O improvável reencontro de VW Gol G4 com Fiat Palio Fire em Nurburgring
Levados do Brasil para a Alemanha para serem cobaias, estes Gol G4 e Palio Fire foram resgatados por brasileiros para não virarem sucata
Poderia ser um comparativo de 18 anos atrás, mas este encontro de um Volkswagen Gol G4 e Fiat Palio Fire no circuito de Nürburgring, na Alemanha, foi, na verdade, um reencontro. Os dois carros foram levados para a Alemanha com o mesmo propósito.
Aliás, ambos são nossos velhos conhecidos. Há três anos, esse Palio Fire estava anunciado na cidade de Bremem por €2.499 (cerca de R$ 15.960 no câmbio da época). O vendedor relatou à nossa reportagem ter comprado o carro de um senhor, que o manteve parado por oito anos em sua garagem.
A documentação do carro ajudou a esclarecer como um Palio foi parar na Alemanha. Seu primeiro registro foi em nome da Shell Global Solutions, que importou o carro em 2007 para testes, afinal, o foco da empresa é a diminuição das emissões de CO2 e racionalização do consumo de energia, e estariam interessados em usar etanol no carro.
Esse é exatamente o mesmo histórico do Gol G4. Enquanto o Palio foi comprado na concessionária Itavema, no Rio de Janeiro (RJ), o Gol G4 foi comprado na Alta, em São Paulo (SP). Seu destino seria o mesmo: servir de cobaia da Shell. Mas, após isso, sua jornada pela Europa foi mais longa e isso quase inviabilizou seu resgate.
No início de 2023, esse Volkswagen Gol G4 estava anunciado no interior da Polônia. Nossa reportagem tentou conversar com o vendedor, mas só conseguiu confirmar que este carro realmente pertenceu à Shell, de quem havia sido comprado.
A barreira linguística e até de desconfiança do vendedor foi uma das barreiras enfrentadas pelo brasileiro Renato Hinkelmann. Ele já tem experiência em resgatar os VW Gol: em 2019, contamos a história do resgate de um Gol G2 na Alemanha, que culminou em uma viagem até Nürburgring. Aquele carro acabou sendo vendido a um colecionador alemão que tem outros carros brasileiros.
“Eu até cheguei a fazer uma proposta no Palio quando foi anunciado, mas o vendedor não aceitou. Quando apareceu o Gol, eu fiquei na dúvida se o negócio era legítimo ou não. Mas um camarada que trabalha comigo é polonês e ligou para o vendedor e confirmou que o carro realmente existia e que realmente era da Shell”, conta Hinkelmann, que acabou fechando negócio no Gol G4.
Quem conseguiu o transporte do carro da Alemanha para a Polônia, por sinal, foi o vendedor do Gol G2.
Comprar não foi difícil, o difícil foi legalizar o Gol G4. “Eu mandei o carro direto para a oficina do vendedor do primeiro Gol, já para executar qualquer serviço necessário e enviar o carro para a inspeção da TÜV. Nem assim conseguiu legalizar. Não havia informações sobre emissões no documento e o primeiro documento alemão não existia mais. E nem no documento polonês constava as emissões”, explica Renato.
O jeito, então, foi enviar o carro para o norte da Alemanha, para outra pessoa que tentaria conseguir a inspeção do carro. E o carro ficou lá por 10 meses, enquanto essa pessoa tentava outros meios.
Até conseguiram, graças ao amigo de Lucas, atual proprietário do Palio, o primeiro documento alemão do Gol G4, mas não ajudou muito: não especificava as emissões. Os dois começaram a se falar quando correu a notícia de que um brasileiro havia arrematado o Fiat Palio após dois anos anunciado. Por sinal, ele não teve problemas com a documentação.
Renato, então, alugou um reboque e foi buscar o carro. “Na volta, passei em mais quatro lugares em Colônia para tentar registrar o carro. Depois, conversei com um amigo colecionador que até tem um VW Brasilia, que indicou uma oficina em Aachen, perto dos Países Baixos, acostumado a fazer esse processo de inspeção”, conta Hinkelmann.
Esse mecânico fez um teste de emissões no VW Gol e arbitrou as emissões do carro. Mas reprovou as linhas de freio e as lanternas, por não terem luzes de neblina. A sorte é que existiu Gol com lanterna de neblina e o Renato já havia importado ela do Brasil, e que encontrou facilmente os flexíveis de freio compatíveis em seu catálogo de peças Volkswagen.
“Aproveitei e comprei o interruptor com as luzes de neblina do Golf vendido na Europa, que é o mesmo do Gol mas com o comando de puxar, e descobri que as luzes de neblina dianteiras do Gol são exatamente as mesmas do Fox vendido na Europa, então o próprio mecânico cortou o para-choque e instalou as luzes”, explica o brasileiro, que finalmente conseguiu legalizar seu novo velho Gol em julho, após um ano e meio.
Ele ainda poderia ter sido cobrado pelo ar quente da cabine do carro, que é obrigatório na Europa desde os anos 1970. Mas a própria Shell já havia resolvido isso instalando uma válvula para desviar a água quente para dentro do carro, acionada sob o painel.
Desde então, Renato colocou um jogo de rodas Brock com novos pneus e vem usando seu VW Gol G4 como carro do dia a dia. Foi a deixa, também, para marcar um passeio com o proprietário do Fiat Palio até Nürburgring. Aquele passeio obrigatório para quem gosta de carro e está na Alemanha.
Só não conseguiram “correr” juntos dentro do circuito por causa do trânsito na entrada, mas fizeram um relativo sucesso por lá por serem exóticos para os europeus. Houve caras de espanto dos europeus e comemorações de brasileiros.
Inclusive, o Gol apareceu no Reddit e os comentários, como é de se imaginar têm um nível diferente de surpresa: “Por que alguém importaria isso?”, perguntou um usuário que foi respondido em seguida com “Essa é a questão principal. Esse carro parece um pedaço de m****”.
Renato diz ter conseguido chegar aos 145 km/h dentro do circuito, mas tirou o pé com receio de algo dar errado. É quase a velocidade máxima que os 68 cv (com gasolina) que o motor 1.0 8V conseguia fazer o Gol alcançar, graças ao câmbio bem curto.
Foi o reencontro de dois carros brasileiros e com modestos motores 1.0 que chegaram juntos à Alemanha. Tanto que foram registrados em Hamburgo no mesmo dia e em seguida receberam placas sequenciais e também plaquetas rebitadas com todos os dados dos carros em alemão. “Batendo os documentos pude, então, comprovar que os dois carros foram importados e emplacados pela Shell. E confirmei que eles nunca chegaram a ser emplacados no Brasil”.
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Agora, Renato continua a busca por outros Volkswagen Gol na Europa. “Havia um outro G4 na Holanda, mas já virou prego. O Lucas encontrou um G3 na Bulgária e sabemos que existem dois Gol G5, um na Espanha e outro em Portugal e ele ainda tenta contato com os donos na tentativa de comprar e trazer para a Alemanha. Uma Saveiro continua à venda na Holanda, mas estão pedindo 30.000 euros no carro”, conta. Por sinal, ele perdeu contato com o comprador do Gol G2.
Se o Gol G2 de Renato era chamado de 7×2, o G4 foi apelidado de 7×3. Sua intenção agora é encontrar outros Gol para virar esse placar. Você pode acompanhar a jornada do Gol em @ClassicCarsEuropa e a do Palio em @umpalionalemanha.