RE-2: quando a Citroën tentou fazer seu próprio helicóptero
Em meio à crise do petróleo e a própria crise da Citroën nos anos 70, a fabricante francesa se arriscou no ramo aeronáutico
Suspensão hidropneumática, volante de cubo fixo, perfume no ar-condicionado… Não faltam excentricidades em carros da Citroën, mas é provável que sua maior loucura tenha sido desenvolver um helicóptero do zero, lá nos anos 70.
Por trás desta história está a Comotor, joint-venture entre a NSU (antiga fabricante alemã pertencente à Auto Union) e a Citroën para o desenvolvimento de motores rotativos, também conhecidos como Wankel.
Com certa predileção por coisas diferentes, a Citroën se interessou pelo motor inventado por Felix Wankel, que a NSU usava desde 1964. Com rotor em vez de pistões, este motor é menor e gera mais potência que os convencionais de ciclo Otto – algo ótimo quando os impostos na França consideravam o tamanho do motor (como é hoje no Brasil).
O primeiro passo foi o pequeno protótipo Citroën M35, de 1969. Só em 1973 um motor rotativo chegaria ao mercado com o Citroën GS Birotor, que tinha excelente desempenho (107 cv e 0 a 100 km/h em 13s) mas fracassou pela baixa confiabilidade e pelo alto consumo de combustível justamente no início da crise do petróleo. Apenas 847 carros foram vendidos.
O fracasso foi tamanho que a Citroën se ofereceu para recomprar todos os carros desta versão vendidos até então, pois simplesmente não queria mais produzir peças de reposição para ele.
Ao mesmo tempo veio a concordata da Citroën. O Conselho Administrativo da marca considerou abortar o projeto de motores rotativos, até que alguém teve a ideia de desenvolver um helicóptero para aproveitar os motores desenvolvidos pela Comotor e, assim, tentar salvar a empresa.
Pode até parecer loucura, mas o Conselho aprovou a ideia. Para executá-la, recorreram a Charles Marchetti, engenheiro aeroespacial que criou o Allouette, primeiro helicóptero do mundo com turbina no lugar do motor a pistão.
A ideia original era fazer um helicóptero de uso pessoal, mas o projeto feito à toque de caixa resultou em no Citroën RE-2, de uso recreativo e com dois lugares. O protótipo ficou pronto no Natal de 1975, tinha 7,18 metros de comprimento, 2,59 metros de altura e pesava apenas 700 kg.
Com design moderno para a época, usava o motor Comotor 624 de 101 cv com injeção mecânica da própria Citroën em vez de carburador. Poderia manter velocidade de cruzeiro de 173 km/h a 3.500 metros de altitude.
O RE-2 voava, mas ainda não tinha cerfificado do governo francês para sair por aí. E foi durante os rigorosos testes de homologação que descobriram que o motor superaquecia após um tempo de uso.
Ainda assim, o governo francês aprovou sua venda. Porém, após a engenharia solucionar a falha de refrigeração do motor, a Peugeot tornou-se sócia majoritária na Citroën, formando a PSA. Havia uma licença de voo de seis meses para os ajustes finais, mas a Peugeot já estava cansada de perder dinheiro e ordenou o cancelamento definitivo do projeto.
Exemplar único, o Citroën RE-2 hoje está em exposição no museu da Citroën com apenas 38 h de vôo.