Por que o diesel é proibido para veículos de passeio no Brasil?
O engenheiro Luso Ventura explica a origem do veto a carros diesel no país, e que benefícios o combustível poderia trazer para nossos consumidores
O Brasil é o único país do mundo que tem uma lei que proíbe a comercialização de carros de passeio com motor diesel, embora esta restrição já exista em algumas cidades europeias.
A proibição vem desde novembro de 1976, após a crise do petróleo, quando 98% do transporte nacional de passageiros e cargas era movido a derivados de petróleo e o País precisava importar 78% do petróleo consumido.
Era o primeiro reflexo da estratégia do presidente Juscelino Kubitschek, que optou pelas rodovias em lugar das ferrovias como principal forma de transporte de cargas 20 anos antes.
Desde então o diesel está concentrado no transporte de cargas e transporte coletivo de passageiros.
Hoje, somente caminhões, ônibus, picapes com carga útil superior a 1.000 kg e utilitários com tração 4×4 e reduzida (ou primeira marcha mais curta, como nos Jeep Renegade e Compass) podem usar esses motores.
Contudo, esta regra é questionada há muito tempo. No início dos anos 2000 correu na Câmara dos Deputados e no Senado uma proposta de emenda constitucional (PEC) para liberar o uso por automóveis.
Mais recente, o projeto de lei 84/2015 também tenta derrubar este veto, colocando o país em condições similares às existentes na Europa e nos Estados Unidos. Mas está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado desde fevereiro de 2017 aguardando um novo relator.
O anterior foi Marcelo Crivella, que deixou a comissão para assumir o cargo de Prefeito da cidade do Rio de Janeiro.
Para esclarecer quais são os benefícios que os consumidores teriam com a aprovação dessa lei, QUATRO RODAS entrevistou o engenheiro Luso Ventura, membro do grupo Aprove Diesel, organização que reúne empresas como Delphi, Bosch e MWM International em prol da conscientização da importância econômica dos motores diesel.
Quatro Rodas: Por que os carros de passeio a diesel foram proibidos em 1976, e por que a proibição permanece até hoje?
Luso Ventura: A lei nasceu junto com o ProÁlcool, que consistia em substituir em larga escala os combustíveis derivados do petróleo em virtude da crise do petróleo em 1973.
Desde então, houve várias tentativas de derrubar esse veto, mas sempre surgia algum argumento como a questão ambiental, pois no passado o diesel emitia muito material particulado prejudicial para a saúde humana. Porém com a criação do diesel S10, que tem baixo teor de enxofre em sua composição, esse argumento não faz mais sentido.
Qual a diferença de qualidade do nosso diesel para o diesel europeu?
O diesel europeu e o diesel brasileiro do tipo S10 estão bem similares, resultando, com a mesma tecnologia de motores, em níveis semelhantes de emissões dos carros a diesel aqui e lá.
Com a legislação ambiental e o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Motores (PROCONVE), houve uma evolução muito grande tanto da qualidade do diesel quanto dos motores.
A redução de enxofre, que é o principal responsável pela emissão de material particulado, foi expressiva. Em 20 anos passou de 13 000 ppm (partes por milhão) para 10 ppm.
Caso a lei que aprova o carro a diesel seja aprovada quais seriam os benefícios para o consumidor brasileiro?
Considero que o carro a diesel não é indicado para todos os perfis de condutores. Acredito que ele vale mais a pena para quem roda mais do que a média, e para quem possui carros mais pesados.
Isso porque os motores a diesel são naturalmente mais caros e muito mais duráveis que um a gasolina, por isso para o investimento valer a pena o condutor deve ter esse perfil. São motores de 25% a 35% mais eficientes que o a gasolina e o consumo pode chegar até a 25 km/l.
Você acredita que mesmo sendo mais caro o carro a diesel teria mercado por aqui?
Sem dúvida. No começo, os carros seriam importados e caros, e a adesão provavelmente seria baixa. Mas com o aumento da demanda, a diferença de preço entre o carro a gasolina e a diesel ficaria cada vez menor.
Europa segue caminho contrário
O escândalo de fraude de emissões, que explodiu nas mãos da Volkswagen em 2015 e se alastrou por outras fabricantes, fez a Europa desistir de apostar forte nos motores a diesel.
Havia um software que alterava o nível de emissões nos motores EA189 quando detectava uma situação de teste. As emissões eram até 40x menores do que em condições normais.
A Europa apostou forte nos motores diesel nas últimas décadas. De 10% em 1995, passaram a representar 60% das a venda de carros em 2011. Mas o já cenário começou a mudar: a venda de carros a diesel caiu 7,9% (ou 600 mil unidades), quando a de carros a gasolina subiu 10,9% (760 mil carros) em 2017.
Em outras palavras, no ano passado foram vendidos na Europa mais carros a gasolina do que a diesel, algo que não se via há dez anos.
Tudo indica que essa tendência continuará. Existe a desconfiança do consumidor, que pode gastar 10% menos em um carro a gasolina com motor turbo com injeção direta que entrega força e eficiência semelhantes.
Mas fabricantes também começam a desistir do óleo combustível. A Toyota anunciou em março, durante o Salão de Genebra, que vai iniciar a eliminação gradual da oferta de motores diesel em sua linha a partir de 2018.
A Alemanha já autorizou pelo menos 70 cidades a proibir a circulação de carros diesel mais poluentes. Roma, na Itália, tomou decisão parecida.
Isso vai de encontro com países europeus que querem banir carros com motor a combustão (gasolina ou diesel).
A França estabeleceu 2040 e a Alemanha quer fazer o mesmo em 2030. Mas ninguém supera a Noruega, que quer ter apenas carros elétricos à venda a partir de 2025.
Se depender do projeto de lei do senado 304/2017, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o Brasil será mais um integrante do clube de países que vão banir carros com motores a combustão.
Mas não completamente: a mudança na legislação prevê que modelos movidos a biocombustíveis, como etanol, ainda tenham autorização para circular no Brasil.
Hoje o projeto de lei está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e tem a senadora Ana Amélia como relatora.
Pode ser que, no final das contas, o Brasil esteja mais certo do que errado no que diz respeito ao uso de motores diesel.