Entrevista: Sarina Arnold
Gerente de P&D da Shell revela os bastidores do desenvolvimento de um novo combustível
Sarina Arnold traduz perfeitamente o velho ditado de que “as aparências enganam”. Esta engenheira química trabalha na Shell há 22 anos, tendo começado sua carreira dentro da empresa na área de Pesquisa e Desenvolvimento no Centro de Tecnologia da Shell, em Amsterdã. Nos últimos 13 anos ela se dedicou a diversas pesquisas nas áreas de tecnologia de combustíveis, de qualidade do ar e emissões a biocombustíveis.
Atualmente gerenciando projetos de P&D, Sarina é uma das responsáveis pelo projeto da nova gasolina Shell V-Power Nitro+. O combustível que já é comercializado em 15 países acaba de ser lançado no Brasil, prometendo reduzir o atrito entre as peças internas do motor e ainda limpar depósitos de partículas gerados por abastecimentos com combustível de má qualidade, que podem afetar o desempenho do veículo.
Em entrevista a QUATRO RODAS, Sarina detalhou o processo de desenvolvimento de um novo combustível, falou sobre a importância do etanol e comentou sobre as particularidades da gasolina utilizada na Fórmula 1, categoria na qual a Shell marca presença como parceira da Scuderia Ferrari.
Quanto tempo é necessário para se desenvolver um novo combustível?
Normalmente o desenvolvimento de um novo produto leva alguns anos para ser concluído. No caso de um produto feito para ser vendido em vários países como a V-Power Nitro+ (gasolina que acaba de chegar ao Brasil), todo o processo leva de dois a três anos. Esta demora acontece porque realizamos várias etapas, que vão desde o estudo das condições mercadológicas de cada país até a realização de testes com veículos locais – como fizemos aqui no Brasil.
Como é realizado este processo de desenvolvimento?
Tudo começa com uma pesquisa junto aos consumidores para descobrirmos suas preferências. Aplicamos questionários por escrito e entrevistas presenciais. Muita gente costuma nos pedir para desenvolver um combustível mais eficiente e que polua menos. Com as respostas em mãos, vamos para nossos laboratórios e estudamos o que é possível fazer. É impossível saber como o combustível vai funcionar até realizarmos os primeiros testes com motores. A partir daí, iniciamos os testes com veículos vendidos localmente. Esta etapa pode levar até seis meses, pelo menos até obtermos informações suficientes para autorizarmos as vendas do combustível.
Quais são as diferenças do combustível utilizado em carros de passeio para o combustível que abastece os carros de rua?
O combustível utilizado em carros de corridas precisa seguir uma série de normas fornecidas pela FIA. No caso da Fórmula 1, a federação exige que 99% dos componentes presentes na fórmula dos combustíveis utilizados na categoria precisam estar presentes nos combustíveis encontrados em qualquer posto. Esta sinergia de componentes facilita a transição das tecnologias das pistas para as ruas. Foi o que aconteceu com a V-Power Nitro+, que traz como um dos principais benefícios a redução de fricção. Esta tecnologia foi desenvolvida para a F-1 em 2005, e agora é oferecida para os carros de passeio.
Podemos considerar a Fórmula 1 como um “laboratório” para o desenvolvimento de novas tecnologias?
Sim, e este é um bom termo para classificar nossos trabalhos na F-1. Construímos um laboratório muito moderno feito especialmente para a categoria, capaz de fazer vários tipos de testes. Todas as informações coletadas nestes testes são aproveitadas no desenvolvimento dos combustíveis para veículos de passeio. Não bastasse toda esta infra-estrutura à disposição da Ferrari, os pilotos da escuderia também nos ajudam participando destes testes e fornecendo informações a respeito do rendimento do combustível no veículo. Este feedback é fundamental para nós, complementando os dados coletados por nossos profissionais.
Por fim, falando sobre biocombustíveis, qual é a importância do etanol para a Shell?
Hoje o etanol é o biocombustível mais presente em todo o mundo. Uma de suas vantagens é sua versatilidade, pois ele pode ser feito a partir de várias fontes naturais. Se no Brasil o etanol vem da cana de açúcar, nos EUA ele pode ser feito a partir do milho e do trigo, apenas citando dois exemplos. Além disso, o etanol já está sendo utilizado em várias partes do mundo. As leis dos EUA exigem que a gasolina precisa ter 10% de etanol em sua composição, enquanto na Europa ele está estreando aos poucos, chegando a responder por 7% da fórmula da gasolina. Por isso, é um combustível bastante importante para nós.