Recordista e com alma de V12: os segredos do novo motor V6 da Ferrari
Além de performance recordista do motor V6 2.9, marca recorreu à engenhosidade para cumprir papel afetivo de toda Ferrari na nova 296 GTB
O atual estágio da eletrificação automotiva é garantia de angústia e ansiedade constantes aos mais puristas. É rara uma semana de paz, sem notícias de montadoras que cravam fim dos motores a combustão ou de “sacrilégios”, como o Ford Mustang Mach-E ser o carro mais vendido da “perfeita” Noruega.
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Ainda que seja uma divindade automotiva, a Ferrari não goza de mesmo status aos olhos da Lei, e, inevitavelmente, também prepara seu futuro elétrico. E mesmo postergando prazos com sucesso, a italiana já anunciou seu primeiro superesportivo do tipo para cerca de 2030, ao passo que hibridiza seu portfólio lentamente a fim de menor estresse.
Revelada no último dia 24, a Ferrari 296 GTB é um dos expoentes dessa “diplomacia”, usando criatividade para compensar todos os tabus quebrados da vez. O principal deles diz respeito ao tradicional V12 da marca, substituído por propulsão híbrida protagonizada pelo V6 biturbo. Além de performance mais do que digna, a fabricante também precisou ajustar até o ronco para evitar de haters à desvalorização do biposto.
Dois por um
Estreante do Tipo F163, o seu motor é um V6 3.0 (2992 cm³) com bancadas dispostas a 120º, capaz de entregar 663 cv. De tão eficiente, a potência específica de 221 cv/l da 296 GTB é recorde entre carros de série, afirma a companhia.
Para chegar a esse patamar, a Ferrari precisou construir soluções do zero, também aproveitando ideias antigas como o elevado ângulo entre as bancadas de cilindros usado nos primórdios da Fórmula 1. Com maior abertura, foi possível instalar dois turbos da IHI entre os trios de cilindros, em posição central. Além de mais compacto, o arranjo reduziu significativamente o caminho do fluxo de ar até a combustão, minimizando perdas.
Os turbocompressores são feitos de ligas de alta performance, capazes de suportar até 180.800 rpm. Como as turbinas mono-scroll (duto simples) giram em sentidos contrários, o momento de inércia do conjunto é 11% menor que o equivalente dos motores V8.
Mas antes que os turbos ajam, a propulsão já é “construída” com eficiência desde o coletor de admissão, integrado ao suporte do motor e redesenhado em busca de menor percurso e menos peso.
A injeção mantém (e ainda melhora) o processo graças a bicos injetores centrais aproveitados da SF90 Stradale e a bomba de alta pressão que trabalha a 350 bar. O virabrequim é feito de aço nitretado – tratado a nitrogênio muito quente, em busca de maior dureza e resistência – e tem 100% das massas rotativas balanceadas. Em espécie de “plano-sequência” mecânica, a ciência de materiais é onipresente da admissão, feita de termoplásticos leves, ao coletor de escape, feito em liga de aço-niquel patenteada.
Motor elétrico
A Fórmula 1 volta a contribuir, mas com herança recente, no motor elétrico com recuperação de energia cinética da 296 GTB. Ele pode comandar o carro sozinho, dispondo de 167 cv, mas é unindo forças ao V6 que tem-se o desempenho máximo do carro, com 830 cv e 75,5 kgfm. A Ferrari garante, inclusive, 0 a 100 km/h em 2,9 s e velocidade máxima superior a 330 km/h.
Também vêm da elite automobilística a transmissão de oito marchas do novo modelo e seu diferencial eletrônico, alimentado pelo motor elétrico. O conjunto elétrico é completado por um inversor e baterias de 7,45 kWh montados no eixo traseiro e seu desenho compacto foi crucial para um entre-eixos menor possível, ressalta a Ferrari.
O papel de cada motor é garantido pelo atuador gerenciador de transição (TMA), que deixa o motor elétrico atuando sozinho sobre as rodas de trás ou faz desse um auxiliar do V6, com suavidade ímpar e tração traseira constante.
Informações vindas do inversor e do câmbio DCT ajudam o software autoral da Ferrari a agir de maneira mais sutil possível, auxiliado por embreagem seca com três pratos de pressão e sensores dedicados. Completando a orquestra, as baterias compactas são posicionadas próximas ao solo, para favorecer a dinâmica de pilotagem. A energia que sai delas percorre dois módulos de silício em paralelo com perda de potência na casa de 6% na mudança de corrente, reduzindo o desperdício cinético.
Além do que se vê
Sabemos, todavia, que números não bastam à experiência que envolve uma Ferrari. E, com performance digna dos V12 garantida pelo conjunto híbrido, a marca voltou seus esforços aos ouvidos.
Assim, não bastasse toda a ciência envolvida na concepção de seu V6 recordista os projetistas ainda se preocuparam em garantir que cada componente tivesse papel útil no ronco da máquina, batizada internamente de piccolo V12 (“pequeno V12”, em italiano) durante seu desenvolvimento.
Desde a ordem de disparo 1-6-3-4-2-5 simétrica e igualmente espaçada aos coletores de escape que desembocam em duto único, tudo é pensado para amplificar ondas de pressão e equalizar o ruído, direcionado por querer à cabine.
Em baixas rotações a berlinetta oferece o ronco grave desde a sua partida e, quando seus giros sobem até o limite de 8.500 rpm, o par de turbocompressores auxiliam o V6 a atingir o rugido típico dos doze cilindros italianos, cada vez mais raros.
Acostumada a ditar tendências e parâmetros, a Ferrari teve elegância de assumir que mudará, aos poucos desprendendo seu legado de detalhes inerentes à combustão. Ao mesmo tempo, a marca não faz questão alguma de chamar o protagonismo na eletrificação e é sutil quando precisa dar “más notícias” aos seus admiradores.
Enquanto tenta garantir soluções definitivas e se encontrar, vale a criatividade para suprir o que potência e torque não dão conta.
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