressionantes. Seu motor V12 6.1 fabricado pela BMW gerava 627 cv, suficientes para o superesportivo acelerar de 0 a 100 km/h em 3,2 segundos, com velocidade máxima de 391 km/h.
Esses predicados são velhos conhecidos dos fãs, assim como a pouco usual posição central do banco do motorista, com dois assentos para os passageiros logo atrás do condutor. Mas a complexidade do F1 vai muito além disso.
O propulsor V12 gerava tanto calor que foi necessário cobrir o cofre do motor com ouro. O material nobre é um dos melhores dissipadores térmicos conhecidos – e é usado nos carros de Fórmula 1 e até em satélites espaciais.
O banco do motorista (feito de plástico reforçado com fibra de carbono) não era ajustável, assim como os pedais e o volante: cada F1 saía de fábrica perfeitamente ajustado para seu proprietário.
A maçaneta das portas precisou ser realocada para a base dos assentos dos passageiros, permitindo que o motorista alcançasse os mecanismos.
O volante tinha duas borboletas que podiam enganar a turma da nova geração: em vez de trocar marchas, uma acionava a buzina; a outra, o lampejador do farol alto.
Um aerofólio na traseira se elevava para controlar o centro de gravidade do carro durante frenagens, aumentando a resistência aerodinâmica e abrindo dutos de ventilação dos freios por tabela.
Citroën DS
A característica mais marcante do icônico francês é, sem dúvida, sua suspensão hidropneumática.
Era composta por uma série de esferas metálicas, que armazenavam ar comprimido e fluido mineral para substituir as molas e amortecedores usados nos sistemas tradicionais.
O sistema foi lançado em 1955 e surpreendeu pelo nível de conforto e estabilidade, o que abriu caminho para um mito onde a Citroën daria um carro a qualquer cliente que conseguisse capotar um DS.
O pioneirismo do DS, no entanto, vai além da suspensão. O modelo também usa o fluido hidráulico para auxiliar o acionamento do câmbio, embreagem e freios – que usavam circuitos independentes e se ajustavam conforme o peso do carro.
E as inovações não pararam após o lançamento. Em 1967 a Citroën aproveitou uma reestilização para incluir no DS faróis altos direcionais e baixos capazes de manter a altura do facho mesmo quando o carro inclina em acelerações e frenagens.
E vale reforçar que tudo isso era feito apenas de forma mecânica, sem ajuda de qualquer sistema eletrônico.
Mercedes-Benz 600
O uso de suspensão hidráulicas é restrito por diversos motivos, que passam por complexidade, custo e manutenção.
Mas o que dizer de um carro que usa esse artifício para controlar, além da suspensão, o fechamento da tampa do porta-malas, teto-solar, vidros e até bancos? Bem-vindo ao Mercedes 600.
O “Grande Mercedes”, como foi apelidado, foi lançado em 1963 para substituir o bem-sucedido 300 Adenauer. O modelo chegou como o mais luxuoso da história da marca, abrindo caminho para os atuais Classe S.
Como não haviam sistemas eletrônicos embarcados na época, a Mercedes apostou em mecanismos hidráulicos para entregar a suavidade que seus clientes milionários exigiam.
A contrapartida é que o 600 exigia uma manutenção extremamente especializada, a ponto de cada carro ser vendido com um kit de reparo incluso.
Na caixa havia mangueiras, conectores extras e até calços de madeira. Isso porque, em caso de falha no sistema, as peças impediriam os bancos e vidros de descerem sob ação da gravidade.
Aston Martin Lagonda
O desenvolvimento dos circuitos eletrônicos disparou na década de 70, mas ainda não haviam sistemas robustos o suficientes para aplicação em larga escala no mundo automotivo.
Isso, porém, não impediu a Aston Martin de colocar botões sensíveis ao toque e outros sistemas eletrônicos em basicamente todos os comandos da cabine do Lagonda.
O ápice da tecnologia foi na chamada Série 2 do modelo, produzida entre 1976 e 1985. Nela, o ousado volante de um só raio era ladeado pelos controles táteis, enquanto o quadro de instrumentos era totalmente digital.
Tanto avanço foi um marco em uma época em que a notoriedade de fragilidade (sobretudo do sistema elétrico) dos carros britânicos era forte.
Mas o Lagonda acabou fazendo jus à fama, e a Aston Martin passou a adotar botões e sistemas mais convencionais nas versões finais do modelo. Curiosamente, décadas depois, a marca passou a usar eletrônica alemã em seus novos esportivos.
Bugatti Veyron
O Chiron é o carro de produção mais rápido do mundo, mas ele só chegou ao topo graças ao pioneiro Veyron.
O primeiro modelo de produção da história a ultrapassar os 400 km/h é um festival de superlativos, a começar pela potência de seu W16 8.0 quadriturbo: 1.001 cv, que chegaram a 1.200 cv na fase final do modelo.
Toda essa força gerava muito calor – e isso exigiu a adoção de dez radiadores: três para o ar da admissão, três para o fluido de arrefecimento do motor e um para cada um dos quatro sistemas: ar-condicionado, diferencial, câmbio e óleo do motor.
A Michelin precisou desenvolver pneus especiais para o superesportivo, que, mesmo assim, recebeu uma limitação eletrônica para não ultrapassar o limite físico dos compostos.
