Expedição Sertões ‘cria’ caminhos para garantir aventuras até a pilotos
Um erro logístico levou um piloto a largar as competições e se dedicar a criar aventuras para quem quer acompanhar o rali dos Sertões
Acompanhar as disputas entre os pilotos no Rally dos Sertões in loco não é fácil, a não ser que você more nas localidades por onde a competição passará (muitas vezes, com carros a 200 km/h). A promessa das Expedições Sertões é, justamente, tentar proporcionar essa experiência a quem quer conhecer conhecer um outro Brasil e até mesmo a quem já competiu no rali.
Vários grupos das Expedições acompanham o Sertões de cidade em cidade, mas com propostas e roteiros diferentes. Uns focam na experiência turística nas cidades por onde passam, há os que focam no off-road. Ao mesmo tempo, alguns grupos dormem em hotéis nas mesmas cidades onde são instaladas as Vila Sertões, enquanto outros acampam na Vila Sertões, fora ou sobre o próprio carro.
Em comum, todos exigem carros 4×4 e com altura suficiente para vencer obstáculos sem problemas, e que receberão inscrição oficial no Sertões. “Quando começamos a fazer as expedições, em 2016, pedimos para a organização garantir que os participantes tivessem credenciais, carros adesivados e até subissem na rampa de largada para viver essa experiência”, conta Renato Perotti, piloto e coordenador das Expedições Sertões.
No início, eram 15 carros. Em 2021, 200 carros divididos em 12 experiências diferentes, com categorias para motos, UTVs e picapes e SUVs, além das diferenças no conforto. Operadores diferentes cuidam de cada um dos grupos.
Acompanhamos o grupo encabeçado justamente por Perotti, que começou em Foz do Iguaçu (PR) com 50 carros, dos quais 27 seguirão até o final do Sertões 2022, em Salinópolis (PA). Serão duas semanas de expedição. Há famílias com crianças, casais e até mesmo idosos no grupo, sendo que 80% deles já participou de expedições anteriores.
O custo é da inscrição é de R$ 12.000 para quem participa do trecho sul ou do trecho norte, e de pouco mais de R$ 15.000 para quem fizer a expedição completa.
“O mais difícil é ter um grupo homogêneo, que quer viver a mesma experiência. Esse grupo aqui é o ‘raiz’, com gente que curte esse tipo de passeio e que, por mais que tenha condições até para correr no Sertões, dorme em barraca e come aqui com todo mundo”, conta Perotti apontando para a as três costelas que seriam servidas no pão francês na hora do jantar.
O almoço havia sido uma galinhada, servida em um refeitório no povoado de Zigurats (em Curralinho, MS) e na véspera, em Campo Grande (MS) um pantaneiro havia sido contratado por um grupo local para servir no jantar uma verdadeira comida de comitiva feita na frente de todos, na lenha: arroz carreteiro, feijão gordo, macarrão de comitiva e farofa. E todo mundo come feliz e satisfeito.
Mas nem sempre é assim e, justamente por isso, sobram histórias de outras expedições. Um cozinheiro, Fabio, acompanha o grupo e cuida de garantir as refeições em algumas etapas onde não há estrutura.
“Uma vez a chegamos na beira do Rio Araguaia e não tínhamos nada para comer. Compramos uns peixes e umas verduras com os índios locais e o Fabio fez uma moqueca de pintado para todo mundo e foi bom demais” conta Leonardo, de Recife (PE), que já está no 12° Sertões, mas por ter se acidentado com seu UTV em 2021, neste ano participa com a expedição.
Caminhos alternativos
O dia começou cedo em Campo Grande (MS). Na mesma hora que os UTVs começavam a sair da Vila do Sertões para fazer o deslocamento inicial até a largada, nós estávamos saindo em comboio rumo à cidade de Terenos, ainda pelo asfalto. Lá começava o trecho de terra, um caminho alternativo passando pela serra de Maracaju, um dos limites do pantanal, e pelo morro do Paxixi para chegar ao povoado de Zigurats, sobre a qual falaremos em outra reportagem.
O fato é que este caminho havia sido aberto em meio a fazendas especialmente para a Expedição e nem mesmo os locais conheciam o caminho. Além de mata-burros e porteiras, tivemos que negociar o caminho com um gado jovem que pastava em um trecho do caminho. Aquela centena de animais correndo na nossa frente ficará na memória.
“Eu sou uma pessoa que não gosta de ir e voltar pelo mesmo caminho. Se eu tiver que fazer isso, é melhor não ir. Aí conversando com pessoas que moram lá descobri que havia como atravessar as fazendas ao pé do cânion. E caçamos uma nova saída”, revela Perotti, explicando que os moradores vão e voltam por uma estradinha que passa pela localidade de Rochedo.
Tudo começou com um problema logístico
Renato Perotti conta que já foi representante do Rally Dakar no Brasil e trabalhou na Mitsubishi, onde começou a fazer expedições graças a um problema logístico da fabricante.
Perotti contou da vez que a Mitsubishi do Brasil resolveu patrocinar o Dakar fornecendo carros de apoio. “Mas esqueceram que os carros deveriam ser exportados para o Peru e importadas, depois da competição, pelo Chile. Eu era o chefe da equipe Mitsubishi Petrobras e o presidente do Dakar me chamou para falar que os carros estavam sem documento”, lembra. Eram 45 carros.
“Liguei para a Mitsubishi para avisar. E me contaram que os documentos estavam no cofre da Mitsubishi, no Brasil. Eles exportavam carros novos, não os emplacados, então quando disseram que os documentos originais não seriam necessários, não enviaram.”
“Era época de férias coletivas, porque o Dakar começava no dia 2 de janeiro. Então demos um jeito do meu contato na Mitsubishi entrar na empresa, pegar os documentos, colocar em um malote e me enviar por meio do diretor de marketing, que iria para o Peru no Ano Novo. É claro que ele só soube do conteúdo da encomenda depois que tudo estava resolvido…”, completa Perotti.
Os carros só retornaram ao Brasil em abril. Diante da demora, da burocracia e de todo o custo logístico envolvido, Renato deu a ideia de no ano seguinte levar e trazer os 45 carros disponibilizados ao Rally Dakar rodando. Não contratando motoristas, mas vendendo expedições.
“Quando chegou na época do Dakar, me procuraram para seguir minha ideia. Levantei o roteiro em um mês e em uma semana todas as vagas já estavam vendidas para a viagem de 11 dias entre São Paulo a Buenos Aires com tudo incluso. O valor zerava todo o custo logístico”, explica Perotti, lembrando que o retorno dos carros do Chile, onde o rali acabou, foi feito em três expedições de 15 carros. Dois clientes destas primeiras expedições o acompanham nesta Expedição Sertões.
Foi também buscando uma alternativa que levou Renato à organização das expedições. “Fui piloto de moto de rali, fui navegador de rali, competi no Sertões de carro. Na verdade, comecei a correr no motocross, mas depois disso tudo descobri que não gosto de corrida. O que eu gosto mesmo, e depois entendi, é da aventura. Que alguém duvide que eu suba uma montanha e eu vou lá e subo”, conta.
Esse desafio motivou Perotti por cinco anos até 2020, quando estabeleceu o recorde mundial de 6.003 m de altitude em um veículo 4×4 (uma Mitsubishi L200 Triton) e sem oxigênio ao subir a Sierra del Valadeiro, na Argentina. Ele repetiu o feito em abril deste ano, com uma Ram 1500 Rebel.
“Quando eu desci de lá pela primeira vez me perguntaram o que faltava, e disse “os amigos para abraçar!”, revela Perotti. Isso ajuda a entender como o piloto abandonou as competições para coordenar as expedições: “Os pilotos enchiam o meu saco. Eu queria uma equipe no rali dos Sertões sem pilotos, para viver toda a aventura do Sertões sem abandonar isso aqui. Foi o que me motivou a apresentar o projeto das expedições”. E assim ele chega à 20° participação no Sertões.