Até mesmo a montagem da borracha nos aros é especial, e só podia ser feita em oficinas especializadas. Era aplicada uma cola entre os pneumáticos e a borda das rodas.
O aerofólio automático se ajusta de acordo com a velocidade, e serve também como freio aerodinâmico. Não à toa, o sistema foi desenvolvido pela ThyssenKrupp, que também produz componentes para aviões.
Cizeta V16T
Este desconhecido nasceu em 1991 pelas mãos de dois empresários – e rendeu os primeiros traços do que seria o Lamborghini Diablo.
O Cizeta-Moroder usava, como o nome indica, um V16 aspirado de 5.995 cm³. Gerava 560 cv e 55,1 mkgf. Esses números, por si só, já superavam os rivais italianos, o que incluía a Ferrari F40.
Mas o carro que ganhou o mundo graças a jogos de videogame, como o Gran Turismo, tinha outros diferenciais. O principal era o motor. Ou melhor, motores.
O V16 era, na verdade, dois V8 montados transversalmente, cada um com seu virabrequim, unidos a um câmbio posicionado de forma longitudinal. Difícil de imaginar? Então dá só uma olhada na obra de arte acima.
O desenho ousado e a mecânica única, porém, não foram suficientes para fazer o Cizeta-Moroder sobrepujar a concorrência europeia.
Mazda RX-7
Não é improvável que Dominic Toretto tenha tirado o controle eletrônico das turbinas sequenciais desse esportivo com motor Wankel.
O sistema, de tão complexo, frequentemente é removido para dar lugar a um turbo único, mais simples.
O motor 1.3 de dois rotores e até 280 cv também era um terror para os mecânicos. O menor número de peças móveis não torna a manutenção do conjunto mais simples, e o carro exige atenção redobrada do proprietário, especialmente no nível de óleo.
Acha exagero eleger o japonês entre os mais complexos já feito? Na geração FD, o filtro de combustível foi instalado entre o diferencial traseiro e a carroceria, o que exigia o desmonte de parte da suspensão só para fazer uma mera troca do elemento filtrante.
Não à toa, é comum encontrar relatos de modelos com motores danificados após rodarem milhares de quilômetros sem trocar o essencial filtro de óleo.
Mitsubishi 3000GT VR4
A palavra “complicado” parece ter entrado de vez no vocabulário dos engenheiros japoneses na década de 90.
Assim como seu rival rotativo, o 3000GT também era biturbo, mas com um arranjo mais convencional, dotado de um V6 com até 300 cv e câmbio manual ou automático.
O normal, porém, para por aí. A versão topo de linha do 3000GT vinha com tração integral, esterçamento nas quatro rodas, aerodinâmica ativa, suspensão com controle eletrônico e escapamento com ruído ajustável – tudo isso em 1994.
Quer um pouco mais de complexidade? Escolha a versão conversível, que usava um teto rígido dobrável automático muito antes da popularização do Mercedes SLK.
Mercedes Classe S (W140)
Por falar em carro alemão, lembram do 600 hidráulico lá de cima? Bem, provavelmente algum engenheiro de Stuttgart achou que precisava ir além no quesito complexidade ao desenvolver a geração W140, de 1991.
Ele foi o primeiro Mercedes a usar a arquitetura eletrônica CAN e tinha requintes impensáveis até para os dias de hoje. Em uma época sem sensor de estacionamento, por exemplo, duas varetas similares a antenas se levantavam na traseira em manobras para indicar ao motorista onde o carro terminava. E os retrovisores, naturalmente, tinham ajuste elétrico. Todos os três.
O inusitado era que até o retrovisor central tinha ajuste elétrico.
O Classe S também tinha que superar, em quilowatts, os 300 cavalos do BMW Série 7. Então a versão topo de linha foi equipada com um V12 6.0 de 300 kw, equivalentes a 408 cv.
Não por menos esse mesmo motor, anos depois, foi escolhido pela Pagani para empurrar o superesportivo Zonda.
Porsche 959
Enquanto o Brasil nem sequer tinha um carro com injeção eletrônica, a Porsche lançava um de seus modelos mais famosos (fora o 911).
Originalmente o 959 foi desenvolvido para competir nas provas de rali do Grupo B, mas chegou às ruas após a extinção da perigosa competição fora de estrada.
Mas o sangue off-road foi mantido no sistema de tração integral controlada eletricamente com diferencial Haldex e no inédito câmbio de seis marchas, cuja primeira, reduzida, é indicada pela letra G, de Gelände (campo, em alemão).
O 959 também tinha ABS, carroceria de alumínio com kevlar (o mesmo material dos coletes à prova de balas) e foi o primeiro carro de produção a usar pneus do tipo run flat, que eram equipados com sensores para monitoramento de pressão dos conjuntos.
O motor manteve a configuração boxer de seis cilindros, mas a Porsche precisou criar um sistema de arrefecimento dos cabeçotes para conseguir chegar à potência de 444 cv.
De tão complexo, o 959 custou mais à Porsche do que realmente era cobrado de seus clientes, e a marca só não cancelou o projeto porque, àquela altura, já havia recebido mais de 250 encomendas daquele que se tornaria um dos modelos mais rápidos da história da marca.